Reintegração de posse - Bem imóvel - Composse - Não-caracterização - Comodato

 

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

Reintegração de posse - Bem imóvel - Composse - Não-caracterização - Comodato - Testemunha - Produção de prova - Documento novo - Não-configuração - Procedência do pedido


Ementa: Reintegração de posse. Afilhado que reside em parte do imóvel com autorização da possuidora. Comodato. Obrigação de devolver o bem. Apelação. Juntada de fotocópia de contrato de compra e venda da posse. Documento já existente ao tempo da propositura da ação. Documento não mencionado na contestação. Contradição com as alegações anteriores. Impossibilidade de apreciação.

- A pessoa que reside gratuitamente com expressa autorização do possuidor, conforme robusta prova testemunhal, não tem o caráter de co-possuidor, mas de mero comodatário, pelo que tem a obrigação de devolver a coisa, devendo pleitear em juízo a indenização pelas benfeitorias que realizou.

- Na forma dos arts. 396 e 397 do CPC, a prova documental deverá ser produzida pelo réu por ocasião de sua contestação, pelo que só é admitida a juntada posterior de documento novo, assim considerado somente aquele não existente à época da inicial ou da contestação ou só levado ao conhecimento da parte após vencido esse momento, o que não é o caso dos autos.

Apelação Cível ndeg. 1.0024.05.819567-8/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelantes: Márcio José Furtado e outra - Apelada: Nazira Vitório Hote - Relator: Des. Generoso Filho

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 27 de março de 2007. - Generoso Filho - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. GENEROSO FILHO - Verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Márcio José Furtado e outra contra sentença que, nos autos da ação de reintegração de posse proposta por Nazira Vitório Hote, julgou procedente o pedido inicial.

Em suas razões, os apelantes alegam que o primeiro apelante é afilhado da apelada; que o primeiro apelante veio para Belo Horizonte e foi morar em companhia da apelada e de seu falecido marido; que se mudou com eles para o imóvel objeto da lide, desde já exercendo juntamente com eles a posse do imóvel; que é co-possuidor; que sempre teve animus possidendi; que tanto é assim que empregou todo o seu dinheiro e de sua família nas benfeitorias que realizou no imóvel; que jamais faria isso a proveito de outrem e, se o fez, é porque acreditava ser possuidor; que nunca pediu autorização à apelada para a realização de qualquer das benfeitorias, mas somente opinião, por considerá-la como mãe. O apelante, na ocasião da apelação, também junta aos autos contrato de compra e venda de posse e uso do referido imóvel que teria realizado com a apelada, alegando que, no ano de 1991, a apelada teria vendido a posse do imóvel a ele apelante. Requer seja reformada in totum a sentença recorrida.

Não houve apresentação de contra-razões.

Analisando as alegações das partes, restou incontroverso que o apelante é afilhado da apelada e veio com ela e seu marido residir em Belo Horizonte quando ainda era menor, trabalhando na farmácia da família e recebendo em troca o apoio dos padrinhos, que o matricularam na escola e lhe forneceram o sustento. Consta também que os padrinhos do apelante ocuparam o imóvel objeto da lide e o apelante então passou a residir no local com eles.

Da prova testemunhal colhida, depreende-se que no local havia uma pequena construção que foi melhorada pelo primeiro apelante e que, posteriormente, tendo este constituído família, a apelada permitiu-lhe que este construísse no imóvel uma moradia para ele e sua esposa, bem como terminasse a construção já iniciada de um pequeno comércio no local. As testemunhas Expedito (f. 97), José Lopes (f. 98), Francisco Ângelo (testemunha do réu, f. 99) e José Corrêa (testemunha do réu, f. 100) foram coerentes e unânimes em dizer que a apelada "emprestava" o imóvel aos apelantes, tendo ela "autorizado" que estes construíssem no imóvel.

Dessa forma, tenho que a relação estabelecida entre apelantes e apelada foi a de comodato de bem não fungível, não havendo que se falar em composse, tampouco em aquisição da posse pelo tempo, pois o comodato tem como elemento essencial a obrigação do comodatário de devolver a coisa. Assim, o comodante tem o direito de exigir a coisa de volta, e, no caso de bem imóvel, se ele manifesta o desejo de reavê-la e o comodatário não a restitui, cabe a ação de reintegração de posse para que o comodante veja satisfeito seu direito de possuidor.

Razão assiste ao MM. Juiz também quando ressalta que não é necessário que o comodante seja proprietário do imóvel, mas tão-somente que seja possuidor da coisa (RT 599/161).

Quanto ao documento trazido pelos apelantes às f. 128/129, necessário ressaltar que o art. 397 do CPC diz que é lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos para fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

Ou seja, o CPC só admite a juntada de documentos após a contestação, que é o momento processual adequado (art.396) para contrapor outro documento juntado pela parte contrária ou se tal documento é realmente novo, ou seja, se a parte só teve conhecimento de sua existência posteriormente ou se, por motivo de caso fortuito ou força maior, não pôde juntá-lo oportunamente, apesar de já tê-lo mencionado em suas alegações.

No caso em tela, vê-se que o documento, conforme dito na apelação, já existia, e não foi sequer mencionado na contestação nem em qualquer outro momento processual anterior, pelo que sua juntada nesta fase do processo demonstra uma tentativa de surpreender ardilosamente a parte contrária, não lhe permitindo o contraditório.

Isso sem contar que a documentação foi apresentada em fotocópia, sem qualquer autenticação, e não foi assinada pelas testemunhas.

Dessa forma, tenho que a juntada de tal documento contraria dispositivo legal, pelo que este não deve ser considerado, estando inapto a produzir efeitos, sob pena de se configurar a deslealdade processual.

Nesse sentido:

"Ação de cobrança de aluguéis - Pagamento - Não-comprovação - Cerceamento de defesa - Inocorrência - Sentença mantida. - Estabelece o Código de Processo Civil que a prova documental deverá ser produzida pelo autor com a inicial e pelo réu por ocasião de sua contestação, porém será admitida a juntada aos autos, em fase posterior, de documento ao qual somente teve acesso a parte após o ajuizamento da ação (Agravo de Instrumento nº 1.0362.01.009857-6/001, Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Rel. Des. Luciano Pinto). Tem-se por documento novo aquele não existente à época da inicial ou da contestação ou só levado ao conhecimento da parte após vencido esse momento, o que não é o caso dos autos" (Apelação nº 1.0701.03.025123-8/001 - Comarca de Uberaba - 9ª Câmara Cível do TJMG - Rel. Des. Antônio de Pádua - Data do julgamento: 11.04.2006).

No mais, a própria alegação de ter adquirido a posse por meio de contrato de compra e venda não foi ventilada no curso do processo e, do modo como foi colocada no recurso de apelação, é contraditória às demais alegações apresentadas, pelo que as argumentações dos apelantes se mostram incoerentes. É no mínimo estranho que alguém que compra a posse de um imóvel não alegue tal fato em sede de contestação em ação de reintegração de posse.

Isso posto, nego provimento ao apelo, mantendo in totum a sentença recorrida.

Custas, pelos apelantes, ficando sua exigibilidade suspensa, na forma do art.12 da Lei 1.060/50, em face da gratuidade de justiça que lhes foi concedida na sentença.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Osmando Almeida e Pedro Bernardes.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.

 

Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 23/06/2007

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