Pessoas do mesmo sexo poderão registrar documentos sobre união estável em Cartórios do RS

As pessoas plenamente capazes, independentemente da identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito à sua comunhão afetiva. Também as pessoas que pretendam construir uma união afetiva, em relações do mesmo sexo ou heterossexuais, poderão registrar os documentos que a isso digam respeito.

Essas são as disposições da medida baixada pelo Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, publicada no Diário da Justiça desta quarta-feira (3/3), que passou a permitir aos Cartórios de Registros de Notas do Estado do Rio Grande do Sul, aceitar os pedidos de registro de documentos relativos às uniões afetivas de pessoas do mesmo sexo.

Até então, os Cartórios do Estado recusavam-se a registrar os documentos alegando que não havia previsão legal nem orientação que permitisse e que normatizasse a questão. Os Cartórios alegavam também que não havia jurisprudência que desse certeza da admissão pelo ordenamento jurídico pátrio de toda a extensão dos direitos decorrentes da união afetiva, não cingidos exclusivamente a certos efeitos patrimoniais já concedidos habitualmente pela Justiça.

O Provimento nº 06/2004-CGJ teve origem em pedido de informações da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, que havia recebido informação da negativa de vários Tabelionatos da Capital em lavrar escritura pública de união estável homoafetiva. Foi solicitada manifestação ao Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio Grande do Sul e, finalmente, proferido parecer pelo Juiz-Corregedor Clademir José Ceolin Missaggia, de 14 páginas, acolhido pelo então Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Marcelo Bandeira Pereira, em 27/1/2004.

O Juiz-Corregedor Missaggia afirma que “não obstante as discussões éticas, filosóficas, antropológicas e religiosas sobre o tema, o fato é que as relações homossexuais existem e por isso, em razão da segurança jurídica, merecem ser disciplinadas, independentemente da posição que se tenha”.

O magistrado listou o que os Tribunais do País já vem reconhecendo: partilha dos bens havidos durante a existência da união; o direito à sucessão; o direito a alimentos; que a Vara de Família é a competente para examinar as questões que envolvem sociedade de fato de pessoas do mesmo sexo, que envolvam relações de afeto; o visto de permanência no Brasil para estrangeiro que vivia em união estável com brasileiro, em decisão liminar; o direito de inscrição junto ao INSS das pessoas do mesmo sexo como parceiros preferenciais; o direito ao usufruto; e o direito à guarda de crianças.

Cita o art. 2º, inc. I, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, destacando a expressão “outra condição”: “Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”.

Assim, o Juiz-Corregedor conclui o parecer aprovado pelo Corregedor-Geral, “quando se tratam de relações de fato – caracterizado como união estável – entre o homem e a mulher – a própria Constituição tutela (art. 226, § 3º, da Constituição brasileira). Mesmo que ainda não caracterizada a união estável, como na hipótese regrada pela Constituição, os interessados poderão fazer o registro dos documentos que digam respeito à relação afetiva, com base no princípio da segurança jurídica”.

(João Batista Santafé Aguiar)


Fonte: Site do TJRS - 08/03/2004