Leia a íntegra da reportagem publicana na revista Construção Mercado, edição
de agosto, que trata da redução dos custos cartorários no programa
habitacional "Minha Casa, Minha Vida".
Cartórios contra a parede
Redução dos custos cartorários prometida no anúncio do programa habitacional
provoca debate entre construtoras e cartórios
Por Eduardo Campos Lima
Entre os incentivos promovidos pelo programa habitacional Minha Casa, Minha
Vida, a desoneração dos custos com os registros cartorários necessários nas
diferentes fases da construção e comercialização de imóveis foi
especialmente celebrada no setor. Mas meses depois do anúncio do plano,
divergências entre cartórios e incorporadores e a demora na completa
aprovação do projeto de lei que disciplina definitivamente a prática
emperraram a real atribuição dos descontos. "Não houve nenhuma comunicação
oficial, mas sabemos de cartórios que não estavam querendo cumprir a tabela
", afirma Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP.
No dia 7 de julho, o texto foi sancionado pela Presidência, mantendo as
disposições relativas à desoneração das custas cartorárias conforme
aprovadas pelo Congresso. A sanção da lei 11.977/09 sinaliza para uma
diminuição das distorções na aplicação das medidas e para um entendimento
mais amplo das normas do programa habitacional pelos setores envolvidos. De
acordo com André Marinho, gerente nacional de programas habitacionais e
arrendamento residencial da Caixa Econômica Federal, essas questões tendem a
se solucionar com a solidificação do programa. "Talvez esses problemas
tenham sido parte de uma curva inicial de aprendizado", define.
Segundo Sergio Watanabe, presidente do SindusCon-SP (Sindicato da Indústria
da Construção Civil do Estado de São Paulo), as isenções de custas não vêm
sendo aplicadas por todos os cartórios. "Tive experiências com relação a
isso em minha empresa, a Simétrica. Na cidade de Rio Claro, por exemplo,
soubemos que os cartórios têm aplicado os descontos. Entretanto, fizemos
recentemente uma consulta na cidade de São Paulo e o registrador disse:
"Vale a redução de custos para o comprador, mas não para o incorporador"",
conta.
No Rio Grande do Sul, o quadro se repetia. "Assinamos um contrato no dia 28
de maio e ele já teve o benefício por parte do registrador. Entretanto, um
associado do sindicato nos informou que não teve a redução em um registro
que fez", descreve Hugo Scipião, vice-presidente do Sinduscon-RS. Esse
associado, que preferiu não se identificar, conta que precisa registrar a
individualização e averbação de dois condomínios, um com 36 unidades e outro
com 22 unidades, feitos no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida.
"Entretanto, antes da sanção do projeto de lei, tive problemas com dois
cartórios; eles alegavam que a desoneração ainda só estava prevista em
medida provisória, não em uma lei, e que, portanto, não precisavam acatar",
lamenta.
João Pedro Lamana Paiva, titular do Serviço de Registros Públicos de
Sapucaia do Sul (RS) e diretor de ensino do Colégio Notarial do Brasil -
Seção do Rio Grande do Sul, afirma ser complicado responder a uma denúncia
não-identificada, lamentando que o cartório que supostamente cometeu o
deslize não tenha sido identificado pelo denunciante, para que a situação
fosse averiguada. "Mas a realidade dos registradores no Rio Grande do Sul
não é essa. Não tenho conhecimento de que tenha havido nenhuma distorção. O
próprio Colégio Registral do Estado viabilizou um estudo amplo, em seguida à
publicação da MP, para depois expedir uma nota que esclarece como a MP deve
ser cumprida", explica.
A recomendação do presidente do SindusCon-SP em caso de não-cumprimento das
isenções é buscar fundamentação nos dispositivos legais. "Havendo
resistência, é preciso argumentar com base na legislação. Os descontos valem
como lei", recomenda Watanabe. O art. 44 da lei 11.977/09 é categórico ao
afirmar que os cartórios que não cumprirem as reduções das custas e
emolumentos estabelecidos "ficarão sujeitos à multa no valor de até R$
100.000,00 (cem mil reais), bem como a outras sanções previstas na lei
8.935, de 18 de novembro de 1994".
Outro lado
Para o presidente do Irib, Helvécio Castello, as divergências ocorridas até
agora foram, quase na totalidade, decorrentes da necessidade de
regulamentação ou explicitação de enquadramentos. Ele se refere à alteração
da Medida Provisória 459 de 2009, que criou o Minha Casa, Minha Vida. Quando
a MP foi encaminhada à Câmara dos Deputados, a gratuidade dos serviços
cartorários prevista para famílias com renda de até três salários-mínimos
foi estendida para todos os empreendimentos imobiliários, sejam do programa
ou não (veja boxe). "É importante lembrar que vários contratos firmados por
agentes do sistema financeiro e por empresas do setor da construção civil
vinham se baseando em dispositivos ainda não vigentes ", continua.
Outro problema comum, segundo Castello, tem sido a demanda por isenções
relativas a registros de imóveis que não se encaixam no programa Minha Casa,
Minha Vida. "São imóveis com habite-se ou certificado de conclusão anterior
a 26 de março de 2009 ou de valor ou custo de construção superior às faixas
estabelecidas na MP 459", exemplifica.
Cartórios vão sobreviver?
De qualquer modo, os descontos previstos pelo programa Minha Casa, Minha
Vida têm um custo muito alto para os cartórios, afirma o presidente do Irib
(Instituto de Registro Imobiliário do Brasil), Helvécio Castello. "As
isenções originalmente estabelecidas na MP 459 já oneravam de forma bastante
acentuada os cartórios, principalmente aqueles localizados nas cidades
menores e naquelas onde existem grandes bolsões de ocupação irregular",
aponta Castello.
Segundo ele, o problema se agravou com a aprovação no Senado da emenda da MP
459 que estendeu a isenção de forma indiscriminada, extrapolando o universo
do programa Minha Casa, Minha Vida. "Não é por existir alguém que possa
arcar com custos adicionais que todas as pessoas passam a ter capacidade
econômico-financeira de também fazê-lo", argumenta.
De acordo com Lamana Paiva, da seção gaúcha do Colégio Notarial do Brasil,
os registros com desconto já representam uma boa parcela do total. "Dos
cerca de 60 registros semanais, mais ou menos 15 são feitos com algum
desconto", contabiliza. Segundo ele, para cartórios de cidades menores, o
peso pode ficar rigoroso demais. "Há lugares em que as perdas dos
registradores chegarão a 70%", lamenta.
Gratuidade: vale pra quem?
A medida provisória 459 foi encaminhada para votação no Congresso. Na Câmara
dos Deputados, acabou sofrendo algumas alterações, mantidas na versão do
projeto que foi aprovada pelo Senado. No que diz respeito às custas
cartorárias, uma alteração significativa foi a extensão da gratuidade da
escritura (caso o beneficiário tenha renda inferior a três salários-mínimos)
prevista pela MP 459. Segundo a medida provisória, a gratuidade devia se
restringir às escrituras lavradas no âmbito do programa Minha Casa, Minha
Vida. Já de acordo com a lei 11.977/09, a isenção para o público de zero a
três salários-mínimos é prevista para qualquer caso - do programa ou não.
Com as alterações feitas no Congresso, o texto seguiu para sanção
presidencial, depois da qual passou a ter força de lei.
Governo prometeu descontos de 90% nos gastos cartorários para imóveis de até
R$ 60 mil
Custos barateados
O que diz a lei sobre os descontos das custas cartoriais
A lei 11.9777/09, que ratificou a medida provisória 459 de 2009, estabelece,
no art.42, que as custas e os emolumentos devidos pelos atos de abertura de
matrícula, registro de incorporação, parcelamento do solo, averbação de
construção, instituição de condomínio, registro da carta de habite-se e
demais atos referentes à construção de empreendimentos no âmbito do PMCMV
serão reduzidos em: 90% para a construção de unidades habitacionais de até
R$ 60 mil; 80% para moradias de R$ 60 mil e um centavo a R$ 80 mil; e 75%
para unidades de R$ 80 mil e um centavo a R$ 130 mil.
O art. 43, da mesma lei, adverte que "não serão devidas custas e emolumentos
referentes à escritura pública, ao registro da alienação de imóvel e de
correspondentes garantias reais, e aos demais atos relativos ao primeiro
imóvel residencial adquirido ou financiado pelo beneficiário com renda
familiar mensal de até três salários-mínimos". Ou seja: de zero a três
salários-mínimos, custo nulo. Mutuários com renda mensal entre três e seis
salários-mínimos têm desconto de 90% e, para aqueles com renda entre seis e
dez salários-mínimos, o abatimento passa a ser de 80%. Segundo estabelecido
no art. 44, os cartórios que não cumprirem o disposto nos arts. 42 e 43
ficarão sujeitos à multa no valor de até R$ 100 mil, bem como a outras
sanções previstas na lei 8.935, de 18 de novembro de 1994.
|