Parecer 1º Turno PL 4.801/10 - Normas para instalação postos de Registro Civil em maternidades e hospitais públicos - Conclusão pela antijuricidade, inconstitucionalidade e ilegalidade

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 4.801/2010

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

O projeto de lei em tela, de autoria da Deputada Ana Maria Resende, "estabelece política e normas para instalação de postos de atendimento de registro civil em maternidades e hospitais públicos".

Publicada no "Diário do Legislativo" em 5/8/2010, foi a proposição distribuída às Comissões de Constituição e Justiça e de Administração Pública para receber parecer.

Cabe agora a esta Comissão emitir parecer sobre a juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria, nos termos do disposto no art. 188, combinado com o art. 102, III, "a", do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em análise visa a tornar obrigatória a instalação de postos de atendimento, nas maternidades públicas e nos hospitais conveniados com o Sistema Único de Saúde - SUS -, para Oficiais do Registro Civil de Pessoas Naturais realizarem o registro gratuito de nascimento e de óbito para os declaradamente pobres.

Como se vê, o projeto em estudo, ao prever apenas uma obrigação para o registro civil, não chega a delinear uma política estadual, como anuncia a ementa.

Primeiramente, temos a esclarecer que o Projeto de Lei nº 3.125/2009, que foi retirado de tramitação pelo autor, previa medida semelhante, diferindo apenas na ementa.

Passamos agora à análise da proposição.

É certo que a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXVI, "a", determina a gratuidade, para os reconhecidamente pobres, do registro civil de nascimento e de óbito.

Da mesma forma, a Lei Federal nº 9.534, de 1997, corrobora a importância da facilidade de acesso aos registros civis de nascimento e de óbito ao determinar a isenção do pagamento de emolumentos para as pessoas carentes de recursos no que concerne a esses atos e às respectivas primeiras certidões.

De igual modo, é entendimento comum que, entre os direitos de personalidade, a garantia a uma identidade reconhecida oficialmente mostra-se imprescindível não apenas para a satisfação do sentimento de pertencimento ao meio social, como também para o gozo de direitos fundamentais, tais como educação e saúde.

Entretanto, é preciso que atentemos para algumas questões de ordem técnica.

Em primeiro lugar, a Constituição Federal, em seu art. 236, determina o seguinte:

"Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

SS 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário".

Extrai-se do dispositivo o entendimento de que os serviços notariais e de registro são considerados serviços auxiliares à Justiça, tanto que a competência para realizar a fiscalização dos atos concernentes aos serviços cartorários reside na esfera do Poder Judiciário. É a interpretação que se confirma pela leitura do art. 103-B, SS 4º, III, da Constituição Federal, que determina ser da competência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - o recebimento e o conhecimento de reclamações referentes à prestação dos serviços auxiliares à Justiça, inclusive os notariais e de registro. Vê-se que a atuação das serventias extrajudiciais, unidades técnicas e administrativas que encerram competências jurídicas, está submetida ao controle do CNJ.

O mesmo Texto Constitucional, em seu art. 96, I, "b", estabelece como competência privativa dos tribunais "organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva". Assim, cabe aos tribunais a regulamentação dos órgãos internos do Poder Judiciário e dos serviços auxiliares da Justiça.

Conjugando a interpretação dos dispositivos citados, percebe-se que os serviços notariais e de registro apenas podem ser objeto de normatização que implique organização de sua prestação por instrumentos normativos provenientes do Poder Judiciário. Tratando-se de lei ordinária, esta deve partir do Presidente do Tribunal de Justiça do respectivo Estado, sob pena de inconstitucionalidade formal por vício subjetivo.

No caso em análise, verifica-se que o projeto de lei visa a regulamentar a organização do serviço notarial. Assim sendo e considerando sua iniciativa parlamentar, é nítido o vício de inconstitucionalidade que o marca.

Não bastasse o vício apontado, ainda que o projeto fosse aprovado, sua aplicação restaria comprometida, uma vez que a Lei Federal nº 6.015, de 1973, que trata da prestação dos serviços notariais, determina, em seu art. 11, a necessidade de se garantir ao usuário a ordem de precedência dos títulos e interesses apresentados em cartório.

Ora, a medida proposta demandaria um número de sistemas de protocolo difícil de ser determinado: um seria sediado na própria serventia, e vários outros seriam localizados nas diversas instituições de saúde em que seriam mantidos os postos avançados cartorários. Essa situação dificultaria sobremaneira a unificação dos registros de protocolo, de forma a manter uma sequência numérica fiel à ordem de apresentação que é determinada na norma federal.

Ademais, a exigência de titulares desses serviços manterem, em cada maternidade e hospital conveniado com o SUS, um posto de atendimento para registro civil de pessoas naturais não atende ao princípio da razoabilidade. É necessário considerar o expressivo número de tais unidades de saúde bem como o custo da implementação da medida, principalmente no que se refere às serventias situadas no interior do Estado, cuja renda cartorária é conhecidamente baixa.

É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que a razoabilidade no momento da elaboração legislativa é elemento indispensável para a boa validade e constitucionalidade das normas jurídicas - a respeito, veja-se a ADI 3112 - DF. Ausente a razoabilidade, tal qual o caso em análise, ausente é também a constitucionalidade.

Conclusão

Diante do exposto, concluímos pela antijuridicidade, inconstitucionalidade e ilegalidade do Projeto de Lei nº 4.801/2010.


Sala das Comissões, 23 de novembro de 2010.

Dalmo Ribeiro Silva, Presidente - Delvito Alves, relator - Antônio Júlio - Célio Moreira.


Fonte: Jornal Oficial de Minas Gerais - 24/11/2010.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.