Penal - Falsidade ideológica - Documento público - Registro de Nascimento - Declaração falsa de paternidade - Delito caracterizado - Pena in concreto - Prescrição

- Tendo a mãe promovido o registro do filho, fazendo incluir em seu assento de nascimento o nome do companheiro, sabendo que o mesmo não era o pai da criança, resta caracterizado o delito de falsidade ideológica.

- Verificando-se que entre a data do fato e a data do recebimento da denúncia transcorreu o lapso prescricional superior ao determinado pela pena in concreto, declara-se extinta a punibilidade da apelada, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, em sua modalidade retroativa.

Recurso provido, extinção da punibilidade declarada.

Apelação Criminal n° 1.0012.04.000629-3/001 - Comarca de Aiuruoca - Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelada: Nilza de Fátima Arantes Carvalho - Relator: Des. Antônio Armando dos Anjos

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em prover o recurso e, de ofício, declarar extinta a punibilidade.

Belo Horizonte, 20 de outubro de 2009. - Antônio Armando dos Anjos - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS - Perante o Juízo da Comarca de Aiuruoca, Nilza de Fátima Arantes Carvalho, alhures qualificada, foi denunciada pela prática do delito descrito no art. 299 do Código Penal.

Quanto aos fatos, narra a denúncia de f. 02/03 que, no mês de setembro de 1993, a denunciada compareceu ao Cartório de Registro Civil do Município de Seritinga, pertencente à Comarca de Aiuruoca, solicitando a lavratura do registro do nascimento de seu filho J.F.P., nascido aos 31.05.1993.

Segundo a inicial, "Ao ser exigido, pela serventuária do Cartório, a certidão de casamento, como condição para a prática do ato registral, a denunciada, induzindo em erro a Oficiala, alegou que seu marido estava impossibilitado de comparecer ao Cartório e o filho muito doente".

Diante de tal artifício, a denunciada logrou êxito em efetuar o assento de nascimento de seu filho, J.F.P., declarando falsamente o nome do progenitor e avós paternos.

Regularmente processada, ao final, sobreveio a r. sentença de f. 240/242, julgando improcedente a pretensão punitiva estatal, absolvendo Nilza de Fátima Arantes Carvalho da imputação que lhe foi feita nestes autos, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Inconformado com a r. sentença, o Ministério Público interpôs regular recurso de apelação (f. 244). Em suas razões recursais (f. 247/252), busca o Parquet a condenação da apelante, nos termos da denúncia, sustentando que restou provada nos autos a prática do delito de falsidade ideológica.

O recurso foi devidamente contrariado (f. 271/275), pugnando a apelada pelo desprovimento do mesmo.

Nesta instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Sérgio Lima de Souza (f. 280/283), opina pelo conhecimento e provimento do recurso ministerial.

É, no essencial, o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento, conheço do recurso.

Não foram arguidas preliminares ou nulidades e, do exame dos autos, não vislumbrei qualquer irregularidade ou omissão que deva ser declarada ou suprida de ofício.

Como visto alhures, busca o Parquet a condenação da apelada nos termos da denúncia, sustentando que restou provada nos autos a prática do delito de falsidade ideológica.

Registre-se, por oportuno, que a materialidade delitiva restou configurada pela certidão de nascimento de f. 28 e pelo laudo de exame de DNA (f. 199/203). Da mesma forma, a autoria se mostra certa e induvidosa nos autos, sobretudo pelas declarações da própria apelante.

A propósito, sobre o crime de falsidade ideológica, dispõe o art. 299 do Código Penal:

``Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular''.

O objeto jurídico tutelado é a fé pública quanto ao conteúdo dos documentos públicos ou particulares.

As condutas alternativamente incriminadas consistem em: omitir, em documento público ou particular, a declaração que nele devia constar; inserir ou fazer inserir, nele, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita. Tal declaração deve recair sobre fato juridicamente relevante, não bastando a omissão ou a inserção de uma simples irregularidade ou formalidade.

O presente tipo penal se distingue da falsidade material, na qual a alteração afeta a autenticidade do documento na sua forma extrínseca, ao passo que a falsidade ideológica afeta tão somente a sua ideação, no pensamento que suas letras encerram, não havendo rasuras, emendas, acréscimos ou subtrações de letras ou algarismos. A falsidade ideológica ou intelectual se resume a uma mentira reduzida a escrito, através de documento que, sob o aspecto material, é de todo verdadeiro.

Como se sabe, o elemento subjetivo é o dolo, representado na vontade consciente de falsificar determinado documento, público ou particular, com o especial fim de agir, de prejudicar direito, criar obrigações ou alterar a verdade, independente da criação do resultado lesivo.

Na espécie, com a devida vênia do MM. Juiz sentenciante, as provas dos autos são por demais suficientes para embasar um decreto condenatório, pois restou provada a existência do dolo na conduta da apelante, ao fazer inserir na certidão de nascimento de seu filho o nome do seu companheiro, sabendo que o mesmo não era o pai da criança; se não, vejamos:

A apelada, ao ser ouvida em juízo (f. 78/79), disse:

"[...] que a interroganda ainda é casada com Cândido Lopes de Carvalho, porém encontra-se separada de fato dele há 14 anos; que a depoente reside na Fazenda Santa Bárbara, trabalhando apenas a subsistência da família, com retirada de leite; que a interroganda tem sete filhos, sendo que seis deles são filhos do marido da interroganda, enquanto o sétimo é realmente filho de José Francisco de Paula, que, quando a interroganda teve o seu sétimo filho, J.F.P., a interroganda já estava vivendo maritalmente com José Francisco há mais de 3 anos, e justamente por isso registrou a criança no nome dele; que, quando o J. completou onze meses, o companheiro da interroganda faleceu, que o companheiro da interroganda tinha conhecimento de que era o pai da criança e concordou que a interroganda fizesse o registro da criança em seu nome; [...]".

Entretanto a testemunha Soraia Maria Mansur Moreira, funcionária do Cartório de Registro Civil, respondendo à época como substituta do Cartório, em seu depoimento de f. 92, disse:

"[...] que a depoente trabalhava no Cartório de Registro de Pessoas Naturais de Seritinga, na época em que a ré registrou o filho; que a depoente se recorda de ter lavrado o registro de nascimento do filho da ré, após ter esta explicado que a criança estava doente e precisava do registro para ser levada ao médico; na ocasião, a ré afirmou que não tinha levado a certidão de casamento, comprometendo-se a apresentá-la depois; que a depoente acreditou nas alegações da ré e lavrou o registro, tendo a ré demonstrado dúvidas no momento de indicar o nome dos avós paternos; [...]''.

Não bastasse isso, acrescente-se que o resultado do DNA concluiu que a probabilidade de Maria Alda de Paula e Maria Madalena das Graças de Paula serem tias paternas de J.F.P., mediante os marcadores de DNA analisados, é de 0,014%, porcentagem esta mínima para confirmação da paternidade.

Ora, ainda que a apelada tenha contado com negligência da serventuária do Cartório do Registro Civil, tal fato não exclui a culpabilidade da apelada, pois não é crível que a mesma não soubesse que o companheiro não era o pai de seu filho, a qual ainda se valeu do engodo para conseguir efetivar o respectivo registro.

Logo, diante das provas produzidas nos autos, a conduta da apelada se subsumiu no tipo do injusto do art. 299 do Código Penal, ao fazer inserir na certidão de nascimento de seu filho o nome de seu companheiro, como se pai fosse da criança.

Sendo assim, outra solução não resta senão acolher a pretensão ministerial, reformando-se a r. sentença hostilizada para condenar a apelada Nilza de Fátima Arantes Carvalho pela prática do crime descrito no art. 299 do Código Penal.

Passo, pois, a fixar as penas da apelada, atento às diretrizes do art. 59 do Código Penal: quanto à culpabilidade, verifico que a ré, ao tempo do crime, era imputável, tinha potencial conhecimento da ilicitude de seu ato e, portanto, lhe era exigido atuar em conformidade com o Direito; seus antecedentes lhe favorecem; a conduta social e a personalidade, tendo em vista a ausência de exames próprios, não devem influir na reprimenda; os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, embora injustificáveis, são próprios do tipo de falsificação ideológica; o comportamento da vítima não influiu no resultado.

Considerando as circunstâncias judiciais acima expostas, na primeira fase da dosimetria das penas, hei por bem fixar a pena-base no mínimo legal de um ano de reclusão e 10 dias-multa na fração mínima, o que tenho como necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime; na segunda fase, deixo de considerar a atenuante da confissão espontânea, tendo em vista que a pena restou fixada no mínimo legal, sendo incabível a redução aquém desse patamar; inexistem agravantes a considerar; na terceira fase, ausentes causas especiais de aumento ou de diminuição de pena, concretizo as penas em um ano de reclusão e 10 dias-multa na fração unitária de 1/30 (um trinta avos) do salário vigente à época dos fatos.

Tendo em vista a quantidade de pena aplicada, e o fato de a apelada possuir circunstâncias judiciais favoráveis, nos termos do § 2º, alínea c, e § 3º do art. 33 do CP, a pena privativa de liberdade será cumprida em regime aberto.

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos preconizados no art. 44 do CP, substituo a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, consistente em multa, que ora arbitro em 30 dias-multa, fixado na fração unitária mínima do salário-mínimo vigente.

Entretanto, a prevalecer esse entendimento na Turma Julgadora, diante da pena aplicada, forçoso reconhecer a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição.

Com efeito, a condenação da ré à pena de um ano de reclusão, segundo o disposto no art. 109, V, do Código Penal, prescreve em quatro anos para fins de extinção da punibilidade.

Logo, verificado que entre a data do fato (setembro de 1993) e a data do recebimento da denúncia (26.11.2003 - f. 65) transcorreram mais de quatro anos, interstício temporal superior àquele delineado pela conjugação dos dispositivos do Código Penal para fins prescricionais.

Assim sendo, imperativo se mostra o reconhecimento da extinção da punibilidade da apelada Nilza de Fátima Arantes Carvalho, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado em sua modalidade retroativa.

Fiel a essas considerações e a tudo mais que dos autos consta, meu voto é no sentido de se dar provimento ao recurso ministerial para condenar a apelada pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal às penas de um ano de reclusão, em regime aberto, e 10 dias-multa na fração unitária de 1/30 (um trinta avos) do salário vigente à época dos fatos, declarando, ato contínuo, extinta a sua punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, em sua modalidade retroativa.

Custas, ex lege.

É como voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Fortuna Grion e Jane Silva.

Súmula - PROVIDO O RECURSO E, DE OFÍCIO, DECLARARAM EXTINTA A PUNIBILIDADE.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 21/09/2010.

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