Reserva Legal - Mais um juiz dá orientação favorável à tese da SERJUS

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
JUSTIÇA DE 1ª INSTÂNCIA

Consulta nº 30.304
Espécie: Reserva legal - exigência

Vistos, etc.

O CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE PARÁ DE MINAS, consulta a Direção do Foro sobre a exigência de averbação da área de reserva legal no registro de imóveis para todos os imóveis rurais e nas transições envolvendo alienação, desmembramento, transmissão de imóveis rurais.

Aduz que a correição parcial realizada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, anotou que a serventia não estava cumprindo as determinações emanadas no Provimento n. 50/2000 daquele órgão.

Referido provimento, acompanhando as disposições da Lei Federal n. 4.771 de 1965 e da Lei n. 6.015 de 1973 e da Medida Provisória n. 1.956-50 de 2000 e suas publicações subsequentes, determinaria a obrigatoriedade de averbar a reserva legal em todas as transações envolvendo imóveis rurais.

O titular da serventia entende que a reserva legal é exigível apenas nos casos em que há o interesse de supressão de florestas e outras formas de vegetação nativa. 

Coleciona pareceres e decisões judiciais que fundamentam a sua posição.

Até a realização da correição acima mencionada a serventia mantinha a orientação de apenas proceder a averbação da reserva legal nos casos em que houvesse a intenção do proprietário de proceder a supressão de florestas e matas, ou até a destoca do terreno, porém, o fato agora ventilado é a necessidade de averbação prévia da reserva em todos os casos da transmissão, desmembramento e retificação de área referente a imóvel rural.

Requer, através da CONSULTA, orientação de como proceder com os casos em que envolvem imóveis rurais após a verificação da Corregedoria.

Juntou cópia de decisões judiciais f.

Ouvida a ilustre representante do Ministério Público opina pela determinação de obrigatoriedade da averbação da reserva legal em todas as transações de transmissão, desmembramento e retificação de área referente a imóveis rurais.

É o relatório. DECIDO.

A presente controvérsia envolve interpretação do disposto no Provimento 50 c/c 23 especialmente o parágrafo único do art. 1º do Provimento 23/97, cuja fiel observância foi recomendada pela Corregedoria na Correição Parcial.

Uma análise da legislação que prevê a instituição da reserva legal, Medida Provisória n. 2.166-65/28.06.2001, alterando o art. 16 da Lei 4.771 de 1965, conhecida como Código Florestal, revela a dificuldade de desatar a controvérsia instalada. A meu sentir, ao contrário do que afirma a culta representante do Ministério Público, os textos não são claros.

É evidente que toda legislação ambiental precisa ser interpretada em consonância com as finalidades buscadas pelo legislador, especialmente após a matéria ser tratada constitucionalmente no artigo 225. A Constituição da República impõe a todos o dever de defender e preservar o meio ambiente. É com este princípio, defender e preservar, que a matéria deve ser analisada.

Lado outro as condições peculiares dos órgãos públicos de fiscalização do meio ambiente, sem recursos e sem aparelhamento para exercer o seu papel de fiscalização e de controle dos recursos naturais levaram o legislador a impor restrições, com a criação de ônus, que não sendo bem interpretados levariam a situações insuportáveis para os negócios jurídicos envolvendo imóveis rurais, seja pela demora dos órgãos como INCRA, IEF em apresentarem laudos, seja pelo custo excessivamente oneroso dos procedimentos.

O fato é que ao lado da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente, a ordem jurídica mantém o instituto da propriedade privada e a liberdade de dispor como senhor e possuidor da coisa. 

A meu sentir a solução é encontrar o equilíbrio entre os preceitos legais. Precisar quais são os limites, a natureza das restrições impostas pelo legislador.

Comecemos por analisar as definições do Código Florestal, art. 1º, § 2º, para a área de preservação permanente.

O texto legal diz: 

"área de preservação permanente como sendo uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas." 

"Reserva legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas."

O Código Florestal ainda faculta ao proprietário de floresta não preservada, gravá-la com perpetuidade, observados alguns requisitos legais, devendo ser averbado à margem do Registro Público.

Especificamente sobre a "reserva legal" o art. 16 assim estatui:

"As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal.
§ 8º - A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel no registro competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área."

Considero ainda o disposto na Lei n. 7.803 de 18.07.1989, dispõe que:

"a reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área."

Analisando os textos legais, fica claro que a propriedade privada rural pode ter três sorte de ônus:

Estar sob regime de utilização limitada; ser considerada de preservação permanente; e ser suscetível de exploração.

Excluídas as duas primeiras hipóteses, que não são objeto da consulta, interessa o conceito de área "suscetível de exploração". A conclusão é por exclusão, isto é, não sendo de utilização limitada e nem de preservação permanente, a propriedade rural é suscetível de exploração.

O entendimento seria de que a instituição da reserva legal estaria intimamente ligado à efetiva exploração da floresta ou forma de vegetação nativa existente no imóvel. Só assim, justificaria a restrição ao direito de propriedade.

Aquele proprietário rural que não pretende desmatar, explorar a floresta ou, de qualquer modo, suprimir vegetação nativa, não está obrigado a instituí-la, mesmo porque toda a propriedade continuará intacta e preservada.

O Provimento da Corregedoria de Justiça de n. 50 c/c o 23 de 1997 - O parágrafo acrescentado visava delimitar o conceito de propriedade rural e não autorizam a interpretar que a exigência da reserva legal atinja "todos os casos", conforme consta ser o entendimento da corregedoria. Ao estabelecer que:

"as escrituras públicas e quaisquer documentos que digam respeito a Transmissão de propriedade rural, ou desmembramento, somente poderão ser registradas, ou averbadas, após a efetiva averbação da área de reserva legal à margem da inscrição da matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente."

Era muito mais fácil o legislador ter usado de clareza e estabelecido que a partir de tal data, todo e qualquer imóvel rural de qualquer extensão ou função tem que ter uma área de vegetação nativa de no mínimo 20% averbada no registro imobiliário.

Mas o legislador não agiu desta forma. Ciente de que a multiplicidade de situações dos imóveis rurais, a deficiência dos órgãos de fiscalização, impunha dificuldades para o cumprimento da lei ambiental, estabeleceu como meta a ser alcançada. De tal forma que, a meu sentir, temos as seguintes situações:

A propriedade rural é composta de área susceptível de exploração mas coberta por vegetação nativa. A exploração, pelo proprietário do imóvel rural, é sujeita a restrições. Isso significa que o proprietário, para explorar a sua área, tem a necessidade de antes, promover a averbação da reserva legal. Em outras palavras, a averbação da reserva é condição para a legalidade do ato de exploração, sem aquela, esta não pode ocorrer.

Mas não se pode estender, por falta de amparo legal, a exigência de averbação a todos os casos de transmissão ou desmembramento de imóvel rural. Tal conduta resulta em confusão a respeito de fiscalizar o cumprimento da lei.

São situações que devem estar claras. Se a propriedade rural é nativa, se o proprietário resolver explorá-la somente poderá fazê-lo se existir a reserva legal, não sendo obrigado a averbar a reserva no registro em caso de alienação, desmembramento.

Se a propriedade rural não tem nenhuma área nativa, o proprietário é obrigado a recompor, na forma da lei, e averbar no mínimo 20% destinada a compor a reserva legal, obrigatória para todos os imóveis, pois a lei prevê a necessidade de restaurar os processos ecológicos essenciais.

Se a propriedade é mista, tendo área nativa e área de cultivo, o proprietário deverá averbar a reserva legal na área nativa no percentual mínimo previsto na lei.

Penso que esta orientação cumpre os objetivos da lei e permitem buscar o desenvolvimento sustentado sem prejuízo dos negócios jurídicos, uma vez que os órgãos de fiscalização da proteção ambiental não se encontram estruturados para atender as necessidades dos proprietários quanto a celeridade e solicitude do acompanhamento necessário a implementação da lei ambiental.

De forma prática. Ao verificar a documentação apresentada para registro, o oficial deve verificar se a propriedade é composta de vegetação nativa e sendo intenção do proprietário de explorá-la, deve ser alertado de que somente poderá fazê-lo se averbar a reserva legal. Por dever social e ecológico deve comunicar aos órgãos de defesa do meio ambiente a existência de propriedade com área nativa, mas não deve impor ao proprietário que já delimite e indique a reserva legal. Se nem mesmo o proprietário iniciou a exploração.

Em outra situação ao verificar a documentação apresentada para o registro, o oficial verifica que a propriedade é composta de vegetação nativa e de área explorada ou que a área é totalmente explorada não tendo nenhuma área de vegetação nativa, nestes casos, impõe-se a delimitação da reserva legal, seja para preservar a existente, seja para recompor a necessária.

CONCLUSÃO

Portanto, a meu sentir, a orientação adotada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Pará de Minas está correta e merece ser mantida. Apenas acrescento a necessidade de uma maior interação e parceria com os órgãos de defesa do Meio Ambiente para fazer cumprir o espírito da lei que é de proteção e restauração do meio ambiente, no caso da Comarca, evidentemente desequilibrado, pois tem pouquíssimas áreas nativas que devem ser preservadas e muitas áreas a serem restauradas.

Como não se trata de decisão jurisdicional mas de orientação nos serviços do extrajudicial, de conteúdo administrativo e entendendo que a questão deve ser uniformizada, determino que esta orientação seja submetida a análise da Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça a fim de aquele órgão também manifeste sobre a consulta e prevaleça o entendimento daquela superior instância.

Publicar. Oficiar.

Pará de Minas, 8 de novembro de 2002.

Cláudia Helena Batista
Juíza de Direito