Opinião - Bem de Família - Noções gerais

                                                                                                            Luís Ramon Alvares *

INTRODUÇÃO E ORIGEM - O instituto jurídico do Bem de Família teve origem no Direito Norte-Americano (República do Texas) com o advento da Lei do Homestead Act, que contemplou a impenhorabilidade da pequena propriedade urbana e rural. No Direito Brasileiro, o instituto foi previsto inicialmente no Código Civil de 1916, na modalidade de instituição voluntária. Atualmente, o bem de família está regulado pela Lei nº. 8.009, de 29 de março de 1990 (modalidade legal) e pelo Código Civil de 2002 (modalidade voluntária).

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS - O Bem de Família tem fundamento constitucional no direito social de moradia (artigo 6º da Constituição Federal) e na tutela do patrimônio mínimo (intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana).

ESPÉCIES: Duas são as espécies do bem de família, a saber: bem de família voluntário e bem de família legal.

BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO - Entende-se por bem de família voluntário a parcela do patrimônio familiar, segregada ou separada do patrimônio para não ficar exposta a arresto, penhora ou excussão. Faz-se a instituição por ato dos cônjuges, entidade familiar ou por terceiro (neste caso, depende da aceitação expressa dos cônjuges ou da entidade familiar), através de declaração formal em escritura pública ou testamento. O valor dos bens não deve ultrapassar um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, e a escritura de instituição deve ser registrada no Registro de Imóveis, na forma do art. 167, I, 1, da Lei 6.015/73. Nos termos do artigo 1.712 do Código Civil de 2002, o bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

A partir do registro, o imóvel passa a ser impenhorável por dívidas futuras, com as ressalvas do artigo 1.715 do Código Civil de 2002 (tributos relativos ao prédio ou despesas de condomínio); trata-se, portanto, de impenhorabilidade relativa. Depois do registro, o bem de família voluntário não poderá ter outro destino ou ser livremente alienado sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público (inalienabilidade limitada).

A dissolução conjugal só extinguirá o bem de família pela morte de um dos cônjuges, desde que requerida ao Juízo competente pelo cônjuge sobrevivente, se for o único bem do casal. Também será extinto o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.

BEM DE FAMÍLIA LEGAL - Diferentemente do bem de família voluntário, o bem de família legal não reclama a prática de ato pelos cônjuges, entidade familiar ou terceiro, tampouco exige registro para sua constituição; decorre da própria lei.

Nos termos da Lei nº. 8.009/90, o bem de família legal protege o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, bem como o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Protege ainda os bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário (art. 2º, parágrafo único da Lei nº. 8.009/90). Excluem-se os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos (art. 2º, caput, da Lei nº. 8.009/90).

O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam (art. 3º, caput da Lei nº. 8.009/90).

Conforme dispõe o artigo 3º da Lei nº. 8.009/90, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III -- pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

É pacífico o entendimento de que a taxa de condomínio, principalmente após a entrada em vigor do artigo 1.715 do Código Civil, também permite a penhora do bem de família. O débito condominial não é tributo, mas é obrigação propter rem; portanto é razoável admitir a excussão já que é despesa necessária à própria conservação do imóvel.

Tem-se entendido que as exceções do artigo 3º da Lei nº. 8.009/90 também se aplicam ao bem de família voluntário, especialmente, considerando a parte final do caput do art. 1.711 do Código Civil, que trata do bem de família voluntário, ao prescrever que serão “mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel estabelecidas em lei especial”.

BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO X BEM DE FAMÍLIA LEGAL: As duas modalidades de bem de família se contemplam, valendo observar que, nos termos do artigo 5º da Lei nº. 8.009/90, se a entidade familiar possuir dois imóveis residenciais, salvo instituição do bem de família voluntário no Registro de Imóveis, a proteção legal recai no imóvel de menor valor. Por isso, recomenda-se, ao proprietário de mais de um imóvel, que institua, por escritura pública, bem de família voluntário sobre a parcela do patrimônio que quiser livrar de eventual execução, registrando a escritura no Registro de Imóveis competente.

SÚMULA 364 DO STJ - Convém observar que, nos termos do enunciado de súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nº 364, o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

CONCLUSÃO - O bem de família, oriundo do Direito Norte-Americano, foi aperfeiçoado no Brasil, e também se aplica a imóveis pertencentes a pessoas solteiras, separadas e viúvas. A legislação brasileira contempla duas modalidades, que convivem entre si, a saber: modalidade legal e modalidade voluntária. É recomendável, para maior proteção, que a entidade familiar proprietária de mais de um imóvel institua o bem de família voluntário por escritura pública, registrando-a no Registro de Imóveis competente.

* O autor é Substituto do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP.


Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB nº 3900 - 13/04/2010.

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