O arresto e a penhora de quotas sociais |
O arresto e a penhora de quotas sociais Proponho-me apenas abordar o tema do arresto e da penhora de quotas sociais nos aspectos de registro, pois os aspectos substantivos e processuais que serviram para explicar o arresto e a penhora de imóveis são, em geral, os mesmos que se verificam na penhora e no arresto de quotas sociais. Medidas de simplificação de atos e procedimentos de registro comercial Já ontem aqui se falou sobre o SIMPLEX a propósito do uso das novas tecnologias no acesso ao registro. Pois bem, uma das medidas do Simplex consistiu precisamente na elaboração e publicação do DL 76-A/2006, “destinado a atualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas, a adotar medidas de simplificação e eliminação de atos e procedimentos notariais e registrais e a aprovar um novo regime jurídico de dissolução e liquidação de entidades comerciais”. Este diploma legal entrou em vigor em 30 de Junho do corrente ano e com ele introduziram-se não só o favorecimento da utilização de novas tecnologias no acesso, realização e divulgação do registro como também profundas modificações no sistema de registro comercial enquanto conjunto de princípios, regras e disposições que modelam o acesso, o tratamento e os efeitos do registro dos fatos. Se os aspectos substantivos e processuais já tratados a propósito do arresto e da penhora de prédios são bastantes para caracterizar, nos mesmos termos, o arresto e a penhora de quotas sociais, dispensando o alongamento do tema, nos aspectos registrais sofreu-se um claro afastamento do modelo instituído em sede de registro predial. Com efeito, até 30 de Junho do corrente ano todo o sistema de registro comercial assentava num núcleo de princípios e regras decalcados, com as devidas adaptações, do sistema de registro predial e no qual imperavam o princípio da legalidade e o princípio do trato sucessivo. Agora, reduz-se a efetivação de alguns desses princípios a um grupo de fatos legalmente fixado, libertando-se os restantes do cunho fiscalizador do registro comercial e, bem assim, da verificação do trato sucessivo na conservatória. Para o efeito, reparte-se o âmbito do registro, que até então comportava a matricula, as inscrições e os averbamentos na ficha e o depósito dos documentos como modalidade única de registro, e, a partir dele, designam-se e caracterizam-se duas modalidades de registro que se distinguem da seguinte forma: 1ª modalidade O Registro por transcrição, assim designado pelo legislador mas que, na verdade, corresponde a um registro por inscrição, e que corresponde ao registro tradicional:
2ª Modalidade – nova modalidade O Registro por depósito, nova modalidade criada pelo DL 76-A/2006, que consiste:
Consistindo esta nova modalidade de registro no mero arquivamento de documentos, deixa de se verificar a habitual apreciação da viabilidade do pedido de registro em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registros anteriores. E, por isso, ao limitar o princípio da legalidade aos registros por transcrição, o legislador afastou deliberadamente do registro por depósito a apreciação da validade intrínseca dos documentos. Cremos mesmo que talvez tivesse querido também eliminar a verificação das formalidades externas do documento já que o único instrumento de impedimento do acesso ao registro que coloca ao dispor da Conservatória é o da rejeição do pedido e esta apenas nos casos expressamente previstos em disposição legal própria. Destacou-se, então, do elenco dos fatos sujeitos a registro um conjunto de fatos a registrar por simples depósito, sem qualquer espécie de apreciação jurídica por parte da conservatória ou sequer de verificação de compatibilidade com os registros anteriores. Ora, é neste grupo de fatos sujeitos a registro por mero depósito que se inserem o arresto e a penhora de quotas sociais. Legitimidade e documento para registro Vejamos o caso do arresto O arresto de quotas sociais, consistindo numa apreensão judicial de bens à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, pode, em termos de realização da diligência e de registro, seguir o procedimento desta e ser assim registrado:
Mas isto se assim o tiver decidido o juiz do procedimento cautelar. É que apesar de se manter a disposição legal que manda aplicar ao arresto, com as devidas adaptações, o regime processual da penhora, não se previu no elenco das atribuições do agente de execução, figura criada no âmbito da reforma da ação executiva levada a cabo em 2003, a sua intervenção no procedimento cautelar de arresto. Assim, a intervenção do agente de execução na realização e no registro do arresto dependerá da posição que o juiz do procedimento cautelar venha a tomar sobre o assunto. Sendo designado pelo juiz do processo um agente de execução, a este caberá proceder ao arresto, comunicando-o à Conservatória, por via eletrônica ou no impresso requisição. Inexistindo qualquer nomeação, o registro de arresto faz-se a pedido de qualquer interessado, sendo documento bastante o despacho judicial que, deste modo, ordena e simultaneamente realiza a diligência judicial. Quanto à penhora de quotas sociais não há dúvida, a mesma realiza-se nos precisos termos definidos para o registro da penhora de prédios, ou seja, mediante comunicação do solicitador de execução, o qual tem legitimidade exclusiva para o pedido, carecendo, em todo o caso, de demonstrar que aceitou a sua designação pelo exeqüente no requerimento executivo ou que foi ulteriormente designado pelo tribunal. Forma do registo e Funcionário competente A forma do registro já a referimos: O registro é lavrado por mero depósito dos documentos que titulam o fato e pela menção ou referência aposta na ficha da entidade dando conta de que aquele depósito ocorreu. Esta menção contém os elementos estão pré-definidos em Portaria do Ministro da Justiça e são recolhidos do pedido de registro. Menções: O requerente do depósito, a identificação dos sujeitos ativo e passivo do fato, a quota social objeto mediato do registro, o tribunal que decretou a providência e o número do processo. O pedido de registro pode ser verbal ou escrito, neste caso em impresso de modelo aprovado pelo Diretor-Geral dos Registros e do Notariado. Como vêem, os elementos da menção são recolhidos do pedido e não do documento. E por quê? Porque o documento não pode ser verificado pelo Conservador. O Conservador nada recolhe do documento. Limita-se a arquivar o papel apresentado pelo interessado para esse efeito. Quem recebe o pedido e quem procede ao arquivamento e à feitura e assinatura, se a ficha da entidade estiver em suporte papel, ou à confirmação eletrônica se a fica estiver convertida para o sistema informático? Esta é outra novidade. Para além da criação de uma nova modalidade de registro, o legislador resolveu estabelecer também uma competência própria dos oficiais de registro para todos os registros por depósito e até mesmo para alguns registros por transcrição, como, por ex., para o registro da nomeação de órgãos sociais e das alterações ao contrato de sociedade. Ora cabendo ao arresto e à penhora a modalidade de registro por depósito, a competência para o registro destas providências caberá, deste modo, tanto ao conservador como aos oficiais da Conservatória. Efeitos substantivos e registrais e Revogação do princípio do trato sucessivo (suprimento) Vista a modalidade e a competência para o registro, importará, então, apurar dos seus efeitos. Quanto a estes podemos pacificamente afirmar que, não obstante se ter querido que os registros por depósito se efetuassem sem o tradicional controlo da legalidade dos documentos e, a par disso, se tivesse desformalizado a quase generalidade dos atos da vida da sociedade, que passam a ser lavrados por documento particular, dispensando-se, assim, a intervenção do notário; Apesar de tudo isto, quis também o legislador que se mantivessem, nos seus precisos termos, todos os efeitos do registro, designadamente a presunção de titularidade derivada do registro, a prioridade e a oponibilidade a terceiros, valendo os mesmos indistintamente para as duas espécies ou modalidades de registro. Esta posição legislativa, inequivocamente afirmada pela letra da lei, constitui uma viragem no nosso regime jurídico. Até aí, a estabilidade ou efeito que o registro conferia, ao ponto do fato registrado prevalecer sobre o fato não registrado ainda que anterior no tempo, dependia sempre de um controlo prévio da legalidade dos documentos, verificando-se da sua regularidade formal, avaliando-se da conformidade do seu conteúdo com as disposições de direito substantivo e assegurando-se da compatibilidade com os registros anteriores, tudo no exercício de uma atividade de qualificação norteada pelo princípio basilar do nosso sistema registral - o princípio da legalidade. Agora e com referência a certos fatos, mesmo sem o controlo da legalidade pode obter-se o efeito de oponibilidade; Bastará o pedido (a instância), o arquivamento do documento e a menção ou referência na ficha para que se alcance o efeito registral. Justificações para esta solução legislativa: Talvez a demanda da economia; Com certeza a simplificação e a celeridade. TRATO SUCESSIVO Mais do que isto e Sintoma deste novo querer legislativo foi também a revogação do princípio do trato sucessivo. Ora, Se o trato sucessivo no registro comercial apenas de aplicava às titularidades ou direitos sobre participações sociais; Se o registro destes fatos passa a ser feito por simples depósito, e, por isso, sem controlo de legalidade dos mesmos; Não se encontrou justificação para manter o trato sucessivo. Criou-se, ao invés, um dever das sociedades acautelarem a sucessão de registros, abstendo-se estas de promover o registro de atos modificativos da titularidade de quotas e de direitos sobre elas se neles não tiver intervenção o titular registrado. Contudo, tratando-se de um controlo de sucessão de registros feito por uma entidade externa – a sociedade – e, por isso, alheio à atividade interna da Conservatória, o seu cumprimento ou descumprimento não pode nem deve ser sindicado pelos serviços de registro. Assim sendo, repudiando-se o princípio da legalidade e o princípio do trato sucessivo em sede de registro do arresto e da penhora de quotas sociais, tanto bastará para concluir que este se há de sempre lavrar como definitivo independentemente das vicissitudes que possam ocorrer e ainda que se verifique que o requerido ou executado não é o titular inscrito. Neste caso, não pode o conservador colocar quaisquer reservas ao registro, cabendo-lhe unicamente arquivar o documento que o titula e proceder à menção na ficha nos termos legalmente determinados. Porque assim é, desaparece, em coerência, o mecanismo de suprimento da falta de intervenção do titular inscrito no procedimento cautelar ou no processo executivo tratado a propósito do registro predial. É que, se o registro da penhora e do arresto é sempre definitivo, por ser feito por simples depósito, é indiferente que o executado ou requerido seja o titular inscrito ou um terceiro. Apesar do titular inscrito beneficiar da presunção da titularidade da quota social, vê-se obrigado a agir no processo executivo ou no procedimento cautelar pois o registro da penhora e do arresto será sempre efetuado como definitivo à sua revelia. Concluindo: Revogando-se o trato sucessivo na modalidade da continuidade das inscrições, se houver incúria da sociedade, que não fiscaliza a sucessão dos registros A vende a B, que registra. A vende a C que registra. Ambos os registros são elaborados definitivamente e aparentemente ambos beneficiam da presunção da titularidade. Só por via da prioridade se pode alcançar alguma solução. A quem se deverá reportar o custo deste conflito de direitos? Só poderá ser à sociedade, naturalmente, que não soube cumprir a função que o legislador lhe concedeu para fiscalizar a compatibilidade dos pedidos. Quanto à penhora e ao arresto de quotas sociais, o titular inscrito deixa de beneficiar do mecanismo de proteção, que lhe garantia a impossibilidade de ser feito o registro definitivo sem a sua intervenção. Agora só tem ao seu dispor os mecanismos processuais, designadamente, o embargo de terceiro e os meios judiciais comuns. Por tudo o que vem sendo dito, não me parece demais afirmar que: Como num puzzle, em que as peças se devem articular e encaixar de modo a constituir um todo harmonioso, também a coerência do sistema de registro obriga a que os princípios se cruzem, preencham e completem de modo a que um não possa subsistir sem o outro. Sem o princípio da legalidade, de pouco adiantaria o princípio do trato sucessivo e a especialidade de tratamento do registro da penhora e do arresto que dispensava o reatamento das inscrições de titularidade obrigando apenas à intervenção no processo do titular inscrito, a quem bastaria declarar que o bem não lhe pertence para que na ficha figurasse em definitivo um fato – a penhora ou o arresto – com um sujeito passivo diverso do titular inscrito. É este, em suma, o quadro legal recentemente adotado em sede de registro comercial e no que ao tema interessa. Justificado por razões de simplificação, celeridade e desburocratização, ficamos a aguardar que os mestres de direito e os operadores se pronunciem e que o tempo e a aplicação prática das novas soluções nos confirmem a bondade das mesmas. Madalena Teixeira é conservadora de Loulé, Portugal. |
Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB n. 2667 - 23/09/2006
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