SERJUS impetra Mandado de Segurança contra IPSEMG

O referido Mandado foi distribuído no dia 03/09/2002, para a 1ª Vara da Fazenda Estadual, sob nº 0024.02.809.149-4. Leia-o na íntegra:

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL

SERJUS - Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de Minas Gerais, associação civil, sediada nesta Capital, na Rua Juiz de Fora, nº 1.231, pelo advogado que a esta subscreve, conforme instrumento de mandato anexo, outorgado pelo seu presidente e representante legal, vem requerer a concessão de MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO, apontando como dignas autoridades impetradas os Exmos. Srs. PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS - IPSEMG, e SUPERINTENDENTE DE FINANÇAS DO IPSEMG, o que ora faz, a impetrante, respeitosamente, com base no art. 5º - LXX, letra "b", da Constituição Federal, na Lei federal nº 1.533, de 31.12.51, pelos motivos, fundamentos e para os fins expostos em seguida.

I - DOS FATOS e da SEGURANÇA

1. A impetrante é associação legalmente constituída, cabendo-lhe, por força de disposições estatutárias, defender os interesses gerais dos notários, dos oficiais de registro e seus prepostos - escreventes e auxiliares - do Estado de Minas Gerais.

2. Associados da impetrante, que permaneceram vinculados ao IPSEMG, após a edição da Lei Federal nº 8.935, de 18.11.94, estão, todos eles, recebendo do citado órgão previdenciário, subscrita pelo seu Superintendente de Finanças, certamente por delegação do seu Presidente, uma circular, datada de 29.07.2002 do seguinte teor:

"A Lei Complementar nº 64, de 25 de março de 2002, regulamentada pelo Decreto nº 42.758, de 17 de junho de 2002, instituiu o Regime Próprio de Previdência e Assistência Social dos servidores públicos do Estado de Minas Gerais, que será gerido pelo Estado e IPSEMG.
O artigo 3º da referida lei define os servidores que a ele estão vinculados e seu § 2º determina que o servidor desvinculado do serviço público perde a condição de segurado.
O artigo 85 da mesma lei menciona que o IPSEMG prestará assistência médica, hospitalar, odontológica, social, farmacêutica e complementar aos segurados referidos no artigo 3º e servidores não titulares de cargo público definidos no artigo 79, extensivo aos seus dependentes.
Não consta na criada lei, dispositivo prevendo vinculação por convênio com os Cartórios. Não estando os servidores desses vinculados ao serviço público do Estado, estão impedidos de serem contribuintes do IPSEMG.
Portanto a inscrição dos servidores dos Cartórios, como segurados, estão canceladas, não devendo V.Sa. recolher as contribuições que anteriormente vinham sendo feitas.
Caso tenha recebido a Guia de Arrecadação e Fiscalização GAP, deverá ser desconsiderada.
Atenciosamente, 
Walter Luiz Santos Corrêa - Superintendente de Finanças"

3. Como se vê, em suma, o IPSEMG procedeu, dessa forma sumária e súbita, ao cancelamento das inscrições de todos os notários, registradores e prepostos que ao mesmo se mantinham vinculados, impedindo o recolhimento de contribuições a partir do mês de agosto corrente em diante, com aplicação do art. 3º - § 2º da LC. nº 64/2002, sob o entendimento de que teriam perdido a condição de segurados, porque estariam desvinculados do serviço público estadual.

4. E são esses, exatamente, os atos que tornaram imperiosa a presente impetração coletiva, autorizada no art. 5º - LXX, "b" da Carta Federal, ante a certeza de que são manifestamente ilegais e altamente lesivos de direito líquido e certo dos associados representados. 

II - LEGITIMAÇÃO ATIVA

5. É inequívoca a legitimação ativa da impetrante, a teor do referido dispositivo constitucional, uma vez que é, comprovadamente, associação legalmente constituída e em funcionamento há mais de um ano, sendo que age em substituição processual, na defesa de interesses comuns, pertinentes e subjetivos dos seus associados que estão relacionados em documentos anexos, abrangendo os que estão enquadrados na situação descrita nos itens 2 e 3, retros.

6. Nesse caso, sabidamente, por se tratar de legitimação extraordinária, não é necessária autorização expressa dos interessados, sendo reiterado o entendimento do colendo Supremo Tribunal Federal nesse sentido, como se pode conferir nos seguintes julgados: "RE (AgRg) nº 225.965-3/DF, Relator MINISTRO CASTRO VELLOSO, 2ª Turma, DJ de 5/3/99; MS nº 22.468/DF, Relator MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 20.9.96, Pleno; MS nº 22.132, Relator MINISTRO CARLOS VELLOSO, DJ de 18.10.96, Pleno; RE 141.733/SP, Relator MINISTRO ILMAR GALVÃO, 1ª Turma, DJ de 01/9/95, p. 27.384).

III - LEGITIMAÇÃO PASSIVA e CABIMENTO DA SEGURANÇA

7. Igualmente tranqüila é a legitimação passiva de ambas as autoridades impetradas à esteira do seguinte entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, verbis:

"Em sede de mandado de segurança, deve figurar no pólo passivo a autoridade que, por ação ou omissão, deu causa à lesão jurídica denunciada e é detentora de atribuições funcionais próprias para fazer cessar a ilegalidade".
(Mandado de Segurança nº 5.558/DF, Relator Min. VICENTE LEAL, in DJU de 23.11.98, pg.116). 

8. De sua vez, a impetração, em sendo coletiva, com o amparo constitucional antes assinalado, tem seu cabimento justificado também em face de sua finalidade processual assinalada em outro acórdão do mesmo STJ, com a seguinte ementa:

"As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual é um imperativo do mundo moderno. Através dela, com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isto faz o Judiciário mais ágil." 
(Mandado de Segurança nº 5.187-DF, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, in DJU de 29.06.98, Seção I, pg. 121).

9. Diante desses considerandos preliminares, se vê, enfim, que a presente segurança coletiva é perfeitamente cabível e correta em todos os seus lances processuais.

IV - MÉRITO

10. O ato impugnado, de cancelamento coletivo de inscrições, é, data venia, de ilegalidade patente.

11. Não tem cabimento, absolutamente nenhum, na espécie, aplicar-se aos destinatários da impetração a regra do art. 3º - § 2º da LC nº 64/2002, senão com sua indevida interpretação e com ofensa a direito por eles adquirido.

12. Atente-se, primeiramente, para o texto do referido dispositivo infra-constitucional que é o seguinte:

"Art. 3º - § 2º - O servidor desvinculado do serviço público estadual perde a condição de segurado."

IV-A - DA VINCULAÇÃO

13. Não obstante o caráter privado dos serviços, expresso no art. 236 da CF, os notários, os registradores e seus prepostos permanecem, induvidosamente, com estreita vinculação com o serviço público estadual a que se ligam, no caso o Estado de Minas Gerais, por várias razões de profundidade, dentre elas:

- primeiro, por causa da própria delegação dos serviços, exigida no caput do citado art. 236;

- segundo, por causa da exigência de provimento por concurso público do § 3º do mesmo art. 236;

- e terceiro, por causa da vinculação com o Poder Judiciário, estabelecida no § 1º ainda do mesmo dispositivo.

14. Nesse contexto é importante observar que a referência a "servidores públicos titulares de cargo efetivo", contida no art. 40 - §12 da Carta Federal, visa, certamente, ao que tudo indica, afastar do âmbito dos regimes próprios, estaduais ou municipais, apenas os titulares de cargo em comissão, de cargo temporário e de emprego público, que se vinculam ao regime geral por expressa menção do §13, imediatamente seguinte.

15. Daí a razão de comportar interpretação ampla a expressão, "titulares de cargos efetivos", do art. 40, caput, e do § 12 da mesma CF, não só de forma consentânea com o conceito genérico de servidor que lhe antecede, como também pela inteligência que comporta de só não abranger as restrições expressas do citado § 13, nenhuma delas aplicável aos servidores dos Cartórios de notas e de registro.

16. Aliás, a vinculação dos beneficiários da segurança com o Estado, aqui sustentada, é tanto evidente quanto é certo que vem sendo afirmada reiteradamente na jurisprudência dos Tribunais, como se pode ver nos julgados que, por suas ementas ou por trechos delas, são invocados em seguida:

Do Superior Tribunal de Justiça:

"I - Na melhor doutrina e na jurisprudência dominante, tem prevalecido o entendimento, segundo o qual, malgrado disponha o art. 236 da Constituição Federal que "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado", tal dispositivo é auto-aplicável quanto à fiscalização, pelo Poder Judiciário, dos atos cuja prática é atribuída aos notários, oficiais de registro e seus prepostos." 
(Recurso em Mandado de Segurança nº 5.580/MG - Relator: Min. DEMÓCRITO REINALDO, in DJU de 24.03.98, pg. 8971).

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"1 - O novo sistema nacional de serviços notariais e registrais imposto pela Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, com base no art. 236, § 1º, da CF, não outorgou plena autonomia aos servidores dos chamados ofícios extrajudiciais em relação ao Poder Judiciário, pelo que continuam submetidos à ampla fiscalização e controle dos seus serviços pelo referido Poder. 
2 - Os procedimentos notariais e registrais continuam a ser serviços públicos delegados, com fiscalização em todos os aspectos pelo Poder Judiciário.
3 - O texto da Carta Maior impõe que os serviços notariais e de registro sejam executados em regime de caráter privado, porém, por delegação do Poder Público, sem que tenha implicado na ampla transformação pretendida pelos impetrantes, isto é, de terem se transmudado em serviços públicos concedidos pela União Federal, a serem prestados por agentes puramente privados, sem subordinação a controles de fiscalização e responsabilidades perante o Poder Judiciário."


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"c) O conceito de delegação de serviço público, após algumas variações, está hoje pacificado como sendo a possibilidade do Poder Público conferir a outra pessoa, quer pública ou privada, atribuições que originalmente lhe competem por determinação legal.
d) Por a autoridade delegante ter a competência originária, exclusiva ou concorrente, do exercício das atribuições fixadas por lei, no momento em que delega, por para tanto estar autorizado, também, por norma jurídica positiva, estabelece-se uma subordinação entre as pessoas envolvidas no sistema hierárquico entre o transferidor da execução do serviço e quem o vai executar, em outras palavras, entre o delegante e o delegado."

(Recurso em Mandado de Segurança nº 7.730/RS, Relator: Min. JOSÉ DELGADO, in DJU de 27.10.97, pg. 54.720).

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Do Supremo Tribunal Federal:

"A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público.
A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada "em caráter privado, por delegação do poder público" (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa.
As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas "a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos" (Lei nº 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e Jurisprudência."

(ADIN nº 1.378-5/ES, Relator: Ministro CELSO DE MELLO, in DJU de 30.05.97, pg. 23175).

17. É incisivo, como se vê, o posicionamento das duas mais altas Cortes de Justiça do país no sentido de afirmar que os notários, os oficiais do registro e seus prepostos continuam mantendo com o Estado vinculação equiparada à dos servidores públicos, por isso que não tem nenhum cabimento, quanto aos que permaneceram filiados ao IPSEMG, se lhes aplicar a regra do art. 3º - § 2º da LC nº 64/2002, continuando eles, em verdade, a manter a mesma condição de segurados, agora do novo Regime Próprio de Previdência e Assistência Social dos servidores públicos do Estado de Minas Gerais

IV-B - DIREITO ADQUIRIDO

18. Os servidores notariais e registrais alcançados pela presente segurança, além da qualificação como servidores, antes seguramente demonstrada, mantêm sua vinculação ao IPSEMG ou a novo regime previdenciário de que é gestor também em face da garantia do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.

19. A par do dispositivo genérico do art. 5º - XXXVI da Constituição Federal, sobrelevam, no caso, as seguintes ressalvas específicas:

Da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98:

"Art. 3º - § 3º - São mantidos todos os direitos e garantias assegurados nas disposições constitucionais vigentes à data de publicação desta Emenda aos servidores e militares, inativos e pensionistas, aos anistiados e aos ex-combatentes, assim como àqueles que já cumpriram, até aquela data, os requisitos para usufruírem tais direitos, observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal."

Da Lei Federal nº 8.935, de 18.11.94:

"Art. 40 - Os notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares são vinculados à previdência social, de âmbito federal, e têm assegurada a contagem recíproca de tempo de serviço em sistemas diversos.
Parágrafo único - Ficam assegurados, aos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares os direitos e vantagens previdenciários adquiridos até a data da publicação desta Lei.

Art. 48 - Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta Lei.
§ 2º - Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta Lei."


20. Atente-se que a Emenda Constitucional nº 20/98, como consta expressamente de sua ementa, veio modificar "o sistema de previdência social", ao mesmo tempo que estabeleceu "normas de transição", daí a importância e a específica destinação de seu art. 3º - § 3º, antes invocado, ressalvando os direitos e as garantias previdenciárias anteriores, o que só seria possível, à evidência, com a manutenção do mesmo regime então vigorante.

21. É de observar, de outra parte, que essa ressalva constitucional recepcionou perfeitamente e até deu força às ressalvas no mesmo sentido, contidas nos arts. 40 - parágrafo único e 48 - § 2º da Lei Federal nº 8.935/94, antes transcritos, o primeiro dispositivo, em seu caput, extensivo aos "notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares" e o segundo específico dessas duas últimas categorias de prepostos, ambos de hierarquia superior, ante sua força regulamentar do art. 236 da CF.

22. Logo, tollitur quaestio, o ato impugnado é de ilegalidade manifesta, por indevida aplicação do art. 3º - § 2º da LC nº 64/2002 e por ofensa a ato jurídico perfeito e a direito adquirido, tudo sobejamente demonstrado.

V - DO PEDIDO

23. Ante o exposto, a impetrante requer a V. Exa. se digne de:

23-1. conceder MEDIDA LIMINAR, no sentido de determinar que, provisoriamente, fiquem suspensos os atos coativos impugnados, assegurando aos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares de todo o Estado de Minas Gerais o direito de continuarem vinculados ao novo Regime Próprio de Previdência e Assistência Social dos servidores públicos do Estado de Minas Gerais, com todos os direitos e deveres, obrigando-se o IPSEMG a emitir normalmente as guias retidas, as vincendas e a receber as respectivas contribuições, até a final decisão do presente mandado de segurança.
Justifica-se, sobejamente, o pedido, não só ante a relevância da matéria e dos fundamentos da segurança, como porque a suspensão temporária da coação atacada no "writ" é imperiosa para que seja evitada a consumação de prejuízos irreparáveis de toda sorte, que estão ocorrendo e ocorrerão, irreversivelmente, a todo momento e em todo o Estado, pondo em risco não só a relação continuativa como as próprias necessidades imediatas de socorro médico e de outras intervenções inerentes à previdência social, que, em face dos atos impugnados, está submetida, no âmbito cartorário em questão, a um autêntico caos.

23-2. Determinar a notificação das dignas autoridades impetradas, os Exmos. Srs. Presidente do IPSEMG e Superintendente de Finanças do IPSEMG, solicitando-lhes as informações que tiverem e o acompanhamento do processo como lhes parecer de direito.

23-3. Julgar procedente a segurança, anulando os atos impugnados e tornando definitiva a vinculação ao IPSEMG postulada no pedido liminar, para os mesmos fins ali objetivados.

24. Termos em que, atribuindo ao pedido, para efeitos fiscais, o valor de R$5.000,00 (cinco mil reais),

P. deferimento.

Belo Horizonte, 03 de setembro de 2002.

Pp. Edgard Moreira da Silva, OAB-MG 9936