Liminar proíbe leilão extrajudicial da casa própria 
(Habitacional - 02.04.2003) 


O juiz Wilson Zauhy Filho, da 13.ª Vara Cível Federal de São Paulo, deferiu liminar em ação civil coletiva, suspendendo os efeitos da cláusula prevista em contratos de financiamento de casa própria que permite às instituições financeiras realizarem leilões extrajudiciais de imóveis por inadimplência do mutuário. A decisão susta, inclusive, os efeitos dos leilões já iniciados. 

A decisão deu-se em ação proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra 15 instituições financeiras, levando-se em conta contratos firmados pelos associados do Instituto com tais instituições. 

As rés foram citadas antes que o juiz decidisse sobre a antecipação de tutela. Elas alegaram a ilegitimidade ativa da associação autora, em função da impossibilidade de aplicação retroativa do Código de Defesa do Consumidor. Sustentaram mais não serem aplicáveis aos contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação as normas do CDC, circunstância que importaria no divórcio de pertinência temática entre o pedido judicial e os objetivos estatutários do IBDC. 

O juiz entendeu que a cláusula que permite a arrematação extrajudicial prevista pelo decreto-lei n.º 70/66 compromete o princípio do contraditório e da ampla defesa previstos na Constituição Federal (art.5º, incisos I; XXXVII e IV). Ele esclarece que o decreto-lei afasta a participação do Judiciário e autoriza, a preposto do credor, dirigir e supervisionar os procedimentos para fazer o leilão. 

Escreve o magistrado que "evidentemente não se está na presença de órgão imparcial", e "a parcialidade compromete a igualdade das partes, o respeito ao direito de defesa, e em sentido mais amplo ao contraditório", conclui Zauhy. A liminar estabelece multa diária de R$1.000,00 para quem descumprir a decisão. 

A decisão na ação coletiva gera efeitos em todo o Brasil em relação às seguintes instituições financeiras: Caixa Econômica Federal, Abn Amro Bank, Banco América do Sul S.A, Banco Bradesco S.A., Banco de Crédito Nacional S.A, HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo, Banco Itaú S.A, Banco Sudameris Brasil S.A, Bank Boston Banco Múltiplo S.A., Bradesco S/A Crédito Imobiliário, Itaú S.A Crédito Imobiliário, Transcontinental Empreendimentos Imobiliários e Administração de Créditos Ltda., Banco do Estado de Pernambuco S.A-Bandepe, Banco do Estado de São Paulo S.A-Banespa, Banco Nossa Caixa S.A. e Eurameris-Crédito Imobiliário S.A. (Proc. nº2002.61.00.024196-3). 

Íntegra da decisão que suspende os leilões extrajudiciais de imóveis 

Vistos em saneador: 

O presente feito vem processado como ação coletiva civil, visando a revisão de cláusulas contratuais padrão, inseridas em contratos de financiamentos bancários, tendo como objeto a concessão de mútuo para aquisição de casa própria. 

O pedido vem promovido por associação civil que tem dentre seus objetivos a defesa do consumidor, definindo em seus Estatutos a missão e o objetivo a que propõe o IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, assim redigidos, verbis: 

"I - MISSÃO E OBJETIVOS 

Art. 1º. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC é uma associação civil de finalidade social, sem fins lucrativos, apartidária, regida pela legislação vigente e por este Estatuto, e constituída por prazo indeterminado, situado à Rua Dr. Costa Júnior, 194, São Paulo/SP. 

Parágrafo Único. A missão do IDEC é a defesa dos consumidores, na sua acepção mais ampla, representando-os nas relações jurídicas de qualquer espécie, inclusive com as instituições financeiras e com o Poder Público. 

Art. 2º. O objetivo do Instituto é contribuir para: 

a) que seja atingido o equilíbrio ético nas relações de consumo, por meio da maior conscientização e participação do consumidor e do maior acesso à Justiça;
b) a implementação e aprimoramento da legislação de defesa do consumidor e de matérias correlatadas;
c) a repressão ao abuso do poder econômico nas relações de consumo e nas demais relações jurídicas correlatas;
d) a melhoria da qualidade de vida, especialmente no que diz respeito à melhoria de qualidade dos produtos e serviços oferecidos." 

Prevê ainda o Estatuto que para o alcance da missão e dos objetivos mencionados, poderá a entidade "atuar judicial ou extrajudicialmente em defesa do consumidor, associados ou não, nas relações de consumo e qualquer outra espécie de relação correlata, coletiva ou individualmente, também perante os poderes públicos, inclusive nos casos em que o consumidor seja prejudicado com a exigência de tributos" e "atuar judicial ou extrajudicialmente na defesa de quaisquer direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos" (art. 3º, alíneas "f" e "g"). 

Da análise do Estatuto da entidade autora é possível verificar que está ela legitimada para a defesa de interesses (a) de consumidores ou ainda daqueles que hajam celebrado (b) relações correlatas à de consumo, isto em favor de (1) associados e (2) não associados, podendo atuar, de modo coletivo, quer para a defesa de direitos (1) difusos, (2) coletivos ou (3) individuais homogêneos. 

Verifica-se ainda que a entidade está regularmente constituída desde o ano de 1999, atendendo, de tal sorte, ao requisito formal descrito nos artigos 82, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e 5º, inciso I, da Lei da Ação Civil Pública (LACP), aplicáveis à espécie. 

De outro lado, o pedido vem dirigido contra diversas instituições bancárias, eleitas pela autora pelo critério de vinculação com os associados do Instituto, como se vê da exposição inicial, em que define o objetivo da ação, que seria o de reparar a situação desfavorável "em que se encontram inúmeros associados do autor, mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, com contratos de financiamento firmados com as Instituições Requeridas". 

Não abrange o pedido, de tal sorte, a todas as instituições financeiras nacionais que forneçam o serviço bancário de concessão de mútuo para o financiamento da casa própria. 

Essa situação será aquilatada por ocasião da análise das preliminares argüidas pelas requeridas. 

Observo, por fim, que as pretensões da autora, deduzidas em seus pedidos próximos, seriam afastar cláusulas padrão contidas em contratos de mútuo bancário, voltados ao financiamento da casa própria, que estabelecem (a) capitalização de juros pela sistemática da Tabela Price; (b) a utilização da TR - Taxa Referencial como indexador de correção monetária, com prejuízo da aplicação do PES - Plano de Equivalência Salarial; (c) cláusula mandato e, por fim, (d) leilão extrajudicial, na hipótese de inadimplência. 

A autora, por petição mais recente, reitera o pedido de concessão de antecipação dos efeitos da tutela para o fim específico de afastar a possibilidade de venda extrajudicial de imóvel objeto de contrato de mútuo, realizado por prepostos de instituições financeiras. 

Passo a analisar as preliminares e o pedido de concessão de tutela. 

As instituições financeiras requeridas levantam precisamente nove (9) preliminares prejudiciais ao conhecimento do mérito do pedido, assim identificadas e fundamentadas, que passo a analisar. 

(1) Litispendência com feitos em curso pela Justiça Federal de São Paulo. 

As requeridas buscam demonstrar que o presente feito reproduz pedidos, parcial ou totalmente, com outros feitos ajuizados pelo Ministério Público Federal. 

A alegada litispendência não se verifica, posto que para sua caracterização é necessária a fiel identidade na reprodução de processo já em curso, quer nos seus elementos subjetivos como objetivos. A propósito da caracterização da litispendência, sob o aspecto da fiel identidade, NELSON NERY JÚNIOR diz o seguinte: 

"Identidade de ações: caracterização. As partes devem ser as mesmas, não importando a ordem delas nos pólos das ações em análise. A causa de pedir, próxima e remota (fundamentos de fato e de direito, respectivamente), deve ser a mesmas nas ações, para que se as tenha como idênticas. O pedido, imediato e mediato, deve ser o mesmo: bem da vida e tipo de sentença judicial. Somente quando os três elementos, com suas seis subdivisões, forem iguais é que as ações serão idênticas". (in CPC COMENTADO, 3ª Edição, RT,, p. 752). 

De tal sorte, não demonstrado que tenha curso em outra vara ação com as mesmas partes, além da disparidade de causas de pedir e de pedidos, impossível se faz o reconhecimento da litispendência reclamada pelos réus. 

(2) Ilegitimidade ativa: 

Fundamentam as rés a ilegitimidade ativa da associação autora, sob dois aspectos: o primeiro, pela impossibilidade de aplicação retroativa do Código de Defesa do Consumidor e, em segundo, pelo fato de não serem aplicáveis aos contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação as normas daquele Código, circunstância que importaria no divórcio de pertinência temática entre o pedido judicial e os objetivos estatutários da autora. 

A preliminar merece algumas considerações iniciais, necessárias a seu deslinde. Em primeiro plano, parece que as autoras se insurgem contra a aplicação, que dizem retroativa, de normas processuais previstas no Código de Defesa do Consumidor, posto que são estas que conferem legitimidade à autora para estar em Juízo, observados determinados pré-requisitos. Outras, aliás, não poderiam ser as normas atacadas, posto que a disciplina de natureza material não pode ser objeto de preliminares, entrosando-se elas com o próprio mérito da pretensão, a ser considerado no momento oportuno. 

Assim, considerando que as normas processuais, segundo Jurisprudência já consolidada pelos Tribunais, inclusive pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, têm aplicação imediata, a alegada ilegitimidade ativa, fundada na imediata observância das normas de natureza processual do Código de Defesa do Consumidor não se sustém, por óbvio. 

Confira-se, a propósito, a posição do STF em casos em que foi chamado a dizer acerca da aplicação de lei de natureza processual, verbis: 

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PRECATÓRIO. Lei nº 10.099, de 2000.
I - A Lei 10.099, de 19.12.2000, art. 1º, deu nova redação ao art. 128 da Lei 8.213, de 1991, alterado pela Lei 9.032, de 1995. Cita Lei 10.099, de 2000, é regulamentadora do § 3º do art. 100, da C.F. Porque tem natureza processual, aplica-se imediatamente, alcançando os processos em curso..." (AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 409.941-3, Relator MINISTRO CARLOS VELLOSO, in DJU. de 7 de março de 2003, p. 45). 

No tocante ao segundo ponto em que disseca a preliminar de ilegitimidade ativa, entendem as rés que os contratos celebrados pelos substituídos da autora não estão submissos a relação de consumo e, de conseguinte, sendo esse um pressuposto para a legitimidade da autora, estaria ela ilegitimada à mingua de pertinência temática. 

Não assiste razão às requeridas sob tal aspecto. 

O Código de Defesa do Consumidor, ao definir o que se deva entender por consumidor e por serviço, elenca dentre estes os de "natureza bancária", sem efetuar aí qualquer distinção, verbis: 

"Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza serviço como destinatário final." 

... 

"Art. 3º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista". 

A propósito desse tema o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL da 3a. Região tem manifestado posicionamento favorável à submissão dessa espécie de relação jurídica ao lume do Código de Defesa do Consumidor, como se vê de decisão proferida em Agravo de Instrumento no. 2000.03.00.024729-5, tendo como relatora a Desembargadora Federal SUZANA CAMARGO, decisão fundada em posição doutrinária defendida pelo também Desembargador Federal daquele Tribunal, Dr. NEWTON DE LUCCA, verbis: 

"A leituras destes dispositivos (art. 3o. e § §) indica que, efetivamente, os contratos de financiamento para a aquisição da casa própria devem submeter-se ao Código de Defesa do Consumidor. 

Nessa relação, o consumidor, pessoa física que deseja adquirir um imóvel, procura o agente financeiro para que este lhe empreste dinheiro para efetuar a pretendida transação. Quando o banco efetivamente concede o empréstimo solicitado, está se concretizando uma relação de consumo, onde além da instituição financeira prestar o serviço (financiamento), também fornece o produto (no caso o dinheiro). 

Desse posicionamento não destoa a nossa doutrina pátria, consoante se deflui do escólio do eminente Desembargador Federal Newton de Lucca em artigo publicado na Revista desta Egrégia Corte: 

" (...) 

Daí serem necessárias, a meu ver, algumas precisões complementares. 

Uma dessas precisões diz respeito às formas pelas quais pode se dar o crédito ao consumidor. Imaginemos diante da loja que lhe vende o produto em prestações diretamente, isto é, sem a intermediação de um Banco. Estamos diante de um contrato de compra e venda a prazo, quer seja uma compra e venda conjugada a um contrato de mútuo, quer exista a alienação fiduciária ou não do produto negociado, consumidor e fornecedor estão sujeitos às normas do CDC. Todas as divergências surgidas entre eles, seja em relação ao produto, seja em relação ao financiamento, serão resolvidas com as normas do Código. 

Imagine-se, agora, se o financiamento é feito não diretamente pelo fornecedor do produto e sim por uma instituição financeira. É evidente que o contrato de compra e venda do produto diz respeito ao fornecedor e ao consumidor. Eventual vício do produto, por exemplo, será de responsabilidade do fornecedor e não da instituição financeira que celebrou o contrato de mútuo com aquele consumidor. Mas é igualmente evidente que esse contrato de mútuo entre o consumidor e a instituição financeira também se submete às normas do CDC. 

É ainda igualmente claro que os eventuais problemas que esses contratos de mútuo possa ter não dirão respeito ao fornecedor do produto." (in Revista do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, vol. 36, outubro/dezembro de 1998). 

Assim, considerando a análise do texto legal, somado à interpretação jurisprudencial, fundada em escólio doutrinário, não vejo possível o reconhecimento da ilegitimidade ativa da autora, ao fundamento de ausência de pertinência temática. 

(3) Ausência de identificação dos associados, como condição essencial da ação: 

A preliminar ora analisada colide frontalmente com disposição expressa do Código de Defesa do Consumidor, que ao legitimar as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código, diz, expressamente, que em tal caso é "dispensada a autorização assemblear", circunstância que permite a conclusão de que se a lei não exige o mais, que é exatamente a convocação de assembléia, não pode o juiz exigir o menos, que é a autorização individual dos substituídos. 

Aliás, se coletiva é a ação e se a autora age na condição de substituta processual, a exigência de autorização individualizada estaria logicamente afastada, circunstância que a lei sabiamente levou em conta tal dispiciêndo formalismo para a natureza da ação que visou prestigiar. 

Afasto, assim, a preliminar. 

(4) Ausência de interesses individuais homogêneos: 

As requeridas defendem a impossibilidade jurídica do pedido invocando a ausência de homogeneidade, aduzindo que nas ações coletivas que visem a defesa de tal modalidade de interesses é imprescindível que o autor defina, perfeita e exaurientemente, em que consistem os interesses e direitos individuais homogêneos, o que não teria restado demonstrado na postulação inicial. 

Não verifico a alegada prejudicial ao conhecimento do mérito, fundada na ausência de identificação dos direitos individuais homogêneos, isto porque, como se depreende da exposição inaugural, o autor busca o ajuste de cláusulas contratuais padrão, que tiveram como origem comum a celebração de contratos de mútuo bancário voltados ao financiamento da casa própria. 

Da leitura da inicial parece que a identificação da origem comum é bem precisa, não havendo margem para a dúvida, sobretudo pelo fato de ser essa modalidade de contrato (origem comum) a única aventada pelo autor. Acredito que com tal identificação do objeto, não pode pairar dúvida de estar adequadamente identificada a origem comum que justifica o ajuizamento do pleito coletivo. 

A propósito do posicionamento doutrinário citado, cumpre observar que não é possível se extrair das lições da professora ADA PELEGRINI GRINOVER a conseqüência avizinhada pelas requeridas, posto que o que ela afirma é precisamente que "não há homogeneidade entre situações de fato ou de direito sobre as quais as características pessoais em cada um atuam de modo complementamente diferente". 

É importante observar o sentido do advérbio empregado pela doutrinadora, posto que ela afirma que apenas as características subjetivas complementamente diferentes é que desautorizam o conhecimento da tutela dos direitos individuais homogêneos, circunstância que não se verifica no caso concreto. 

Aliás, no caso em análise, o que se verifica é que mesmo as situações subjetivas são indiferentes para a caracterização da homogeneidade, posto que o que legislador quis eleger como díscrimen dos direitos individuais homogêneos dos demais foi precisamente a origem comum, não as eventuais circunstâncias individuais dos interessados. 

Desse modo, havendo a origem comum - in casu os contratos de mútuo bancário destinados ao financiamento da casa própria - sido regularmente identificada, de modo objetivo, ou seja, por meio da demonstração de que tais modalidades de contratos contém suas cláusulas padrão, aplicadas a todos os contratantes, independentemente de suas condições pessoais, a preliminar não se sustenta. 

(5) ilegitimidade passiva dos bancos operadores do SFH: 

Dizem as requeridas que as instituições financeiras não seriam legítimas para responder por ações que discutam, precisamente, critério de correção monetária das operações bancárias, valendo-se para defesa da tese de jurisprudência dos Tribunais nacionais que trataram da questão da remuneração das cadernetas de poupança em razão da intervenção do Estado, em época recente. 

Tenho como evidente que tais precedentes e os raciocínios que levaram à consolidação daqueles entendimentos mencionados não são, nem de leve, aplicáveis ao caso concreto. 

O que busca a autora, em verdade, é submeter ao crivo judicial a relação contratual que os substituídos estabeleceram com as instituições financeiras e, ademais, a lei, como fonte primária de direitos, não é sua única geratriz, servindo para tal fim, com seus contornos próprios, o contrato lato sensu. Desse modo, mesmo que a relação jurídica tenha sido estabelecida segundo critérios assinalados pela lei, essa circunstância não torna ilegítimos os contratantes, ou mesmo os coloca em posição de imunidade à jurisdição, apenas pelo fato de haverem celebrado contratos de modo vinculado à lei que disciplina o Sistema Financeiro de Habitação. 

Aliás, o que busca a autora, por meio da ação coletiva, é exatamente discutir as disposições contratuais e, em especial, se elas estão atendendo aos comandos constitucional e legal, que as requeridas alegam cumprir escrupulosamente. 

Percebe-se, daí, que não se há de fulminar a pretensão, sobretudo de seu conhecimento meritório, fundada na modalidade de escusa defendida pelas requeridas. 

Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. 

(6) Ilegitimidade passiva do BANDEPE: 

As requeridas dizem que o agente financeiro BANDEPE --Banco do Estado de Pernambuco alienou a totalidade dos ativos referentes à carteira de créditos imobiliários para a Caixa Econômica Federal e os créditos junto ao FCVS para o Estado de Pernambuco devendo, em razão disso, ser excluída do feito. 

A preliminar de exclusão do feito há de ser acolhida, até porque a sucessora do BANDEPE, Caixa Econômica Federal, figura na lide, devendo os efeitos da sentença resolver também os contratos que recebeu por sucessão, não havendo prejuízo para o regular desenvolvimento do processo. 

(7) Incompetência absoluta do Juízo Federal da Seção Judiciária de São Paulo para processamento de ação coletiva com foros de caráter nacional: 

Valendo-se as requeridas do disposto no artigo 93 e incisos, do Código de Defesa do Consumidor, entendem que faleceria competência ao Juiz Federal para decidir causas com repercussão nacional. Tais são os fundamentos expostos pelas requeridas, verbis: 

"Dispõe o art. 93 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Proteção e Defesa do Consumidor que: 

'Art. 93 - Ressalvada a competência da Justiça federal, é competente para a causa a justiça local:
I- no foro do lugar onde ocorreu o dano quando de âmbito local;
II- no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrentes.' 

São lícitas as seguintes conclusões a respeito deste dispositivo; 

a) Como no Processo Civil em geral, diante do art. 109 da Constituição Federal, a competência da justiça estadual é, sempre, residual , vale dizer: não sendo causas que envolvam interesses da União, ou em que suas autarquias ou empresas públicas forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes e as demais hipóteses arroladas nos diversos incisos do precitado dispositivo constitucional, a competência é da justiça estadual; 


b) Sendo o dano reclamado com base no Código do Consumidor de âmbito local, é competente para conhecimento e processamento desta ação o foro do lugar onde o mesmo ocorreu ou deva ocorrer; 


c) Em se tratando de dano de âmbito nacional ou regional, por seu turno - considerando, especificamente, sua abrangência - , competente para processamento de ação fundada no Código do Consumidor será o foro do Distrito Federal ou do Estado; 


d) Considerando a possibilidade de distinção das áreas correspondentes ao que seja qualificável como 'âmbito regional ' e 'âmbito nacional' para fins de determinação de competência no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, outrossim, é certo que, respectivamente, consoante a área de constatação do dano a competência para propositura da ação respectiva será das Capitais dos Estados e do Distrito Federal. 

É inequívoco, portanto, que o que não se pode pretender à luz do art. 93 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é admitir que o 'foro local' seja competente para conhecimento e processamento de ações que envolvam danos de âmbito nacional." (grifos no original). 

A interpretação dada pelas requeridas não é, definitivamente, a que dimana dos expressos termos da lei. 

A leitura do dispositivo legal que trata da competência, precisamente o artigo 93 e seus incisos I e II, da Lei nº. 8.078/90, permite reafirmar que a competência da Justiça Federal é nacional, sendo os demais comandos previstos no mencionado dispositivo dirigidos, todos eles, apenas às demais justiças, que têm âmbito de abrangência territorial limitada, em razão de característica própria da Federação Brasileira composta de Estados e do Distrito Federal. 

O dispositivo legal é sábio ao principiar ressalvando a competência da Justiça Federal para, somente depois, disciplinar as demais competências. É de todo evidente que em sendo a competência da Justiça Federal de âmbito nacional, não poderia ela ter restringida a sua esfera de abrangência por lei ordinária, dado que o comando que autoriza afirmar que a abrangência das decisões da Justiça Federal é de âmbito nacional é de índole constitucional, infenso a alteração por meio de lei ordinária. 

Acrescente-se ainda que a interpretação dada pela doutrina mencionada pelas requeridas, no sentido de que os critérios definidos no artigo 93, inciso II, teriam conferido "o sentido de que no âmbito regional a competência é a capital do Estado federal e, tendo em vista o dano de espectro nacional, a competência é do Distrito Federal, são os que, ao lado da distinção das áreas, como distintas e inconfundíveis, é o que melhor diz com o acesso à Justiça" não é, definitivamente, a melhor interpretação que se extrai do dispositivo legal mencionado. 

Em primeiro lugar, a referência aí feita à Capital do Estado ou ao Distrito Federal é apenas e tão somente para identificar o ente federado diferenciado, não para lhe atribuir - a exemplo do que acontece com o permissivo constitucional conferido exclusivamente aos postulantes contrários à União Federal, pelo artigo 109, §2º, da Constituição Federal - a omnicompetência para dirimir questões de âmbito nacional. Isto quer dizer: qualquer capital de Estado, a que se equipara o Distrito Federal, poderá ser sede de ação judicial para a resolução de questão de âmbito nacional, ressalvada, sempre, a competência da Justiça Federal, que possui, pela sua própria natureza de Justiça da União, abrangência nacional. 

Essa a interpretação que extraio do dispositivo legal invocado pelas requeridas, motivo pelo qual rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal de São Paulo. 

(8) Necessidade da formação do litisconsórcio necessário unitário. 

Dizem as requeridas da impossibilidade de prosseguimento da lide de natureza coletiva apenas contra os agentes financeiros identificados pela autora, pois outros há que também atuam no fornecimento de serviços de financiamento para aquisição de casa própria, entendendo indispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário-unitário, por considerar que a decisão deverá, obrigatoriamente, vincular a todos os agentes financeiros, pena de a sentença a ser proferida nos autos ser inutiler data. 

A preliminar não se sustenta pois em verdade a providência reclamada pelas requeridas inverte a própria natureza da ação coletiva voltada à defesa dos direitos individuais homogêneos, transmutando-a para verdadeira ação para defesa de interesses coletivos (art. 82, inciso II, do CDC). 

Sabe-se que não obstante a influência que as class action do sistema norte-americano carrearam para a instituição dos instrumentos nacionais de defesas coletivas de direitos e interesses, algumas disposições daquela disciplina não foram albergadas pelo nosso sistema, em especial os mecanismos dos opt out e opt in. Cuidando da análise desses sistemas, a professora ADA PELEGRINI GRINOVER discorre acerca de sua aplicação no direito norte-americano, com as seguintes particularidades, verbis: 

"Outro ponto importante que deve ser destacado nas class action for damages norte-americanas, e que tem sido salientado por estudos recentes como ponto nodal, é o que versa sobre os critérios de submissão de terceiros ao julgado, denominados opt in e opt out. A Regra nº 23, c 2 e c3, das Federal Rules de 1966, expressamente prevê a possibilidade de optar-se pela exclusão da coisa julgada, sendo abrangidos por ela aqueles que, informados da demanda 'da maneira melhor de acordo com as circunstâncias' (inclusive mediante intimação pessoal, quando passíveis de identificação), não tiverem procedido ao pedido de exclusão. 

É o critério denominado opt out, reafirmado pela Suprema Corte norte-americana, que dispensou os demais, não optantes pela exclusão, de expresso consentimento para integrar a demanda (o que corresponderia ao critério do opt in). Em outras palavras, adotado o critério do opt out, os que deixam de optar pela exclusão serão automaticamente abrangidos pela coisa julgada, sem necessidade de anuência expressa, mas desde que tenha havido notícia pessoal do ajuizamento da ação". (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Forense Universitária, 7ª Edição, ps. 791/2). 

Percebe-se nitidamente da disciplina do direito comparado, que não foi esse critério adotado no sistema jurídico nacional. Em primeiro lugar, o legislador brasileiro ao definir o que seriam direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos o fez de modo analítico, dando as suas linhas gerais de identificação. Particularmente em relação aos direitos individuais homogêneos diz a lei nacional que eles devem ser compreendidos como tendo uma origem comum, distinguindo-os dos interesses e direitos coletivos precisamente pela sua divisibilidade. 

Ora, se os direitos individuais homogêneos são divisíveis, é evidente que a sua defesa pode ocorrer também em favor de um universo de interessados, vinculados exclusivamente pelo seu substituto processual, in casu a entidade criada para a defesa dos interesses de seus associados. 

A eventual adesão ao presente feito, que será determinada com esteio no artigo 94, do Código de Defesa do Consumidor é prevista pela lei de modo facultativo, devendo a adesão ser expressa, diferentemente do que ocorre no sistema norte-americano em a exclusão é que deve ser expressa. Assim, cotejados os sistemas e demonstrado que no ordenamento nacional é possível a defesa de direitos individuais homogêneos limitada a um universo de interessados, torna-se insubsistente a tese da necessidade de integração à lide de todos os litisconsortes, na extensão pretendida pelas requeridas. 

(9) Inadequação do meio processual para a revisão de cláusulas contratuais: 

As requeridas, por mais uma vez, insistem na inadequação da ação coletiva para a finalidade visada, equiparando o procedimento a verdadeiro mandado de injunção desconstitutivo, por meio do qual estaria a autora pretendendo "que se desfaça todo um Sistema existente há mais de 36 (trinta e seis) anos, para que um novo o substitua". 

A preliminar não se sustenta para a finalidade pretendida de extinção do feito sem julgamento do mérito, à mingua de interesse processual, informado pela inadequação do meio processual eleito. Com efeito, como já afirmado, não obstante os contratos de origem comum tenham sido celebrados segundo o comando legal, é evidente que tal circunstância não retira do Poder Judiciário o poder-dever de interpretar a extensão e a efetiva aplicação dessas mesmas normas que, segundo alegam as requeridas, estão em vigor há mais de trinta e seis (36) anos, circunstância que reforça a necessidade de sua adaptação aos novos tempos, o que somente poderá ser aquilatado no momento oportuno, quando ferido o mérito da pretensão dos substituídos pela autora. 

Evidente que diante de tais considerações impossível se faz o reconhecimento in limine, da impropriedade do meio processual eleito. 

Afastadas, portanto, todas as preliminares assacadas pelas requeridas, passo a apreciar o pedido de produção de provas detalhado pela autora, que requer a produção de prova documental e pericial, esta com o objetivo de demonstrar a existência de anatocismo decorrente da aplicação da Tabela Price, bem como o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, especificamente quanto à suspensão das cláusulas que estipulam mandato em favor da instituição financeira e que autorizam a venda extrajudicial do bem objeto do contrato de mútuo. 

Da produção de provas: 

Em primeiro lugar, observo que a autora pede em sua exordial, de modo expresso, a inversão do ônus da prova, para que sejam carreados para as requeridas seus respectivos encargos. 

Não obstante guarde reservas quanto à interpretação de destinar-se o postulado da inversão do ônus da prova ao juiz, que deve aquilatar as suas conseqüências no momento da sentença, rendo-me, quanto a esse ponto, ao entendimento de que "o momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova é o do julgamento da causa" (KAZUO WATANABE, in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Forense, 7ª Ed., p.735). 

Desse modo, fixada tal premissa, passo a considerar os meios de provas requeridos. 

Defiro a produção da prova pericial, nomeando para o encargo o perito CARLOS JADER DIAS JUNQUEIRA, CRE nº 27.767-3, com escritório na Av. Lucas Nogueira Garcez, nº 452, Caraguatatuba-SP, que deverá apresentar o laudo no prazo de 30 (trinta) dias. Fixo os honorários periciais provisórios em R$ 600,00 (seiscentos reais), que deverão ser depositados pela parte autora, no prazo de 05 (cinco) dias. 

Faculto às partes, no prazo de 05 (cinco) dias, a indicação de assistente técnico e formulação de quesitos. 

Decorrido o prazo assinalado e efetivado o depósito dos honorários periciais, intime-se o perito para a elaboração do laudo, no qual deverá informar ao Juízo se há capitalização de juros quando da aplicação da Tabela Price. 

Autorizo o levantamento de 50% (cinqüenta por cento) dos honorários periciais no início dos trabalhos e do restante, com a apresentação do laudo. 

Providências do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor: 

Determino a expedição de editais a fim de que eventuais interessados possam intervir no processo como litisconsortes, que deverá ser publicado na Imprensa Oficial e comunicado aos órgãos de proteção do consumidor (PROCON), providência esta que deverá ser levada a cabo pela autora, bem como a divulgação, por outros meios de comunicação, do ajuizamento da ação e de objeto da ação. 

Ressalve-se no edital que os possíveis interessados não poderão alargar o objeto da ação e que uma vez integrantes da lide estarão sujeitos aos efeitos da sentença, nos limites do que dispõe o artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor. 

Exclusão da lide: 

Diante da alegada sucessão do BANDEPE pela Caixa Econômica Federal, referente à carteira de créditos imobiliários, excluo o Banco do Estado de Pernambuco do pólo passivo, nos termos do art. 42 do CPC. 

Pedido de tutela: 

Entendo presentes os pressupostos que autorizam a antecipação da tutela em relação à execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº. 70/66. 

Várias das garantias ínsitas à cláusula do devido processo não são atendidas pelo procedimento de arrematação extrajudicial disciplinado no Decreto-Lei 70/66, questionada pela autora. Em primeiro lugar, ao afastar a participação do Poder Judiciário, e submeter a direção e supervisão do procedimento de excussão patrimonial ao preposto do credor, é evidente que não se está na presença de órgão imparcial; a parcialidade compromete a igualdade das partes, o respeito ao direito de defesa, e em sentido mais amplo o contraditório, postulados de significativa importância no ordenamento jurídico nacional, hoje elevado a cláusula de garantia intangível (art. 5º, incisos I -- igualdade --, XXXVII -- tribunal de exceção --, lV -- contraditório e ampla defesa). Desse modo, considero relevante o fundamento da demanda no que tange a tal pedido. 

Outrossim, é incontestável o receio de ineficácia do provimento final se, indeferida a antecipação de tutela, a cláusula que autoriza a execução extrajudicial continuar em vigência, possibilitando a realização de leilões. 

Assim, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA, com fundamento no § 3º, do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor, apenas para suspender a eficácia das cláusulas contratuais que autorizam as instituições financeiras a promoverem a execução extrajudicial prevista no Decreto-lei n. 70/66, bem como para sustar as execuções extrajudiciais já iniciadas. 

Oficie-se às requeridas para que cumpram a decisão liminar, bem como para que comunique aos agentes fiduciários, aos leiloeiros e às demais pessoas ligadas a esse procedimento, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) pelo não cumprimento, nos moldes do § 4º, do art. 84, do CDC. 

Intime-se. Oficie-se. Após, remetam-se os autos à SEDI para exclusão do Banco do Estado de Pernambuco- BANDEPE do pólo passivo. 

São Paulo, 26 de março de 2003. 

WILSON ZAUHY FILHO
Juiz Federal 


Fonte: Boletim Eletrônico IRIB - 04/04/2003.