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José Antonio Cetraro
Com o elevado propósito social de recuperar o equilíbrio financeiro em
contratos de financiamento habitacional concedidos no âmbito do SFH, esse
dispositivo legal ofereceu um benefício aos mutuários que, adimplentes ou
não, respondem por dívidas superiores ao valor de mercado dos imóveis que
adquiriram.
A decorrência natural desse procedimento de recuperação de créditos é a
formalização de um instrumento de renegociação da dívida e a retomada dos
pagamentos para preservar a aquisição imobiliária.
No evidente intuito de reduzir para o mutuário os desembolsos necessários
para obter o benefício legal e formalizar o instrumento que o assegura, o
art. 7º da referida lei assim dispôs:
“art. 7º - Fica dispensado o registro de averbação (sic) ou arquivamento no
Registro de Imóveis e no Registro de Títulos e Documentos do aditivo
contratual de que trata o art. 5º desta Lei”.
A referida norma legal ainda contém dispositivos que repercutem na atividade
registral, mais precisamente o inciso III do art. 5°, que admite a
substituição da garantia hipotecária pela instituição de alienação
fiduciária do imóvel financiado. E, objetivando ampliar o universo de
beneficiários, o inciso II do seu art. 3°, estendeu ao “atual ocupante do
imóvel” o direito à renegociação “após a transferência para ele do
respectivo contrato de financiamento”.
Descontada a impropriedade jurídica na redação do citado art. 7°, ainda
resta questionar a menção ao Registro de Títulos e Documentos diante de um
instrumento de renegociação de uma dívida garantida por imóvel.
No Sistema Financeiro da Habitação, é característica marcante envolver
contratos de financiamento de longo prazo, com eventuais renegociações da
dívida, inclusive decorrentes de atos legais ou regulamentares facultados
aos mutuários, o que levou o legislador, no passado, a estabelecer a
dispensa da averbação no Registro Imobiliário. É o art. 11 da Lei n° 5.741
de 1.12.1971 dispondo que:
Art. 11. Ficam dispensadas de averbação no Registro de Imóveis as alterações
contratuais de qualquer natureza, desde que não importem em novação objetiva
da dívida, realizadas em operações do Sistema Financeiro da Habitação,
criado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, sejam as operações
consubstanciadas, em instrumentos públicos ou particulares, ou em cédulas
hipotecárias.
Uma leitura conjugada dos artigos 5° e 7° da Lei n° 11.922 poderia sugerir
que para todos os instrumentos formalizados e fundamentados nesse
dispositivo estaria dispensado o acesso ao Registro Imobiliário. Nesse
contexto, estariam compreedidos os atos de que trata o inciso III do art.
5°: “nova contratação quando o prazo de validade da hipoteca relativa ao
financiamento original não for suficiente” para o ajuste celebrado, ficando
ainda facultada a substituição da garantia pela alienação fiduciária.
Não há como sustentar que a dispensa de que trata o art. 7° abarcaria a
instituição da hipoteca ou da alienação fiduciária, para as quais, o próprio
texto legal confere eficácia a partir do seu registro no fólio real. É o que
estabelecem, respectivamente, o art. 1.492 do Código Civil e o art. 23 da
Lei n° 9.514 de 20.11.1997.
Por outro lado, na medida que o texto legal estende os benefícios que
instituiu ao mero ocupante do imóvel “após a transferência para ele do
respectivo contrato de financiamento”, fica implícita a celebração da compra
e venda do imóvel, com eficácia subordinada ao registro do contrato nos
termos do art. 1.245 da lei civil. Nesse particular ainda cabe lembrar do
disposto pelo art. 1° da Lei n° 8.004 de 14.3.1990, com a redação que lhe
foi dada pela Lei n° 10.150 de 27.12.2000, que impõe a formalização
simultânea da compra e venda e da transferência do financiamento:
“Art. 1º O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir
a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato,
observado o disposto nesta lei.
Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou
promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em
ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a
interveniência obrigatória da instituição financiadora.”
Relativamente à obrigatoriedade da averbação do instrumento que resultar da
renegociação da dívida, ainda cabe invocar a aplicação do disposto pelo art.
1.485 do Código Civil.
Em conclusão, a dispensa legalmente prevista no art. 7° da Lei n° 11.922
deverá ficar restrita aos instrumentos que se limitarem a renegociar a
dívida com o mutuário original, e ajustando a redução da dívida, as novas
condições para resgatá-la, e, inclusive, a prorrogação do prazo de
pagamento, desde que dentro do limite legal de eficácia da hipoteca.
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Consultor Jurídico da Associação
Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança – Abecip
Veja a íntegra da Lei
NOTA
O coordenador editorial do Irib, ex-titular do 8.º Registro de Imóveis de
São Paulo e autor de diversas obras ligadas a atividade registral, Ulysses
da Silva, comenta, abaixo, o artigo “A Lei n° 11.922 de 13.04.2009 e o
Registro Imobiliário”, de autoria do consultor jurídico da Abecip, José
Antonio Cetraro.
“Analisando as considerações feitas por José Antonio Cetraro, cumpre
informar o seguinte:
Tem razão o autor quando afirma que a dispensa de averbação a que se refere
o art. 7.º da Lei 11.922, de 13 de abril de 2009, deve ficar restrita às
alterações quanto à renegociação da dívida que não envolva troca de garantia
ou transferência do financiamento para terceiro, ou, ainda, prorrogação do
prazo de vencimento.
Assim dizemos porque a interpretação desse dispositivo legal não deve ser
literal, mas, sim, em conjunto com as demais disposições da Lei 4.380, de
1964. Não pode deixar de ser levado a registro o contrato que operar a
transmissão do imóvel ou a substituição de uma hipoteca por alienação
fiduciária. As conseqüências resultantes de eventual cobrança por falta de
pagamento são diferentes e, para tal fim, os contratos devem estar
registrados. Também a ampliação ou redução do prazo de vencimento da dívida
constituem fatos importantes que, em caso de inadimplência, devem ser
levados em conta.
É
certo que, no caso da hipoteca, a perempção é contada da data do contrato e
não do registro, como consta do art. 1.485 do CC, mas a prorrogação do prazo
além desse limite deve seguir a regra estipulada no art. 1.485 do CC, para
efeito de validade da garantia real oferecida.” |