A Lei n° 11.922 de 13.04.2009 e o Registro Imobiliário

* José Antonio Cetraro

Com o elevado propósito social de recuperar o equilíbrio financeiro em contratos de financiamento habitacional concedidos no âmbito do SFH, esse dispositivo legal ofereceu um benefício aos mutuários que, adimplentes ou não, respondem por dívidas superiores ao valor de mercado dos imóveis que adquiriram.

A decorrência natural desse procedimento de recuperação de créditos é a formalização de um instrumento de renegociação da dívida e a retomada dos pagamentos para preservar a aquisição imobiliária.

No evidente intuito de reduzir para o mutuário os desembolsos necessários para obter o benefício legal e formalizar o instrumento que o assegura, o art. 7º da referida lei assim dispôs:

“art. 7º - Fica dispensado o registro de averbação (sic) ou arquivamento no Registro de Imóveis e no Registro de Títulos e Documentos do aditivo contratual de que trata o art. 5º desta Lei”.

A referida norma legal ainda contém dispositivos que repercutem na atividade registral, mais precisamente o inciso III do art. 5°, que admite a substituição da garantia hipotecária pela instituição de alienação fiduciária do imóvel financiado. E, objetivando ampliar o universo de beneficiários, o inciso II do seu art. 3°, estendeu ao “atual ocupante do imóvel” o direito à renegociação “após a transferência para ele do respectivo contrato de financiamento”.

Descontada a impropriedade jurídica na redação do citado art. 7°, ainda resta questionar a menção ao Registro de Títulos e Documentos diante de um instrumento de renegociação de uma dívida garantida por imóvel.

No Sistema Financeiro da Habitação, é característica marcante envolver contratos de financiamento de longo prazo, com eventuais renegociações da dívida, inclusive decorrentes de atos legais ou regulamentares facultados aos mutuários, o que levou o legislador, no passado, a estabelecer a dispensa da averbação no Registro Imobiliário. É o art. 11 da Lei n° 5.741 de 1.12.1971 dispondo que:

Art. 11. Ficam dispensadas de averbação no Registro de Imóveis as alterações contratuais de qualquer natureza, desde que não importem em novação objetiva da dívida, realizadas em operações do Sistema Financeiro da Habitação, criado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, sejam as operações consubstanciadas, em instrumentos públicos ou particulares, ou em cédulas hipotecárias.

Uma leitura conjugada dos artigos 5° e 7° da Lei n° 11.922 poderia sugerir que para todos os instrumentos formalizados e fundamentados nesse dispositivo estaria dispensado o acesso ao Registro Imobiliário. Nesse contexto, estariam compreedidos os atos de que trata o inciso III do art. 5°: “nova contratação quando o prazo de validade da hipoteca relativa ao financiamento original não for suficiente” para o ajuste celebrado, ficando ainda facultada a substituição da garantia pela alienação fiduciária.

Não há como sustentar que a dispensa de que trata o art. 7° abarcaria a instituição da hipoteca ou da alienação fiduciária, para as quais, o próprio texto legal confere eficácia a partir do seu registro no fólio real. É o que estabelecem, respectivamente, o art. 1.492 do Código Civil e o art. 23 da Lei n° 9.514 de 20.11.1997.

Por outro lado, na medida que o texto legal estende os benefícios que instituiu ao mero ocupante do imóvel “após a transferência para ele do respectivo contrato de financiamento”, fica implícita a celebração da compra e venda do imóvel, com eficácia subordinada ao registro do contrato nos termos do art. 1.245 da lei civil. Nesse particular ainda cabe lembrar do disposto pelo art. 1° da Lei n° 8.004 de 14.3.1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 10.150 de 27.12.2000, que impõe a formalização simultânea da compra e venda e da transferência do financiamento:

“Art. 1º O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta lei.

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora.”

Relativamente à obrigatoriedade da averbação do instrumento que resultar da renegociação da dívida, ainda cabe invocar a aplicação do disposto pelo art. 1.485 do Código Civil.

Em conclusão, a dispensa legalmente prevista no art. 7° da Lei n° 11.922 deverá ficar restrita aos instrumentos que se limitarem a renegociar a dívida com o mutuário original, e ajustando a redução da dívida, as novas condições para resgatá-la, e, inclusive, a prorrogação do prazo de pagamento, desde que dentro do limite legal de eficácia da hipoteca.

* Consultor Jurídico da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança – Abecip

Veja a íntegra da Lei

NOTA

O coordenador editorial do Irib, ex-titular do 8.º Registro de Imóveis de São Paulo e autor de diversas obras ligadas a atividade registral, Ulysses da Silva, comenta, abaixo, o artigo “A Lei n° 11.922 de 13.04.2009 e o Registro Imobiliário”, de autoria do consultor jurídico da Abecip, José Antonio Cetraro.

“Analisando as considerações feitas por José Antonio Cetraro, cumpre informar o seguinte:

Tem razão o autor quando afirma que a dispensa de averbação a que se refere o art. 7.º da Lei 11.922, de 13 de abril de 2009, deve ficar restrita às alterações quanto à renegociação da dívida que não envolva troca de garantia ou transferência do financiamento para terceiro, ou, ainda, prorrogação do prazo de vencimento.

Assim dizemos porque a interpretação desse dispositivo legal não deve ser literal, mas, sim, em conjunto com as demais disposições da Lei 4.380, de 1964. Não pode deixar de ser levado a registro o contrato que operar a transmissão do imóvel ou a substituição de uma hipoteca por alienação fiduciária. As conseqüências resultantes de eventual cobrança por falta de pagamento são diferentes e, para tal fim, os contratos devem estar registrados. Também a ampliação ou redução do prazo de vencimento da dívida constituem fatos importantes que, em caso de inadimplência, devem ser levados em conta.

É certo que, no caso da hipoteca, a perempção é contada da data do contrato e não do registro, como consta do art. 1.485 do CC, mas a prorrogação do prazo além desse limite deve seguir a regra estipulada no art. 1.485 do CC, para efeito de validade da garantia real oferecida.”


Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB n. 3645 - 02/06/2009.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.