Jurisprudência - Princípio da personalidade da pessoa jurídica, que não se confunde com a pessoa dos sócios.

 

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

MANDADO DE SEGURANÇA - PESSOA JURÍDICA - SÓCIO - PARTICIPAÇÃO EM SOCIEDADE ANTERIOR - DÉBITO TRIBUTÁRIO - CADASTRO DE CONTRIBUINTES - INSCRIÇÃO ESTADUAL - PODER PÚBLICO - INDEFERIMENTO - ILEGALIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - CONCESSÃO DA ORDEM

Ementa: Tributário. Administrativo. Inscrição estadual no cadastro de contribuintes. Empresa solicitante, cujo sócio consta como responsável de outra empresa, em situação de inadimplência com o Fisco. Negativa da Administração. Ilegalidade. Vinculação inadmissível, ilegal e desarrazoável. Princípio da personalidade da pessoa jurídica, que não se confunde com a pessoa dos sócios. Concessão da segurança. Sentença mantida.

- Não é lícito ao Fisco negar a uma empresa a inscrição estadual no Cadastro de Contribuintes, sob o simples argumento de que um de seus sócios já participou de outra sociedade, com personalidade jurídica distinta, que se encontra em débito com o Fisco, visto que, com tal negativa, o Poder Público, sem sombra de dúvida, pretende compelir, de forma ilegal e repudiada, o contribuinte a pagar tributos que entende devidos, o que se faz, todavia, em afronta, primordialmente, ao princípio vetor do due process of law, garantido expressamente pela Constituição Federal.

Reexame Necessário ndeg. 1.0024.05.775413-7/001 - Comarca de Belo Horizonte - Remetente: Juiz de Direito 2ª da Vara de Feitos Tributários do Estado de Comarca Belo Horizonte - Autora: Grelhados Alimentos Ltda. - Ré: Chefe da Administração Fazendária 1º nível BH-1 - Relator: Des. José Domingues Ferreira Esteves

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em confirmar a sentença, no reexame necessário.

Belo Horizonte, 21 de novembro de 2006. - José Domingues Ferreira Esteves - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. JOSÉ DOMINGUES FERREIRA ESTEVES - Trata-se de reexame necessário em face da r. sentença de f. 69/72, da lavra do MM. Juiz de Direito da 2ª Vara de Feitos Tributários do Estado desta Comarca, que veio a conceder a segurança impetrada pela empresa Grelhados Alimentos Ltda., para garantir à impetrante o direito de promover sua inscrição estadual, que lhe havia sido negada pela autoridade apontada coatora, sob o argumento de que o Sr. Péricles Pereira Prado, componente de seu quadro societário, era sócio de outra empresa que se encontrava em débito com o Fisco mineiro.

Sem a interposição de recurso voluntário, extrai-se da sentença em reexame que a negativa do Fisco estadual de conceder à impetrante a inscrição estadual, ao pressuposto de que seu sócio se encontra em dívida com o Fisco, configura ato ilegal e arbitrário, na medida em que possui outros meios próprios para cobrar as dívidas de seus contribuintes.

Sendo esse o breve relato, conheço do reexame necessário, visto que atendidos os seus pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Grelhados Alimentos Ltda., que teve negado o seu pedido de inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado de Minas Gerais pelo Chefe da Administração Fazendária do Estado de Minas Gerais, ao argumento de que um dos seus sócios, que possui personalidade jurídica totalmente distinta, se encontra em débito para com o Estado de Minas Gerais, o que acarretou, por conseqüência, a negativa ora impugnada.

Bem analisada a questão dos autos, creio que a r. sentença deva ser integralmente confirmada, uma vez que o d. Magistrado, com acerto, deu o adequado deslinde ao feito.

É que, de fato, tenho posicionamento, há muito firmado, de que a conduta da Administração Fazendária de compelir os contribuintes a pagarem tributos mediante práticas abusivas que impedem o exercício regular do direito é rigorosamente condenável.

O que se percebe claramente da conduta impugnada é que, valendo-se de tal negativa, busca o Poder Público compelir sócios de empresas inadimplentes ao pagamento de tributos que entende devidos, o que se faz, todavia, mediante prática ilegal e repudiada, ferindo, primordialmente, o princípio vetor do due process of law, garantido expressamente pela Constituição Federal.

A imposição de restrições pelo Fisco estadual ao deferimento da inscrição no Cadastro de Contribuintes à impetrante, ao argumento de que um de seus sócios participava de outra empresa que se encontra inadimplente, não é, à evidência, argumento plausível juridicamente, de sorte a lhe negar tal pretensão.

A rigor, não se pode conceber, diante do princípio vetor da legalidade e da razoabilidade, corolários primordiais da Administração Pública, que se invoque tal fato para obstar a almejada inscrição da impetrante, ao simples fato de que um de seus sócios possui dívidas com o Fisco estadual.

Cito, pois, entendimento jurisprudencial que, sob luvas, aplica-se ao caso em tela:

"Mandado de segurança - Certidão negativa de débito - Não-fornecimento fundado em débito de terceira empresa da qual o sócio era participante - Ilegalidade. - O simples fato de um sócio ter participado de empresa inscrita em dívida ativa não é motivo para o não-fornecimento de certidão de débito capaz de impedir a inscrição de outra empresa no Cadastro de Contribuintes do Estado de Minas Gerais" (AC 1..0024.03.925712-6/001, Rel. Des. Alvim Soares, j. em 10.02.2004, DJ de 18.03.2004).

"Ementa: Direito administrativo. Mandado de segurança. Indeferimento de inscrição. Certidão negativa de débito fiscal. Responsabilidade. Sócio. Direito líquido e certo. Ato ilegal e abusivo da autoridade coatora. Concessão da segurança. - 1. O fato de um dos sócios da impetrante ser sócio de uma empresa anterior, inscrita em dívida ativa, não tem o condão administrativo ou legal de impedir a liberação da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS. - 2. A responsabilidade dos sócios por dívidas contraídas pela sociedade depende de matéria fática, pois a presunção é de que os mesmos não respondem. - 3. Em reexame necessário, confirmar a r. sentença, prejudicado o recurso voluntário" (AC nº 1.0000.00.354701-5/000, Rel. Des. Célio César Paduani, j. em 11.11.2003, DJ de 21.11.2003).

Na mesma toada, frise-se, é a orientação do STJ, para quem

"... a pessoa jurídica, com personalidade própria, não se confunde com outra, ainda que tenham sócios com participação em ambas. É descabida a recusa de fornecimento da CND a uma empresa sob o fundamento de que um de seus sócios é integrante de uma outra sociedade devedora do Fisco" (REsp 149.690, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 20.03.00).

Em suma, "a Fazenda deve cobrar seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte" (cf. ROSAS, Roberto. Direito sumular. 23. ed., p. 295).

Diante disso, deve prevalecer a r. sentença sob reexame, na medida em que o mero fato de um sócio da impetrante ter sido sócio de empresa inadimplente com tributos estaduais não pode conduzir a qualquer restrição ao seu direito de obter a inscrição estadual, até porque quem a requereu foi outra empresa, com personalidade totalmente distinta.

O fato, sim, que deve servir de parâmetro e pressuposto para o reconhecimento do direito ao cadastro pretendido é que a condição de ex-sócio de empresa devedora não conduz, por si só, nem a pessoa física, tampouco a sociedade da qual hoje faz parte a qualquer responsabilidade tributária e, logo, a qualquer acesso a documento certificando tal situação.

Por tais considerações, em reexame necessário, confirmo a sentença, nos termos acima dispostos.

Custas, na forma da lei.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Ernane Fidélis e Edilson Fernandes.

Súmula - EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA.

 

Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 06/07/2007

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.