Jurisprudência - Preservação do meio ambiente - Função social da propriedade rural

CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - INTERESSE DIFUSO - MEIO AMBIENTE - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ISOLAMENTO PARA RECUPERAÇÃO - PERICULUM IN MORA - ATIVIDADE DE SUBSISTÊNCIA - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL - PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE INTEGRADA COM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - PARCIAL PROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 225 E 186, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

- A preservação do meio ambiente deve perfilhar-se com o desenvolvimento socioeconômico, de modo que a função social da propriedade rural não seja óbice à subsistência do proprietário rural.

- A revogação parcial da liminar deferida, de forma a permitir a atividade de manejo leiteiro, coaduna-se com os princípios constitucionais, mantida a proibição de limpeza na área.

Agravo n° 1.0456.07.053012-0/001 - Comarca de Oliveira - Agravante: Amadeu Gonçalves Pinto - Agravado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Relator: Des. Dorival Guimarães Pereira

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento parcial.

Belo Horizonte, 6 de dezembro de 2007. - Dorival Guimarães Pereira - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA - Trata-se de agravo de instrumento interposto por Amadeu Gonçalves Pinto em face da decisão trasladada à f. 12-TJ, tirada, por sua vez, dos autos da ação civil pública que está a lhe mover o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que deferiu a liminar pleiteada e determinou a interdição e o embargo de quaisquer atividades na área danificada, objetivando sua reforma, sustentando não estarem atendidos os pressupostos para o seu deferimento, já que possui consciência ambiental e sempre agiu de forma a preservá-lo, tudo consoante as argumentações desenvolvidas na minuta de f. 02/08-TJ.

Conheço do recurso, por atendidos os pressupostos que regem sua admissibilidade, com a observação de que defiro ao recorrente os benefícios da assistência judiciária por ele requerida.

Cuida-se de instrumental que tem como objeto a cassação da liminar deferida pelo digno Julgador de origem, que determinou a interdição de área localizada na propriedade denominada ``Sítio Martins'' e o embargo de quaisquer atividades na respectiva circunscrição, sob pena de multa diária correspondente a 01 (um) salário mínimo.

O recorrente afirma estar sofrendo prejuízo com a decisão em questão, pois é arrendatário da respectiva área, onde mantém atividade agropecuária de pequeno porte, especificamente criação de 04 (quatro) reses para subsistência familiar.

Também alega que possui notória consciência ambiental, que não teve o desiderato de agredir o meio ambiente, tanto que buscou junto ao IEF a licença para promover a limpeza que desencadeou a presente demanda, e, que justamente por estar munido dessa autorização, não assinou o termo de conduta perante o Ministério Público Estadual.

Diz que não deu início à atividade de utilização de pastagem na área, visto que a ocupação já estava consolidada desde o início de seu arrendamento.

Entrementes, recorre ao arquivamento da denúncia, em que foi indiciado por crime ambiental, como elemento bastante para demonstrar a inadequação da presente situação fática, aludindo que a supressão da Instância Criminal, por si só, induz à desconsideração da sua responsabilidade civil.

Por fim, pugna pela desconstituição da interdição e do embargo de atividades, com respaldo no art. 54, IV, da Lei Estadual nº 14.309/2002, onde resta determinado que só será interditada, total ou parcialmente, a atividade, quando houver risco iminente para a flora, fauna ou recursos hídricos, e que, na espécie, tal prerrogativa não subsiste, uma vez que deseja a limpeza da área apenas para evitar o aparecimento de cobras, visto ser a casa muito próxima ao local.

Inicialmente, é importante destacar o conteúdo integral do Parecer Técnico datado de 01.02.2006 (f. 93-TJ), emanado do IEF, à solicitação do irresignante, segundo o qual:

"Em atenção ao pleito do Sr. Flávio de Jesus Gonçalves Pinto, no qual vem requerer a licença para proceder a uma limpeza com foice nas margens do curso d'água, com a finalidade de prevenir acidentes com cobras, entre outros, será permitido desde que o mesmo não corte árvores, arbustos, bem como não utilize trator, ficando toda responsabilidade pelos atos cometidos dentre da propriedade pelo requerente''. (sic)

Nessa vereda, em 28.06.2006, o Instituto Estadual de Florestas forneceu a licença nº 130021, série B, "Declaração de Colheitas e Comercialização de Florestas Plantadas'', para o corte e comercialização de eucaliptos, assinada pelo recorrente, cabendo ressaltar o seguinte trecho: "Declaro que não haverá qualquer tipo de exploração/ intervenção em áreas de reserva legal e vinculadas à reposição florestal ou supressão de essências florestais nativas não cultivadas'' (f. 88-TJ).

Tendo em vista o contexto fornecido pelas assertivas acima, mister se faz reproduzir trechos do "boletim de ocorrência'' de f. 27-TJ, lavrado em 21.08.2006, para a devida elucidação das circunstâncias efetivas que envolvem o caso, in verbis:

"Levo ao vosso conhecimento que, em atendimento a uma denúncia passada pela Promotoria de Justiça da Comarca de Oliveira/MG, comparecemos ao local citado nesse boletim de ocorrência, onde estaria ocorrendo uma destoca e queimada. No local detectamos um corte de eucalipto [...]. Quando nos foi apresentada licença, a mesma tinha citações que comprovam estar liberado o corte de eucaliptos naquele local, a qual tem o nº 130021 Série B (Declaração de Colheita e Comercialização de Florestas Plantadas). Continuando a fiscalizar o local, foi detectada uma queimada e o corte de várias árvores nativas de pequeno porte próximas ao curso d'água e área brejeira. [...] Logo chegou o envolvido 01 que afirmou ser de sua responsabilidade a infração cometida, tendo em vista estar de posse de um contrato de arrendamento do imóvel em pauta. Assim sendo, ficou confirmado que tal intervenção feita através de corte de árvores nativas e queimada atingiu uma área total de aproximadamente 00:10:00 ha, atividades estas que não se achavam acobertadas''.

Posta assim a questão, tudo indica que, apesar de ter procurado se resguardar com a adoção de procedimentos legais, o irresignante acabou por extrapolar as prerrogativas que lhe foram outorgadas, ao promover queimada no local e corte de árvores nativas de pequeno porte.

Desde o momento em que lhe foi fornecido o Parecer Técnico do IEF, ficou registrado, de forma clara e precisa, que a limpeza que seria promovida na área não poderia acarretar impactos nas espécies nativas.

Tal fato é corroborado pela licença específica para colheita e comercialização de floresta plantada, acobertando somente os eucaliptos, reiterando que quaisquer intervenções na vegetação nativa seriam de exclusiva responsabilidade do licenciado, eximindo-se o IEF.

É sabido que a área interditada, nos termos da Lei Estadual nº 14.309/2002, é considerada área de preservação ambiental permanente, assim dispondo seu art. 10º:

``Art. 10. Considera-se área de preservação permanente aquela protegida nos termos desta lei, revestida ou não com cobertura vegetal, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, de proteger o solo e de assegurar o bem-estar das populações humanas e situada:

[...]

II - ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, a partir do leito maior sazonal, medido horizontalmente, cuja largura mínima, em cada margem, seja de:

a) 30m (trinta metros), para curso d'água com largura inferior a 10m (dez metros) [...]''.

Assim, restou demonstrado que o agravante procedeu de modo gravoso em relação ao meio ambiente, dando ensejo ao periculum in mora, necessário à concessão da liminar hostilizada.

Importante salientar que, mesmo após a lavratura da ocorrência policial e da notificação pelo Ministério Público, o recorrente se recusou a assinar o ``termo de conduta'', no qual se comprometeria a não repetir o comportamento predatório ao meio ambiente, o que vai de encontro à sua pretensa consciência ecológica.

Vê-se, pois, que o requerido não atentou para os limites de ação contidos na licença do IEF, promovendo a destruição da flora nativa em área de preservação permanente.

Contudo, em que pese a sua conduta, não se pode olvidar que a mesma área já vem sendo objeto de desmandos continuados ao longo do tempo e que a presente situação de deterioração não é resultado apenas de sua atividade, como atesta laudo técnico do próprio IEF (f. 90/91-TJ), uma vez que o local já era destinado à pastagem há vários anos.

Por conseguinte, levando-se em conta o fato de que a atividade de pastagem já estava consolidada anteriormente e que o réu dispõe de apenas 04 (quatro) reses no local, não deve prosperar o embargo de todas as atividades na área ``Sítio Martins'', sob pena de estar privando-o de meios para a sua subsistência.

Ademais, até o julgamento final do mérito da demanda ajuizada em inferior Instância, seja qual for o decisum a ser prolatado, a manutenção da atividade de manejo de pastagem para 04 (quatro) vacas não irá comprometer de forma irremediável, nem significantemente, a situação da área de preservação ambiental, sendo que o próprio laudo técnico do IEF atesta que o isolamento da área é suficiente para sua posterior recuperação.

Saliente-se que o embargo da atividade leiteira de pequeno porte, desenvolvida pelo recorrente, não pode ser mantido, sob pena de incorrer-se em afronta ao princípio do desenvolvimento sustentável, pois, caso contrário, estaria a se privilegiar a dimensão da proteção ambiental, em total detrimento do desenvolvimento socioeconômico.

Porém, no que concerne à atividade de limpeza do local, deve ser mantido o embargo total, uma vez que corresponde a uma área de preservação permanente, sendo que o modus procedendi do agravante e sua recusa em assinar o ``termo de conduta'' não corroboram a suspensão da liminar quanto a esse particular.

Ademais, embora tenha ocorrido o arquivamento na esfera penal, tal fato não implica, necessariamente, o na esfera cível, visto que a responsabilidade penal e a cível se regem por instrumental jurídico próprio, sendo institutos independentes.

Mediante tais considerações, dou parcial provimento ao agravo de instrumento interposto para, em conseqüência, reformar, em parte, a interlocutória fustigada, somente no tocante ao embargo da atividade leiteira de pequeno porte, que poderá continuar a ser desenvolvida pelo agravante, mantendo-a, quanto ao mais, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas recursais, ex lege.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Maria Elza e Nepomuceno Silva.

Súmula - DERAM PROVIMENTO PARCIAL.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 12/07/2008

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