Embargos à execução fiscal - Penhora do patrimônio particular do sócio gerente - Responsabilidade solidária

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA DO PATRIMÔNIO PARTICULAR DO SÓCIO GERENTE - NÃO-COMPROVAÇÃO DE EXCESSO NA GESTÃO EMPRESARIAL, INFRAÇÃO A LEI OU A CONTRATO SOCIAL - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA IMPUTADA AO SÓCIO - DESRESPEITO AOS PRECEITOS DO ART. 135 DO CTN - EMBARGOS PROCEDENTES - CUSTAS PROCESSUAIS - ISENÇÃO DO ESTADO - RESSARCIMENTO DAS CUSTAS ADIANTADAS

- Para que a execução fiscal atinja o patrimônio pessoal dos sócios empresários, de forma solidária em face da obrigação tributária da pessoa jurídica, é imprescindível que se comprove a gestão fraudulenta.

- O simples não-pagamento de tributo não acarreta a responsabilidade pessoal do sócio, pelo que o Fisco deve tentar buscar sua satisfação creditícia junto ao patrimônio da empresa contribuinte.

- Em sucumbindo o Estado, não há que se falar em condenação nas custas processuais, uma vez que o Estado de Minas Gerais é beneficiado pela isenção prevista no art. 10, I, da Lei 14.939/03, a não ser na hipótese em que a parte contrária, vencedora na ação, adiantou custas, que devem ser ressarcidas.

Apelação Cível n° 1.0325.06.001847-1/001 - Comarca de Itamarandiba - Apelante: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais - Apelado: Espólio de Rogério Pavie Fernandes, representado pela inventariante Terezinha Guimarães Pavie Fernandes - Relatora: Des.ª Vanessa Verdolim Hudson Andrade

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento parcial.

Belo Horizonte, 20 de novembro de 2007. - Vanessa Verdolim Hudson Andrade - Relatora.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - Trata-se de apelação proposta às f. 38/41, pela Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais, nos autos dos embargos à execução movidos pelo espólio de Rogério Pavie Fernandes, representado pela inventariante Terezinha Guimarães Pavie Fernandes, diante do seu inconformismo em face da decisão de f. 28/31, que acolheu os embargos, para desconstituição da penhora recaída sobre bens do espólio de sócio da empresa executada, porquanto a dívida fiscal não poderia, a priori, ultrapassar os bens da empresa devedora.

O apelante requer seja reformado o decisum, aduzindo que o sócio gerente da empresa deve responder pelo débito fiscal na condição de responsável por substituição (arts. 597 do CPC e 4º, III, da LEF). Por fim, aduz que, caso seja mantido, há de ser considerada a imunidade estadual em relação às custas judiciais.

Intimado, o apelado não apresentou contra-razões.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça veio à f. 51 alegar a desnecessidade da manifestação ministerial.

Conheço da apelação, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Passo ao exame do mérito, por inexistirem questões preliminares.

Como se infere dos presentes autos, a repartição fazendária estadual ajuizou execução fiscal contra a empresa Terezinha Guimarães Pavie Fernandes & Cia Ltda., com base nas CDAs de f. 03/04 (apenso).

Ainda em sede de execução foi determinada a penhora, cujo efeito constritivo recaiu sobre bem particular do sócio gerente, Sr. Rogério Pavie Fernandes, falecido, de forma que o bem penhorado passou a fazer parte do monte do espólio.

A inventariante intentou embargos à execução, argumentando que a execução deveria buscar bens da empresa, podendo atingir os bens dos sócios tão-somente nos casos de dolo, excesso na prática dos negócios empresariais ou infração à lei, estatuto ou contrato social (arts. 134 e 135 do CTN).

Mesmo que não tenha havido, inicialmente, qualquer uma das hipóteses de excesso nos atos gerenciais da empresa, dolo, ou hipótese na qual haja configurado fraude ou abuso, a constrição recaiu sobre bens particulares do espólio, patrimônio este que não guarda relação com o patrimônio da sociedade.

Ora, a legislação tributária tratou de estabelecer as hipóteses nas quais a execução poderá transcender o patrimônio da empresa contribuinte para atingir os bens dos sócios. No caso em crivo, frise-se, não vislumbro a existência de qualquer uma das hipóteses preconizadas nos mencionados arts. 134 e 135 do CTN.

A execução fiscal certamente pressupõe o não-pagamento de tributo, visto que, caso houvesse o prévio pagamento, não haveria motivos para a Fazenda buscar as vias judiciais. Entretanto, o simples fato do não-recolhimento do tributo, por si só, não é capaz de configurar excesso por parte do sócio e muito menos hipótese de fraude, conforme pacificado pela jurisprudência desta Corte, se não vejamos:

"Execução fiscal. Responsabilidade tributária. Inclusão de sócio-gerente. Hipóteses legais. Precedentes do STJ. - A responsabilidade tributária dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado está condicionada à prática pelos mesmos de atos com violação do contrato social, ou ainda de violação de norma legal. O não-pagamento de tributos, por si só, não enseja a inclusão dos sócios no pólo passivo da execução fiscal. Eventual encerramento irregular da empresa de responsabilidade limitada enseja a inclusão dos sócios que, à época do ato ilícito, componham o seu quadro, sendo descabida, no entanto, a inclusão dos sócios pretéritos que se retiraram na forma da lei. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça" (Apelação Cível nº 1.0024.03.971533-9/001, Rel.ª Des.ª Maria Elza).

E do Superior Tribunal de Justiça:

"Execução fiscal. Contribuição para o FGTS. Redirecionamento da execução para os sócios-gerentes. Art. 135 do CTN. Inaplicabilidade.

1. A eg. Primeira Seção pacificou o entendimento de que a responsabilidade tributária imposta ao sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.

2. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal.

3. Recurso especial improvido" (STJ, 2ª Turma, REsp 565986/PR, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, julgado em 12.5.2005, DJU de 27.6.2005).

As ementas trasladadas acima consignam a tese de que os sócios não podem ser incluídos no pólo passivo das ações executórias contra suas empresas, a não ser nos casos de comprovada atuação irregular na gerência das sociedades. Por óbvio que demandar imediatamente contra a pessoa dos sócios importaria em descaracterizar a personalidade jurídica da empresa devedora. Tal desconsideração é possível, nos casos já mencionados, entretanto o instituto deve ser utilizado com cautela, uma vez que a limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios é regra basilar do direito empresarial e deve ser resguardada como axioma precípuo da proteção e segurança jurídica daqueles que optam por adentrar no intricado ramo empresarial e crêem na proteção patrimonial garantida pela legislação.

Ademais, como pode ser visto na execução em apenso, a penhora recaiu de imediato sobre um bem de propriedade exclusiva do espólio do sócio-gerente, sem que a repartição fazendária sequer buscasse bens da empresa (real contribuinte).

Insta salientar que a responsabilização do sócio foi tida como solidária, quando a Fazenda Pública exeqüente não diferenciou os bens particulares dos bens da empresa, erigindo o sócio à qualidade de co-devedor, ao arrepio das disposições legais específicas.

Em sede recursal o Estado apelante argumentou que o caso trata de substituição tributária em que o sócio gerente poderia ser demandado em execução fiscal, sob a égide do inciso III do art. 4º da Lei de Execução Fiscal.

Em momento algum, está descartada a possibilidade de constrição patrimonial dos sócios, mesmo em função da substituição tributária. Ao contrário, a base legal aventada pela recorrente ressalta expressamente que a execução fiscal poderá ser movida em face dos representantes da sociedade. No entanto, esta não é a regra geral, e, para que os sócios respondam solidariamente pelas dívidas fiscais da sociedade, é preciso que restem configurada as hipóteses de excesso ou infração a lei, estatuto ou contrato societário.

Com clareza, a doutrina de Aliomar Baleeiro assevera sobre a substituição tributária:

"No art. 135, há outra hipótese de vinculação do terceiro, que representa o contribuinte ou lhe serve de instrumento jurídico - a atuação com excesso de poderes ou a infração de lei, cláusulas de contratos ou estatutos. Nesses casos, além das categorias de pessoas arroladas no art. 134, passam a ser plenamente os responsáveis pelos créditos tributários - e não apenas solidárias estritamente em caso de impossibilidade de cumprimento por parte do contribuinte -, ficam na mesma situação os mandatários, prepostos e empregados, assim como os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de Direito Privado, em geral. O caso, diferentemente do anterior, não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser os responsáveis ao invés de contribuintes. O art. 135 não ressalva as penalidades de caráter não moratório nem limita sua eficácia apenas à obrigação principal, como aconteceu no art. 134. A contrario sensu, abrange - parece-nos - quaisquer penalidades e obrigações acessórias" (in Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 491-492).

Com efeito, a substituição tributária caracteriza a responsabilização dos substitutos legais em lugar do real contribuinte. E é mesmo o caso previsto no art. 135 do CTN. Ocorre que, para que haja tal substituição, é imprescindível que o caso se subsuma às hipóteses descritas nesse dispositivo.

Lado outro, e apenas para esclarecer, o art. 134, que também trata da responsabilização dos sócios, imprime a possibilidade de busca dos sócios quando não for possível o adimplemento da obrigação com recursos exclusivos do patrimônio societário (responsabilização subsidiária dos sócios). Mesmo que não argumentado no recurso - e em virtude de o caso ter sido tratado como se responsabilidade solidária fosse - a responsabilização subsidiária dos sócios demanda que haja prévia tentativa (infrutífera) de penhora de bens da empresa, para que, a partir daí, possa haver constrição do patrimônio particular dos agentes. Ratifico que nada disso ocorreu no caso concreto, quando a penhora recaiu, de imediato, sobre os bens do espólio do sócio-gerente.

Não vejo motivo para que seja modificada a sentença quanto à questão acima tratada.

Das custas.

Isenção da Fazenda nas custas.

A isenção do Estado e autarquia está prevista na Lei Estadual nº 12.427, de 27.12.1996, nas causas processadas perante a Justiça do Estado de Minas Gerais. Existindo, nos autos, hipótese de reembolso de custas, adiantadas pela parte autora, deve ser reconhecida a isenção.

A Lei nº 14.939, de 29.12.2003, que revogou a Lei nº 12.427, de 27.12.1996, dispôs, de forma semelhante, no sentido também de que a isenção estabelecida no art. 10 para as pessoas de direito público ali referidas se aplica apenas às custas iniciais. Quanto às custas processuais finais, existe confusão entre quem deve pagar e quem vai receber; portanto, deve o ente público ser condenado ao final nas custas processuais, se vencido na ação, conforme dispõe o art. 12, § 3º, do mesmo diploma legal, para reembolsar as despesas adiantadas pelos autores.

No presente caso, houve adiantamento de custas pelo embargante e, sendo providos os embargos, cabe ao Estado o seu ressarcimento.

Assim, no tocante à condenação do embargado nas custas, há de ser modificada a sentença, apenas para esclarecer que apenas as custas adiantadas pelo embargante serão ressarcidas.

Sendo assim, dou parcial provimento ao apelo, apenas para esse fim.

Custas recursais, ex lege.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Armando Freire e Eduardo Andrade.

Súmula - DERAM PROVIMENTO PARCIAL.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 30/07/2008

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