Dissolução de sociedade de fato - Estabelecimento de patrimônio comum - Partilha

Número do processo: 1.0024.00.089940-1/001(1)
Relator: GOUVÊA RIOS
Relator do Acórdão: GOUVÊA RIOS
Data do acórdão: 16/11/2004
Data da publicação: 03/12/2004

Inteiro Teor:

EMENTA: AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO - ESTABELECIMENTO DE PATRIMÔNIO COMUM - PARTILHA. Os bens formadores do patrimônio, advindos de aquisição por ambos os conviventes, são considerados frutos do trabalho e da colaboração comum, pertencendo a ambos em condomínio e em partes iguais. O simples reconhecimento da união contínua, publica e duradoura gera a presunção de que os bens são frutos do trabalho comum e pertencentes a ambos. "A teor do art. 5º da Lei n. 9.278/96, os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais".

APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0024.00.089940-1/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): GERALDO DE ARAÚJO LIMA - APELADO(A)(S): MARLENE PEREIRA DE SOUZA - RELATOR: EXMO. SR. DES. GOUVÊA RIOS

ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 16 de novembro de 2004.
DES. GOUVÊA RIOS - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. GOUVÊA RIOS: VOTO - Trata-se de APELAÇÃO aviada por GERALDO DE ARAÚJO LIMA visando à reforma da r. sentença de fls. 131/139, proferida pela MMª. Juíza da 8ª Vara de Família desta Capital, nos autos da AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO movida pelo ora apelante contra MARLENE PEREIRA DE SOUZA.
Nas razões de fls. 144/146, a insurgência do apelante é quanto à partilha de um dos imóveis. Pretende a reforma da r. sentença ao fundamento de que a d. julgadora não analisou bem a prova dos autos e a decisão, tal como proferida, não lhe fez justiça. Afirma que a d. sentenciante levou em conta apenas a prova testemunhal produzida pela apelada, desprezando o depoimento das testemunhas por ele arroladas. Alega que restou demonstrado nos autos que o imóvel da R. Eduardo Leite Bacuri foi adquirido pela atual companheira do recorrente, sem qualquer concurso da apelada. Pretende seja referido imóvel excluído da partilha eis que ele, efetivamente, não pertence ao apelante.
As contra-razões se encontram a fls. 148/150 e estão em evidente infirmação.
A manifestação da d. Procuradoria Geral DE Justiça a fls. 160/166 opinou pelo improvimento do recurso.
Presentes os pressupostos para sua admissibilidade conheço do recurso, ausente o preparo ante a gratuidade judiciária concedida a fls. 02.
Registre-se de início que a única questão contra a qual se insurge o apelante é aquela relativa à determinação de partilha do imóvel situado na Rua Eduardo Leite Bacuri, 143, Bairro Novo das Indústrias, nesta Capital, alegando que aquele bem na realidade não lhe pertence, não foi adquirido na constância da convivência do casal e não houve qualquer contribuição da apelada na sua aquisição, até porque, conforme restou demonstrado pelo documento de fls. 40, sua aquisição se fez pela atual companheira do recorrente e, portanto, não tem a apelada direito à meação.
"Suma venia", não é o que se infere dos autos e a alegação trazida pelo apelante de que a d. sentenciante apenas considerou a prova produzida pela apelada não procede.
O próprio recorrente afirma que conviveu com a apelada durante quatorze anos, de 1984 até 1998 (fls. 02), isso restou incontroverso nos autos, tanto que foi o próprio recorrente quem postulou a dissolução da sociedade e não se rebelou contra a partilha do outro imóvel nem quanto à guarda dos filhos na forma determinada na r. sentença.
Entretanto, quanto ao imóvel em questão, ou seja, aquele situado na R. Eduardo Leite Bacuri, 143, Bairro Novo das Indústrias, afirma que fora ele adquirido pela sua atual companheira, e para comprovar tal alegação, juntou o documento de fls. 40, consistente num recibo no qual figura como compradora a Sra. Varleia Rodrigues de Paula e vendedor o Sr. Geraldo Carlos Ferreira dos Santos, datado de 14/03/1997, que esclarece:
"... a importância supra de R$ 500,00 (quinhentos reais) em moeda corrente, referente à venda que ora lhe faço da posse do imóvel sito: área de aproximadamente 3200 m2, nela edificada um barraco, com todas as benfeitorias nela existente, com frente para a rua Eduardo Leite Bacuri, n. 143, no bairro Novo das Indústrias, Belo Horizonte - MG".
O próprio vendedor, Sr. Geraldo Carlos Ferreira dos Santos, veio a juízo e testemunhou sob compromisso a fls. 88, afirmando naquela oportunidade:
"... que conhece o Sr. Geraldo há muitos anos; que já foi vizinho do Sr. Geraldo.... que passou um recibo do imóvel um ano depois da dação em pagamento... que Varleia ficou satisfeita com o negócio efetuado; que quando Varleia deixou o trabalho ainda ficou devendo a ela, a todavia, ao passar o imóvel para ela a mesma deu quitação do débito... que quando fez negócio com Varleia o imóvel não tinha benfeitorias; que não sabe informar se Varleia construiu no imóvel"(destaquei).
Verificam-se contradições entre o afirmado pelo então depoente e o contexto do recibo por ele firmado, eis que no documento de fls. 40 se afirma que recebeu ele o valor de R$ 500,00 em moeda corrente e ali não existe qualquer referência a dação em pagamento, ou quitação de débito. Além do mais, afirma a existência de barracão e benfeitorias, o que em seu depoimento não se confirmou.
Outro fato relevante a ser considerado é que, embora o recibo esteja datado de 14/03/1997, o reconhecimento das firmas, conforme certificado pelo Tabelionato somente ocorreu em 11/10/2000, mais de dois meses após protocolada a reconvenção de fls. 27/32, ocorrida em 18/09/2000, o que nos leva a crer que procede a firmação da recorrida de que tal documento foi fabricado para afastar da partilha o referido imóvel - fls. 46.
Lado outro, restou cabalmente demonstrado, durante o curso da instrução, que os litigantes conjugaram esforços na formação do patrimônio comum, tendo a ré/apelada efetivamente contribuído para a aquisição do imóvel em questão.
Isso restou demonstrado pelo depoimento da doméstica Janete de Oliveira, fls. 93:
"... que conhece o imóvel situado na Rua Eduardo Leite Bacuri; que este imóvel é de propriedade de Geraldo e foi adquirido há 05 anos atrás; que sabe ser este imóvel de propriedade de Geraldo por ser vizinha do Geraldo e de Marlene; que ao seu conhecimento o imóvel em questão é do Geraldo; que o imóvel foi adquirido quando Geraldo ainda vivia com Marlene; que quando este imóvel foi adquirido não existia nenhuma benfeitoria; que hoje já existe uma edificação... que Varleia não ocupou a área antes de Geraldo; que a 1ª casa foi construída pelo irmão de Geraldo, Sr. Édson... que sabe informar que Geraldo adquiriu o imóvel em questão há 04 anos e que somente o Sr. Geraldo casou-se com Varleia há um ano...".
Corroborando esse depoimento, Ana Rosa Gonçalves Gomes esclareceu a fls. 92:
"que conhece a Sra. Marlene e o Sr. Geraldo há 16 anos; que conhece o imóvel situado na Rua Eduardo Leite Bacuri; que tem conhecimento que Geraldo e Marlene iniciaram a construção da benfeitoria neste imóvel, enquanto eles estavam juntos... que nunca ouviu falar que a área em questão pertencesse a Varleia... que Marlene e Geraldo são padrinhos do filho da depoente".
Assim, pelo que se depreende da prova trazida pelas partes e pelo mais que dos autos consta, efetivamente o imóvel, ou melhor dizendo a posse do imóvel, cuja exclusão é pretendida pelo recorrente, foi adquirida na constância da união dos litigantes pelo que deve ser ele também partilhado, conforme determinação legal.
Dispõe o art. 5º da Lei n. 9.278/96, verbis:
"Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso são considerados frutos do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito". (destaquei)
Claro, portanto, que as partes estão amparadas por expressa previsão legal que estabelece a presunção de que os bens adquiridos na constância da união são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, com o que pertencerão a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária por meio de contrato escrito, no caso inexistente.
A questão é inclusive sumulada, como se vê do verbete n. 380, do Supremo Tribunal Federal:
"Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".
Confira-se deste e. Tribunal:
"Reconhecimento e Dissolução de sociedade de fato - Partilha - Prova. Existindo, nos autos, robusta comprovação acerca da ocorrência da união estável entre as partes e de que a autora efetivamente contribuiu para a formação do patrimônio do casal, viável se torna a procedência do pleito de reconhecimento e dissolução da sociedade de fato, bem como de partilha dos bens ainda pertencentes às partes, e a fixação de alimentos em favor dos filhos". (Ap. 1.000.270.642-2/001, Terceira Câmara Cível, Rel. Des. Lucas Sávio V. Gomes, j. unân. em 19/09/2002 - in "Site TJMG")
Ainda:
"A teor do art. 5º da Lei n. 9.278/96, os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais". (Ap. 1.000.242.995-9/001, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Bady Curi, j. unân. em 17/10/2002 - Idem).
Nesse contexto, portanto, tem a apelada direito à meação, comprovado ter o imóvel em discussão sido adquirido durante o período da união de fato e com o esforço comum do casal.
Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO, mantida irretocada a r. sentença monocrática por seus próprios fundamentos.
Custas recursais pelo apelante que, amparado pela gratuidade judiciária, se submete aos ditames do art. 12 da Lei 1.060/50.

A SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE: VOTO - De acordo.

O SR. DES. HUGO BENGTSSON: VOTO - De acordo.

SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO. 


Fonte: Site do TJMG - 18/02/2005