Jurisprudência Cível - Aeronave não utilizada como instrumento de trabalho pode ser penhorada


EMBARGOS À ARREMATAÇÃO - AVALIAÇÃO DO BEM - INPUGNAÇÃO - PRECLUSÃO - EMBARGOS DO DEVEDOR - EXCESSO DE EXECUÇÃO - COISA JULGADA - PENHORA - AERONAVE - FONTE DE RENDA - EXTINÇÃO DO PROCESSO

Ementa: Embargos à arrematação. Ausência dos requisitos. Impugnação da avaliação do bem leiloado. Preclusão. Excesso de execução. Ausência de impugnação específica. Penhorabilidade de aeronave. Possibilidade.

- Nos embargos à arrematação, é incabível a discussão acerca do valor real do bem, a qual já se encontra preclusa, visto que a impugnação ao laudo de avaliação deveria ter sido feita à época em que o embargante dele teve ciência.

- Igualmente não é matéria apta a ser discutida em sede de embargos à arrematação a alegação de excesso de execução, já decidida anteriormente nos embargos opostos por ocasião da penhora, sobre ela recaindo a coisa julgada.

- O simples fato de constituir a aeronave uma fonte de renda para o executado não possui o condão de conferir-lhe o atributo da impenhorabilidade, a que se refere o art. 649, VI, do CPC, cujo escopo é preservar apenas os instrumentos indispensáveis ao exercício de qualquer profissão.

Apelação Cível nº 1.0024.03.164240-8/001 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Lucas Pereira

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.0024.03.164240-8/001, da Comarca de Belo Horizonte, sendo apelante Adhemar Gonçalves Moreira Neto, apelados Sancla Empreendimentos, Incorporações e Construções Ltda. e outro e interessado Luiz Carlos Moreira Jabour, acorda, em Turma, a Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negar provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento o Desembargador Eduardo Mariné da Cunha (Revisor), e dele participaram os Desembargadores Lucas Pereira (Relator) e Irmar Ferreira Campos (Vogal).

O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 20 de outubro de 2005. - Lucas Pereira - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. LUCAS PEREIRA - Trata-se de apelação contra sentença do MM. Juiz da 20ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que julgou extinto, sem julgamento do mérito, os embargos à arrematação, relativamente ao pedido de irregularidade da avaliação e excesso de execução e improcedente no que tange ao pedido de nulidade da penhora.

Noticia a exordial (f. 2/12) que a aeronave, objeto do leilão, é absolutamente impenhorável, visto que consiste na única fonte de renda do embargante, que a arrendou a uma empresa de táxi-aéreo, conforme contrato que acostou aos autos. Requer, portanto, a decretação da nulidade da penhora, com fulcro no art. 649, VI, do CPC.

Assevera, outrossim, que o laudo de avaliação da aeronave é imprestável, uma vez que apenas uma fonte foi consultada, e, como comprovam os documentos acostados à inicial, o valor de mercado do bem é três vezes maior do que o da avaliação.

Alega, ainda, excesso de execução, visto que a dívida inicial de R$ 22.459,00 atingiu a soma astronômica de R$ 106.300,77.

Impugnação, às f. 62/69, em que o primeiro embargado alega que os embargos são incabíveis e meramente protelatórios, porquanto ausentes, no caso, as hipóteses previstas no art. 746 do CPC.

Aduz que o imóvel não se insere na vedação contida no art. 649, VI, do CPC e que está inteiramente preclusa a questão da validade do laudo de avaliação, que não foi impugnado em momento oportuno.

Impugna a alegação de excesso de execução, asseverando que é curial que o exeqüente seja ressarcido de todas as despesas com a guarda do avião em um hangar (uma vez que é depositário do bem), além da correção monetária e da incidência de juros.

O segundo embargado manifestou-se às f. 97/106.

Às f. 111/115, o MM. Juiz julgou cabíveis os embargos à arrematação apenas no que tange à questão da impenhorabilidade do bem, alegação essa que foi por ele rejeitada, ao argumento de não vir a ser a aeronave, in casu, um bem essencial ao desenvolvimento da atividade laborativa do embargante.

Apelação, às f. 124/131, na qual foram repetidos os argumentos deduzidos na exordial.

Contra-razões, às f. 142/147 e 151/164, em infirmação óbvia.

O recurso é próprio, tempestivo e está regularmente preparado.

A meu sentir, o douto Juiz a quo deu o correto desate à lide.

De fato, os embargos são meramente protelatórios e versam sobre questões já transitadas em julgado ou sobre as quais já ocorreu a preclusão.

Os embargos não são cabíveis no que tange à avaliação da aeronave objeto da arrematação.

Em embargos à arrematação, é lícito ao devedor alegar tão-somente as matérias dispostas no art. 746 do CPC, verbis:

"Art. 746. É licito ao devedor oferecer embargos à arrematação ou à adjudicação, fundados em nulidade da execução, pagamento, novação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à penhora".

A discussão acerca do valor real do bem é incabível, porque já se encontra preclusa. A impugnação ao laudo de avaliação deveria ter sido feita à época em que o embargante dele teve ciência.

Sobre o princípio da preclusão, discorre o il. processualista Humberto Theodoro Júnior:

"Pelo princípio da eventualidade ou da preclusão, cada faculdade processual deve ser exercitada dentro da fase adequada, sob pena de se perder a oportunidade de praticar o ato respectivo.

Assim, a preclusão consiste na perda da faculdade de praticar um ato processual, quer porque já foi exercitada a faculdade processual, no momento adequado, quer porque a parte deixou escoar a fase processual própria, sem fazer uso de seu direito" (Curso de Direito Civil, 20. ed., Rio de Janeiro: Forense, v.1, p. 32).

Configura evidente má-fé do embargante deixar transcorrer, in albis, a referida alegação para, somente após a arrematação, suscitar tal questão.

Lado outro, ainda que se considerasse oportuna a referida alegação, a jurisprudência também entende que o fato de o bem ser arrematado por valor inferior ao de mercado não enseja a nulidade da arrematação, visto que a proibição legal se refere apenas ao preço vil. Nesse sentido é o julgado que ora se transcreve:

"Apelação cível. Execução. Embargos à arrematação. Preço vil. Lanço único em segunda praça. Valor razoável oferecido.

- Em segundo leilão, não há qualquer exigência limitativa nos lances, podendo a arrematação fazer-se a quem mais der.

- Não se pode confundir preço abaixo do mercado com preço vil. O devedor sujeita-se aos efeitos da execução, entre os quais o de serem vendidos seus bens abaixo dos valores de mercado, mesmo porque, se assim não fosse, dificilmente lograria o credor levar à frente a execução.

- O que a lei veda na execução é a desproporção entre o valor da coisa e o lanço" (TAMG, 6ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 364.120-7, Rel. Juiz Belizário de Lacerda, decisão unânime, j. em 04.02.03).

Ademais, salvo as exceções previstas no art. 683 do CPC, é vedada a reavaliação de bem penhorado, apenas por simples discordância quanto ao valor estimado, sem apoio em qualquer fundamento relevante. É o que se costuma denominar "princípio da irrepetibilidade da avaliação".

Acerca do tema, discorre Amílcar de Castro:

"É muito velha em nosso direito a regra de que a avaliação não se repete, senão por motivo relevante, e taxativamente expresso em lei: se se provar erro, ou dolo dos avaliadores. A economia e a rapidez que informam o processo das execuções não permitem que repetidas avaliações sejam feitas à vontade das partes, porque levam tempo e dinheiro. Nesse sentido, é excelente a lição de Fraga: é regra assente em direito que a avaliação dos bens que têm de ser arrematados, mesmo quando divergentes sejam os laudos, não se repete, princípio esse salutar, porque, além de obstar o acréscimo de despesas a cargo do executado, tranca a porta à chicana, impedindo que, por meio de louvações e avaliações sucessivas, se protele indefinidamente a execução da sentença. Como se vê, as razões da disposição contida no art. 683 são estas de rapidez e economia" (Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, v. 8, p. 28).

Igualmente não é matéria apta a ser discutida em sede de embargos à arrematação a alegação de excesso de execução, já decidida anteriormente nos embargos opostos por ocasião da penhora, onde, inclusive, foi diminuída a multa exigida do executado.

Ademais, tal questão foi suscitada de forma genérica, não tendo o embargante impugnado de forma específica o suposto excesso.

Já a alegação de impenhorabilidade do avião pode ser suscitada em sede de embargos. Entretanto, não merece acolhida.

O avião não era utilizado como instrumento de trabalho do apelante, mas sim como uma fonte de renda.

Ora, se todas os bens móveis ou imóveis que constituem fonte de renda para os executados fossem considerados impenhoráveis, porque são necessários à sua subsistência, o credor não teria meios de atingir o patrimônio do devedor.

O executado não é um aviador profissional, e o avião não representa uma ferramenta para o exercício do seu labor, consistindo unicamente em uma fonte de renda, o que evidentemente não se insere na previsão contida no art. 649, VI, do CPC, cujo escopo é preservar apenas os instrumentos indispensáveis ao exercício de qualquer profissão.

Com tais razões de decidir, nego provimento à apelação.

Custas, pelo apelante.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 11/08//2006

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