Juriprudência Cível - Testamento Público

TESTAMENTO PÚBLICO - MINUTA - REDAÇÃO POR ADVOGADO - REPRODUÇÃO FIEL DA VONTADE DO TESTADOR - VALIDADE - LEITURA PELO TESTADOR - DISPENSABILIDADE - TESTEMUNHAS - AUSÊNCIA POR ALGUNS INSTANTES DO LOCAL ONDE ESTAVA SENDO LAVRADO O TESTAMENTO - NULIDADE - INEXISTÊNCIA 
- As declarações de última vontade podem ser ditadas pelo testador ou podem ser entregues ao oficial público através de minuta redigida por um advogado, sendo que a doutrina e a jurisprudência consideram dispensável a leitura da minuta pelo testador, mostrando-se relevante para a validade do testamento a reprodução fiel da vontade do testador. 
- O rigor formal da lei não pode prevalecer em detrimento da vontade manifestada pelo testador. Assim, o fato de algumas testemunhas se retirarem por alguns instantes do local onde estava sendo lavrado o testamento público não tem o condão de macular a declaração de última vontade do testador. 
Apelação Cível nº 265.400-2/00 - Comarca de Nova Resende - Relator: Des. Eduardo Andrade
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminar e negar provimento.
Belo Horizonte, 27 de agosto de 2002. - Eduardo Andrade - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O Sr. Des. Eduardo Andrade - Trata-se de ação declaratória ajuizada por Maria Aparecida Silva Martins e seu marido Márcio Inácio Martins em face de José Augusto da Silva, sua esposa Terezinha Corrêa Silva, Maria Helena da Silva Santos e seu marido Abel Gabriel dos Santos, objetivando a declaração de nulidade ou anulabilidade do testamento público deixado pela falecida Geralda Maria da Silva.
Adoto o relatório da sentença de origem, acrescentando-lhe que o pedido de declaração de nulidade do testamento público deixado por Geralda Maria da Silva, por descumprimento de formalidades essenciais ao ato, e o pedido de anulação do mesmo testamento por vício de consentimento foram julgados improcedentes (fls. 170/187).
Inconformados, os apelantes interpuseram o presente recurso, requerendo, preliminarmente, a nulidade da sentença, por encontrar-se dissociada do princípio processual do livre convencimento do juiz, tendo em vista que a Juíza sentenciante apenas copiou o parecer ministerial.
No mérito, pretende a reforma do decisum, sob as seguintes alegações: que o testamento não é fruto da declaração da falecida perante as cinco testemunhas que subscreveram o ato de disposição de última vontade; que as testemunhas não assistiram a todos os atos; que o testamento não foi lido pela tabeliã na presença das testemunhas; que não se pode considerar a fé pública da tabeliã; e que o advogado dos apelados redigiu a minuta do testamento em data anterior (fls. 191/202).
Regularmente intimados, os apelados apresentaram contra-razões, pugnando pelo desprovimento do recurso (fls. 206/207).
Remetidos os autos à d. Procuradoria-Geral de Justiça, o ilustre representante do Ministério Público, Dr. Oliveira Salgado de Paiva, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 216/218).
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Preliminar - Nulidade da sentença.
Os apelantes argúem, em preliminar, a nulidade da sentença, por encontrar-se dissociada do princípio processual do livre convencimento do juiz, tendo em vista que a Juíza sentenciante apenas copiou o parecer ministerial.
Ocorre que a reprodução pela Juíza dos argumentos do douto parecer ministerial de fls. 151/168 não tem o condão de anular a sentença, posto que nela estão presentes os requisitos exigidos pelo artigo 458 do CPC, quais sejam: o relatório, os fundamentos e o dispositivo.
Rejeito a preliminar argüida.
Mérito.
Infere-se dos autos que Geralda Maria da Silva deixou testamento público, determinando que a metade das suas propriedades, havidas por meação do espólio de Ramiro Corrêa da Silva, venham a pertencer a seus filhos José Augusto da Silva e Maria Helena da Silva Santos, ora apelados (fls. 60/60-v.).
No processo de inventário de Geralda Maria da Silva, a Juíza de primeiro grau determinou o registro, o arquivamento e o cumprimento do testamento público (fl. 63).
Inconformados, os demais filhos e herdeiros da falecida, que não foram beneficiados com o testamento, ajuizaram a presente ação, com o objetivo de anular o testamento público, sob a alegação de que não foram obedecidas as formalidades essenciais à sua validade.
Dispõe o artigo 1.632 do Código Civil que:
"São requisitos essenciais do testamento público:
- I - que seja escrito por oficial público em seu livro de notas, de acordo com o ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas;
- II - que as testemunhas assistam a todo o ato;
- III - que, depois de escrito, seja lido pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
- IV - que, em seguida à leitura, seja o ato assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial".
Veja-se, portanto, que há exigência legal no sentido de que o testamento deve ser escrito pelo oficial público no livro de notas de acordo com o ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas.
No caso sub examine, o testamento público foi escrito pela tabeliã do cartório, através de uma minuta que lhe foi entregue pela própria testadora e lida em voz alta, sendo que a testadora confirmou a sua vontade e ainda explicou os motivos pelos quais estava procedendo daquela forma.
O depoimento testemunhal da tabeliã Arcelina Maria dos Santos Bucci é claro nesse sentido:
"que a testadora procurou o advogado militante nesta Comarca, com o objetivo de fazer um testamento; que o referido advogado atendendo às vontades da testadora elaborou uma minuta do testamento que viria a ser lavrado; que o próprio advogado contactou a declarante, via telefone, para agendar data e horário para a lavratura do testamento; que no horário marcado a testadora chegou ao Cartório, onde a declarante trabalhava, de posse da minuta elaborada pelo advogado; ... que neste ato a testadora entregou à declarante a minuta elaborada pelo advogado; que a declarante leu em voz alta a minuta na presença da testadora e de uma outra pessoa que a acompanhava, da qual a declarante não se recorda o nome; que a declarante após ter lido a minuta, apresentada pela testadora, e redigida pelo advogado, indagou à testadora se realmente aquelas eram as suas vontades; que neste ato a testadora afirmou que sim, que gostaria que seu testamento fosse redigido e lavrado daquela forma...; que mesmo sem a declarante perguntar à testadora que motivos a levaram a fazer o testamento, esta lhe informou que queria fazer porque ela (testadora) e seu genro de nome Márcio não combinavam, tinham algumas diferenças..." (fl. 133).
Ressalte-se que as declarações de última vontade podem ser ditadas pelo testador ou podem ser entregues ao oficial público através de minuta redigida por um advogado, sendo que a doutrina e a jurisprudência consideram dispensável a leitura da minuta pelo testador, mostrando-se relevante para a validade do testamento tão-somente a reprodução fiel da vontade do testador.
Sobre o tema ensina Orlando Gomes:
"As declarações do testador podem ser ditadas, nenhuma proibição havendo quanto ao uso de minuta ou apontamentos. Na prática, a leitura é dispensada, limitando-se o tabelião a copiar a minuta entregue pelo testador, geralmente esboçada por profissional. Importa que as declarações se façam na língua nacional, não se permitindo a tradução por intérpretes. Alterações que não sacrifiquem o pensamento do testador, introduzidas pelo oficial para torná-lo tecnicamente correto, admitem-se, sendo preferível, no entanto, reproduza fielmente as declarações" (Sucessões, 1ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1970, p. 131).
Por outro lado, a tabeliã informou que "o testamento em questão foi redigido na presença da testadora; que durante o tempo em que o testamento estava sendo redigido algumas testemunhas tiveram que sair, mas voltaram a tempo da leitura do testamento..." (fl. 133).
Ora, com a devida vênia, o rigor formal da lei não pode prevalecer em detrimento da vontade manifestada pelo testador. Assim, o fato de algumas testemunhas terem-se retirado por alguns instantes do local onde estava sendo lavrado o testamento público não tem o condão de macular a declaração de última vontade do testador.
Nesse sentido é o entendimento de Silva Pacheco, que inclusive foi citado pelo ilustre Promotor de Justiça à fl. 162:
"'Não há falar em nulidade do ato simplesmente porque se registraram rápidas ausências, quando da feitura material do testamento, ora de uma, ora de outra testemunha, desde que todas elas ouviram as declarações do testador, certificando-se, depois, presentes também à leitura do auto, de que fielmente foi respeitada a vontade manifestada.' (obra citada, p. 304)".
A jurisprudência também é copiosa nesse sentido:
"Civil. Sucessão. Testamento. Formalidades. Extensão. - O testamento é um ato solene que deve submeter-se a numerosas formalidades que não podem ser descuradas ou postergadas, sob pena de nulidade. Mas todas essas formalidades não podem ser consagradas de modo exacerbado, pois a sua exigibilidade deve ser acentuada ou minorada em razão da preservação dos dois valores a que elas se destinam - razão mesma de ser do testamento -, na seguinte ordem de importância: o primeiro, para assegurar a vontade do testador, que já não poderá mais, após o seu falecimento, por óbvio, confirmar a sua vontade ou corrigir distorções, nem explicitar o seu querer que possa ter sido expresso de forma obscura ou confusa; o segundo, para proteger o direito dos herdeiros do testador, sobretudo dos seus filhos. Recurso não conhecido". (STJ, 4ª Turma, REsp nº 302.767-PR, Rel. Min. César Asfor Rocha, julg. em 05.06.01, in DJU de 24.09.01, p. 00313.)
Por outro lado, alegam os apelantes "a quase certa existência do vício anulável de simulação" (fl. 06). Todavia, nenhuma prova existe nos autos acerca da alegada simulação.
Fato é que a falecida Geralda Maria da Silva, que à época da lavratura do testamento público se encontrava com 84 anos e em perfeito estado de lucidez, manifestou espontaneamente a sua vontade no sentido de que metade da sua legítima pertencesse aos seus filhos José Augusto da Silva e Maria Helena da Silva Santos, ora apelados.
Dessa forma, atendidos os requisitos legais para o testamento público e ausente a hipótese de simulação, a declaração de última vontade externada pela testadora deve prevalecer.
Com essas considerações, nego provimento ao recurso.
O Sr. Des. Geraldo Augusto - De acordo.
O Sr. Des. Orlando Carvalho - De acordo.
Súmula - REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 05/12/2002