Aposentadoria compulsória - Oficial de cartório - Inaplicabilidade

Decisão. Trata-se de recurso ordinário interposto por R.G.P. fundado na alínea "b", inciso II, do artigo 105 da Constituição Federal, contra v. acórdão do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, denegatório de mandado de segurança, assim ementado:

"Oficial de registro de imóveis. Afastamento. Ato do diretor do foro da comarca de Manhuaçu. Competência. Sendo atribuição do Poder Judiciário fiscalizar a regularidade da prática dos atos dos notários e registradores, tem o diretor do Foro da comarca, competência para declarar o afastamento de funcionário público latu sensu, cuja delegação se extinguiu por implemento de idade. Aposentadoria compulsória. Titular de cartório de registro de imóveis. Possibilidade. Sendo ocupante de cargo público criado por Iei, submetido à permanente fiscalização do Estado e diretamente remunerado à cota de receita pública (custas e emolumentos fixados por lei), e agora, provido por concurso público - está o serventuário sujeito à aposentadoria compulsória por implemento de idade (artigos 40, II e 236 e seus parágrafos da Carta de 1988) - Segurança denegada, cassada a liminar."

Foram opostos embargos de declaração, que restaram rejeitados às fls. 428/430.

O recorrente repisa toda a tese lançada na exordial, sustentando que tem direito líquido e certo de retornar às atividades cartorárias anteriormente exercidas, das quais restou afastado. Aduz que os titulares de cartório sujeitam-se a regime jurídico de caráter privado, razão pela qual não lhes é aplicável a aposentadoria compulsória aos 70 (setenta) anos de idade.

Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo desprovimento do recurso.

Decido: O Superior Tribunal de Justiça possuía jurisprudência uniforme no sentido de que seria aplicável a aposentadoria compulsória aos (setenta) anos de idade aos Titulares de cartório, nos termos do artigo 40, § 1º, II da Constituição Federal. Ilustrativamente:

"Administrativo. Notários e registradores. Aposentadoria compulsória.

Os notários e registradores, embora exerçam atividade em caráter privado, o fazem por delegação do Poder Público praticando atos de natureza pública. Aplica-se a eles, portanto, a regra relativa à aposentadoria compulsória. Entendimento mantido pelo Pretório Excelso, mesmo após o advento da Emenda Constitucional no 20/98 (ver RE n. 234.935/SP, relator ministro Celso de Mello, in DJ 9/8/1999; RE 254.065/SP, relator ministro Marco Aurélio, in DJ 7/12/1999; SS n. 1.823/PE, relator ministro Carlos Velloso, in DJ 6/9/2000).

Recurso desprovido." (ROMS 12.199-R5, relator ministro Felix Fischer, DJ de 18/3/2002).

Não obstante o entendimento acima consolidado, em recentes julgados, o Eg. Supremo Tribunal Federal – ao analisar a Emenda Constitucional n. 20/98, que alterou o artigo 40 da Constituição Federal – se manifestou no sentido de que a norma referente à aposentadoria compulsória pelo implemento de idade somente seria destinada aos servidores em sentido estrito, não estando abarcados neste preceito os Titulares de Cartório. Neste sentido:

"Em despacho relativo a pedido de concessão de medida cautelar, no MS n. 28.831, com sua habitual acuidade, assim enfocou a matéria destes autos, o ministro Celso de Mello:

A questão versada na presente causa mandamental reveste-se de expressiva significação jurídica, eis que - não obstante anterior jurisprudência, em sentido contrário, firmada na matéria pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 162/772-773, relator ministro Octávio Gallotti – RTJ 167/329-330, relator ministro Marco Aurélio – RE 234.935-SP, relator ministro Celso de Mello, vg.), sobreveio importante modificação introduzida pela EC n. 20/98, que representa, na perspectiva do tema ora em análise (pretendida inaplicabilidade, aos Oficiais Registradores e aos Notários Públicos, da cláusula pertinente à aposentadoria compulsória, por implemento de idade), o próprio fundamento em que se apóia a pretensão deduzida pelo impetrante.

Cabe destacar, neste ponto, ante a extrema idoneidade de seu autor, a autorizada lição de Walter Ceneviva ('Lei dos Notários e dos Registradores Comentada; p. 231/232, 3ª ed., 2000, Saraiva), para quem o delegado incumbido da atividade notarial ou de registro – precisamente por não se qualificar como servidor titular de cargo efetivo – acha-se excluído do regime jurídico-constitucional da aposentadoria compulsória por implemento de idade, notadamente em face das substanciais inovações resultantes da promulgação da EC n. 20/98.

Esse entendimento – fundado no que hoje dispõe a Carta Política, em texto que traduziria jus novum resultante da superveniente promulgação da EC n. 20/98 – encontra apoio no magistério de Décio Antônio Erpen (‘Da Responsabilidade Civil e do Limite de Idade para Aposentadoria Compulsória dos Notários e Registradores’, in ‘Revista de Direito Imobiliário' vol. 47/103-115), referindo-se, por igual, na valiosa lição de José Tarcízio de Almeida Melo (‘Reformas’, p.263 e 268/269, 2000, Del Rey), ilustre Professor de Direito Constitucional (PUC/MG) e eminente Desembargador do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que assim examinou o tema:

‘A Constituição Federal, em seu artigo 236, transformou os notários e registradores em agentes delegados do Poder Público, em caráter privado.

A lei 8.935, de 19 de novembro de 1994, regulamentou a matéria.

Em sua jurisprudência, o STF considerou notários e registradores como servidores públicos, lato sensu, e mandou aplicar-lhes o regime previdenciário e a aposentadoria, na forma da redação original do artigo 40 da Constituição.

Com a alteração do artigo 40 pela Emenda n. 20, a atuação do regime previdenciário daquele artigo foi restringida aos titulares de cargos de provimento efetivo, servidores públicos em sentido estrito. Com a Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a norma restritiva de direito teve o seu reduto diminuído, com destinação aos servidores, strictu senso, titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Tal superveniência constitucional consolidou o artigo 39 da lei 8.935/94 que, ao tratar da extinção da delegação e, particularmente, da aposentadoria do notário e do registrador contemplou a aposentadoria facultativa e excluiu a aposentadoria compulsória.

O § 1º, inciso II, do mencionado artigo, com a redação da Emenda n. 20, e berço constitucional da aposentadoria compulsória, menciona os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata o artigo, os quais, conforme o caput, são os servidores titulares de cargos efetivos.

Pode-se argumentar que antigos serventuários abrangidos pelo mesmo regime previdenciário, estariam equiparados aos titulares de cargos efetivos. Entretanto, a aposentadoria compulsória não se destinou mais a eles, uma vez que a norma restritiva referiu-se apenas aos que, encontrando-se naquele regime previdenciário, sejam titulares de cargos efetivos." (Medida Cautelar na Petição n. 2.890/SP, relatora ministra Ellen Gracie, DJ de 11/4/2003).

“(...) tendo a nova redação do artigo 40 da Constituição dada pela Emenda Constitucional n. 20/98 aludido apenas a servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações para aplicar a eles a aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade, é, sem dúvida, verossimilhante a alegação de que esse dispositivo não se aplica aos registradores por não serem titulares de qualquer cargo efetivo acima aludido." (Pet 2903 QO/SP, relator ministro Moreira Alves, DJ de 2/5/2003).

"Sabidamente a jurisprudência se firmara no sentido de sujeitar à aposentadoria compulsória por idade os tabeliães e oficiais de registro (cf. RE 178236, Pl, Gallotti, 7/3/96, RTJ 162/172; RE 189736, 1ª T., 26/3/96, Moreira, DJ 27/9/96; AgRRE 191030, 1ª T, Gallotti, DJ 27/3/98; RE 199801, 2ª T, M. Aurélio, RTJ 167/329).

A questão reagitou-se com a EC 20/98, que alterou o artigo 40 e §§ CF para limitar a aposentadoria segundo o regime previdenciário dos servidores públicos aos titulares de cargos públicos efetivos.

Essa alteração constitucional é que tem lastreado o juízo afirmativo da plausibilidade da resistência dos titulares de serventias à aposentadoria compulsória (v g., MS 23831, desp., Celso de Mello, DJ 1/2/2001; Pet 2890, 1ª T. Ellen Gracie, 18/3/03, DJ 11/4/03; Pet 2903, 1ª T. Moreira Alves).

Tem a mesma base a decisão sob referendo do em. ministro Maurício Corrêa:

“Evidencio, na espécie, a existência do requisito do periculum in mora, a autorizar a concessão parcial da medida liminar pleiteada, dado que a escolha das serventias pelos candidatos aprovados no concurso público pode gerar-lhes expectativa de direito de ser nomeados para esses cartórios, quando, conforme decisão proferida na ADI(MC) 2602, após a vigência da EC 20/98 os titulares dos cartórios não estariam sujeitos à aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade, matéria submetida a exame deste Tribunal no mandado de segurança objeto do RE 245075, distribuído ao Ministro Sepúlveda Pertence." (Pet 2915 QO/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 16/5/2003).

Secundando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, houve manifestação desta Corte alterando o entendimento anteriormente consolidado, consoante se verifica nos seguintes precedentes:

"Constitucional e administrativo. Recurso em mandado de segurança. Titular de cartório extrajudicial. Aposentadoria compulsória.

- Segundo recente decisão do colendo Supremo Tribunal Federal, inaplicável o artigo 40, II, da Constituição Federal, ao titular de cartório extrajudicial, por força da Emenda Constitucional n. 20/98. Recurso provido." (ROMS 15563/MG, relator ministro Felix Fischer, DJ de 7/6/2004).

"Recurso em mandado de segurança. Administrativo. Serviços notariais e de registro. Aposentadoria compulsória. Servidor público em sentido estrito. Emenda constitucional 20/98. Entendimento sedimentado pelo eg. STF.

Seguindo-se entendimento recentemente preconizado pelo eg. STF tem-se que os Oficiais de Registro e Notários não são servidores públicos em sentido estrito para que se sujeitem à aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade.

Precedentes. Recurso provido." (ROMS 16151/MG, relator ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 10/5/2004).

“Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Titular de cartório extrajudicial. Preliminar de nulidade do aresto, em razão de suspeição de magistrado julgador. Falta de interesse processual para agir. Preliminar de perda de objeto. 70 (setenta) anos. Compulsória. EC n. 20/98. Precedentes do colendo STF. Rejeição de ambas as preliminares. Procedimento administrativo. Perda da delegação. Inexistência de legislação punitiva à época dos fatos (1993). Retroatividade da lei 8.935/94. Impossibilidade. Recurso provido. Ordem concedida.

1 - Falta interesse processual para agir da litisconsorte passiva necessária suscitante desta preliminar, já que a participação no julgamento de Desembargador que se declarou suspeito, anotada no início do mesmo, quando da preliminar, somente a ela aproveitou não ao impetrante-recorrente, porquanto o seu voto foi no sentido de denegar a ordem, acompanhando o relator. Logo, os favorecidos foram o Estado, ora recorrido, bem como as litisconsortes passivas necessárias, também ora recorridas, inexistindo-Ihes qualquer prejuízo. Ademais, em razão dos Princípios da Instrumentalidade do Processo e da Economia Processual, não há como admitir a nulidade do v. arresto guerreado, novamente, em decorrência de uma alegada suspeição 'processualmente inútil", para que este writ seja julgado pela quarta vez, arrastando-se por mais anos. Tais delongas são desnecessárias. Preliminar de nulidade afastada.

2 - Apesar desta Relatoria, na esteira de uníssona jurisprudência desta Corte Superior, inúmeras vezes ter decidido no sentido de que os Oficiais de Registro e Notários são servidores públicos em sentido lato, sujeitando-se ao disposto no artigo 40, II, da Constituição Federal, que prevê a supracitada aposentadoria compulsória aos 70 (setenta) anos, diante de recentes julgados do Colendo Supremo Tribunal Federal, curvo-me ao novo posicionamento daquele Pretório para, em face da alteração do artigo 40 da Carta Magna pela Emenda Constitucional n. 20/98, entender que a norma referente à aposentadoria compulsória pelo implemento de idade destina-se, apenas, aos servidores em sentido estrito, ou seja, aos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluindo suas autarquias e funções (cf. entre outros, Questão de Ordem na PET no 2.903/SP, relator ministro Moreira Alves, DJU de 2/5/2000; Questão de Ordem na PET n. 2.915/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 16/5/2003 e Medida Cautelar na PET n. 2.890/SP, relatora ministra Ellen Gracie, DJU de 18/3/2003). Preliminar de perda de objeto da impetração, em razão do recorrente ter completado 70 (setenta) anos de idade em 8/1 do corrente ano, rejeitada.

3 - No mérito, inexistindo fundamento legal a ensejar a pena de perda da delegação em análise na época da suposta prática e da apuração dos fatos, deve-se anular o julgado que se embasou em norma posterior (Lei 8.935/94), já que é princípio basilar do Direito Administrativo que o indiciado em Procedimento Disciplinar seja, desde o início, cientificado de suas faltas, com expresso enquadramento legal, para, nos termos constitucionais, defender-se destes. Ademais, deve-se observar o princípio constitucional previsto no artigo 5º, XXXVI, da Magna Carta, acerca da irretroatividade da lei, já que os fatos pelos quais o recorrente foi acusado se passaram entre janeiro e julho de 1993, bem antes da vigência da lei 8.935, de 1994 (cf. STF, Tribunal Pleno, ADI n. 493/DF, relator ministro Moreira Alves).

4 - Preliminares rejeitadas e recurso conhecido e provido para, reformando in totum o v. acórdão de origem, conceder a ordem, nos termos em que pleiteada na inicial. Custas ex lege. Sem honorários, a teor das Súmulas 105/STJ e 512/STF." (ROMS 16752/RO, relator ministro Jorge Scartezzini, DJ de 8/3/2004).

Assim, ante o atual posicionamento desta Corte, a irresignação posta no presente recurso merece prosperar.

Ante o exposto, nos termos do artigo 557 § 1º - A do Código de Processo Civil, conheço do recurso e lhe dou provimento.

Brasília, 14/6/2004. Relator: Ministro Gilson Dipp (Recurso Ordinário em MS n. 16.069/MG, DJU 25/6/2004, p.326/327). 


Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB-ANOREG/SP n. 1.455 - 02/12/2004