Interdição - Parentesco por afinidade - Legitimidade ativa ad causam

 

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

INTERDIÇÃO - PARENTESCO POR AFINIDADE - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM


Ementa: Apelação cível. Ação de interdição. Parentesco por afinidade. Legitimidade ativa ad causam presente. Recurso provido.

- A legitimação para a causa decorre do envolvimento do sujeito do direito em conflito de interesses.

- A relação de parentesco não se restringe à consangüinidade, podendo ter origem civil, o que deve ser interpretado segundo o método teleológico.

- Tem legitimidade ativa ad causam para propositura da ação de interdição o parente próximo, ainda que por afinidade.

Apelação cível conhecida e provida.

Apelação Cível ndeg. 1.0342.05.061006-8/001 - Comarca de Ituiutaba - Apelante: Regina Helena Pizarro de Carvalho - Apelada: Odete da Silva Fonseca - Relator: Des. Caetano Levi Lopes

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento para anular a sentença para o devido processamento da ação.

Belo Horizonte, 5 de setembro de 2006. - Caetano Levi Lopes - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Proferiram sustentação oral, pela apelante, o Dr. Raimundo Cândido Júnior e, pela apelada, o Dr. Ricardo Rocha Viola.

DES. CAETANO LEVI LOPES - Sr. Presidente. Ouvi, com atenção, as duas excelentes sustentações orais, e, com relação à preliminar de nulidade do processo, apesar da veemência com que o tema foi exposto, na verdade, não foi apontado qual o prejuízo processual que advém disso, tanto que não tem prejuízo, que a sustentação oral foi excelente. Conforme se sabe pas de nulité sans grief.

Rejeito a preliminar.

DES. FRANCISCO FIGUEIREDO - De acordo.

DES. NILSON REIS - Sr. Presidente. Após ouvir as palavras dos ilustres advogados, acompanho o em. Relator para rejeitar a preliminar argüida da tribuna.

DES. CAETANO LEVI LOPES - Sr. Presidente. Com relação à segunda preliminar, que seria prevenção de competência, o que estamos decidindo, aqui, é se há ou não legitimidade ativa, e é claro que, se a decisão for por existir a legitimidade, em primeiro grau, a matéria há de ser deduzida e provada para que não estejamos, aqui, a suprimir um grau de jurisdição.

Por ora, rejeito a preliminar, mas relegando para apreciação em primeiro grau se há ou não prevenção, até porque há de se examinar as datas de distribuição de petições para saber qual juízo, realmente, está prevento.

Portanto, rejeito também, essa preliminar.

DES. FRANCISCO FIGUEIREDO - De acordo.

DES. NILSON REIS - De acordo.

DES. CAETANO LEVI LOPES - Conheço da apelação cível porque presentes os requisitos de admissibilidade.

A apelante aforou ação de interdição da apelada. Aduziu que é neta de José Vítor da Fonseca Sobrinho, falecido em 1º.11.99, e que foi casado em segundas núpcias com a recorrida, mas não geraram filhos. Acrescentou ser filha de Edy Pìzarro Fonseca Carvalho, gerada no primeiro casamento de José Victor, mas ela faleceu quando a apelante contava apenas doze anos de idade. Afirmou que, tendo sua genitora falecido, ela, recorrente, foi criada pelo avô e pela apelada, considerando-a inclusive como sendo sua avó. Asseverou mais: que a recorrida é portadora da síndrome de Alzheimer, doença que a torna incapaz para os atos da vida civil. Entende, portanto, ter legitimidade para requerer a interdição porque a recorrida tem rendas que estariam sendo dissipadas por terceiros. Não houve contestação. O digno representante do Ministério Público opinou pela ilegitimidade ativa da apelante. Pela r. sentença de f. 42/43, o processo foi extinto sem resolução do mérito por ilegitimidade ativa ad causam.

A vexata quaestio, portanto, cinge-se em verificar se a apelante tem legitimidade para a causa.

Anoto que a recorrente juntou, com a petição inicial, alguns documentos. Destaco, a certidão de óbito de José Vítor da Fonseca Sobrinho (f. 21), certidão de casamento de Odete da Silva Fonseca (f. 22). Merece atenção, também, a certidão de casamento de Edy com José de Andrade Carvalho (f. 23), constando que ela é filha de José Vítor, e a fotocópia da carteira de identidade da apelante (f. 20), tornando certo que ela é filha de Edy e José de Andrade Carvalho. Esses os fatos.

Em relação ao direito e conforme é de geral ciência, o legitimado para a causa é aquele que integra a lide como possível credor ou como obrigado, mesmo não fazendo parte da relação jurídica material. Enfim, é quem está envolvido em conflito de interesses. Esclarece Humberto Theodoro Júnior no Curso de direito processual civil. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 1, p. 57):

"Se a lide tem existência própria e é uma situação que justifica o processo, ainda que injurídica seja a pretensão do contendor, e que pode existir em situações que visam mesmo a negar in totum a existência de qualquer relação jurídica material, é melhor caracterizar a legitimação para o processo com base nos elementos da lide do que nos do direito debatido em juízo.

Destarte, legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão".

Por outro norte, é elementar que o parentesco decorre de consangüinidade ou afinidade. No derradeiro caso, o parentesco surge com o casamento ou a adoção. Relativamente ao casamento, ensina Caio Mário da Silva Pereira na obra atualizada por Tânia da Silva Pereira (Instituições de direito civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 5, p. 309):

a) Afinidade, relação que aproxima um cônjuge aos parentes do outro, e termina aí, pois que não são entre si parentes os afins de afins (affinitas affitatem non parit). A afinidade, por via de regra, cessa com o casamento que o fez nascer, de sorte que, extinto ele pela morte, pela anulação ou pelo divórcio, cessa a afinidade; mas a regra não é absoluta, pois que em alguns casos sobrevivem os seus efeitos, o que ocorre na generalidade dos sistemas".

Ora, no caso em exame, o casamento da apelada com o avô da apelante estabeleceu entre as duas o vínculo de parentesco por afinidade. E esse vínculo, aliado à convivência entre elas, como decorrência do prematuro falecimento da genitora da recorrente, patenteia ter sido mantido mesmo após o passamento de José Vítor.

Assim, ainda que não exista vínculo biológico entre a apelante e a apelada, há não só o parentesco por afinidade, como relação afetiva, íntima, capazes de fazer emergir o direito à tutela jurisdicional pleiteada. Nesse sentido, a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.426):

"Pelo CC, não se chegaria ao encontro do sentido do termo parente próximo. Parece-nos que a lei processual exige que, além de ser parente, este tenha para com o interditando laços de afetividade e proximidade que o façam capaz de saber das razões que tornam necessária a medida pleiteada e de compreender da sua conveniência".

Portanto, tem pertinência o inconformismo até mesmo porque não pode deixar de ser examinada a pretensão em homenagem a questiúncula processual menor quando o interesse da recorrida deve ter supremacia.

Com esses fundamentos, dou provimento à apelação para cassar a sentença apelada e determinar o regular processamento da ação.

Sem custas.

DES. FRANCISCO FIGUEIREDO - Do exame que fiz dos autos, acompanho plenamente o Relator.

DES. NILSON REIS - Sr. Presidente. Acompanho o em. Relator, que teve a hombridade de proteger a própria recorrida.

Súmula - DERAM PROVIMENTO PARA ANULAR A SENTENÇA PARA O DEVIDO PROCESSAMENTO DA AÇÃO.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 08/02/2007

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