STJ reconhece o "ficar" como indício de paternidade

Em decisão inédita, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base em voto da presidenta do colegiado, ministra Nancy Andrighi, definiu que, mesmo a mera relação fugaz, o hábito moderno denominado pelos adolescentes de "ficar", pode servir como indício suficiente para caracterizar a alegada paternidade. E, por entender que basta a prova de relacionamento casual existente entre a mãe e o investigado, juntamente com os outros indícios colhidos no processo, como a recusa sistemática do pretenso pai em se submeter ao exame de DNA, a Turma acolheu recurso do menor L. F. da S. L., de Porto Velho (RO), para garantir a retificação de seu nome no cartório de registro civil, para que seja reconhecido como filho do comerciante B. D. de P.

O menor impúbere L. F. da S. L. entrou na Justiça em Porto Velho, com ação de investigação de paternidade, contra o comerciante B. D. de P., alegando haver nascido em outubro de 1997, fruto de relações carnais de sua mãe, E. da S. L., com o investigado, que sempre se recusou a reconhecê-lo como filho. Citado e intimado para comparecer ao IML para realizar o exame hematológico e biomédico, recusou-se, todas as vezes, a comparecer ao argumento de que não poderia ser obrigado a produzir prova contra si próprio. Em razão disso, a mãe e o filho pediram ao juiz que aplicasse ao caso a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que considera indício de paternidade a recusa sistemática em fazer o exame requerido, registrada na Súmula 301.

O pedido foi considerado improcedente na primeira instância, para a qual, embora a recusa à produção do DNA implique realmente inversão do ônus da prova, o menor não conseguiu demonstrar sequer indícios da ocorrência do relacionamento amoroso alegado. O Tribunal de Justiça de Rondônia, a quem o menor e a mãe apelaram, determinou a realização de novo teste de DNA, porém, mais uma vez, o investigado, filho de um importante advogado local, não compareceu.

A sentença foi mantida pelo TJ/RO ao fundamento de que a presunção derivada da recusa ao exame de DNA é relativa, e não absoluta, principalmente num caso como esse, em que o menor apelante não conseguiu provar sequer um vestígio que pudesse concretizar as declarações da mãe de que mantinha um relacionamento com o suposto pai. Pesou na decisão do tribunal estadual a alegação do investigado de que não residia na cidade na época da concepção, pois estudava em Brasília, embora o tribunal tenha reconhecido que nada impedia que viesse para a casa de seus pais nos finais de semana ou nos feriados prolongados.

Daí o recurso do menor L.F. para o STJ, argumentando que o acórdão do TJ/RO divergiu de decisões do Tribunal Superior, segundo o qual a recusa do pai investigado em produzir o DNA implica a procedência do pedido. Para o recorrente, o TJ entrou em choque com a jurisprudência dominante no STJ, ao não considerar provado o relacionamento carnal entre a mãe e o acusado à época da concepção.

Ao acolher o recurso do menor, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, argumentou que, de fato, a recusa do réu em realizar a prova pericial de DNA implica a presunção de existência de relação de paternidade, mas essa presunção é de natureza relativa, não absoluta, porque, além de ensejar prova em contrário, não induz à automática procedência do pedido. Portanto à presunção resultante da recusa sistemática em submeter-se ao exame deverão ser adicionadas outras provas, produzidas pelo autor, como condição necessária para a procedência da ação.

No caso, o tribunal local entendeu não provada sequer a ocorrência do relacionamento amoroso entre a mãe do menor, à época da concepção com 19 anos, e o investigado. Mas, para a ministra Nancy Andrighi, a prova do relacionamento amoroso entre a genitora e o investigado não é uma condição absoluta, sine qua non, a única necessária para provar a alegada paternidade. Basta que tenha havido um encontro fortuito, casual, uma relação sexual passageira, o que os adolescentes denominam "ficar com alguém", para garantir a concepção, de vez que, na mentalidade vigente em nossos dias, há uma forte e marcada separação entre o envolvimento amoroso e o contato sexual.

Nesse contexto, considerada, em especial, a recusa do réu e a prova evidenciada de relacionamento casual entre a genitora e o suposto pai, é de ser julgada procedente a ação de investigação de paternidade, pelo que, em voto que foi acompanhado pelos ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro, Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito, a ministra acolheu o pedido para determinar ao cartório de registro civil de Porto Velho a retificação do nome do menor, para que nele conste o nome de seu pai.


Fonte: Site do STJ - 03/06/2005