Execução de título extrajudicial - quantia certa - bem dado em garantia em cédula de crédito rural - ausência de vencimento - impenhorabilidade

- O bem dado em garantia em cédula de crédito rural é impenhorável até o vencimento da dívida, a teor do que dispõe o art. 69 do Decreto-lei nº 167/67, sendo certo que a admissão de penhora advinda de execução outra, privaria o credor, ainda durante a execução do contrato, da garantia que lhe fora outorgada.

Agravo de Instrumento n° 1.0193.08.024055-2/001 - Comarca de Coromandel - Agravante: Emílio Picinini - Agravado: Hélio Aparecido Mendes Furini - Relator: Des. Luciano Pinto

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar e dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 16 de abril de 2009. - Luciano Pinto - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. LUCIANO PINTO - Trata-se de agravo de instrumento interposto por Emílio Picinini contra a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Coromandel/MG, que, nos autos da precatória cível derivada da ação de execução de título extrajudicial manejada por Hélio Aparecido Mendes Furini, e cujo objeto é a alienação em hasta pública da totalidade dos bens penhorados pertencentes aos executados, Augusto Picinini e sua mulher e Emílio Picinini e sua mulher, indeferiu o pedido de suspensão da hasta pública marcada para o dia 19.03.2009.

Justificou o Juízo a decisão, ao fundamento de que, ao contrário do que sustentam o Banco do Brasil S.A. e o ora agravante, admite-se a penhora de bem hipotecado, desde que resguardada a preferência do credor hipotecário no recebimento de seu crédito.

Em arrimo ao seu entendimento, citou jurisprudência desta 17ª Câmara Cível.

Inconformado, sustenta o agravante que a decisão confronta texto expresso de lei e também jurisprudência pacífica dos Tribunais de Justiça do País, haja vista o disposto no art. 69 do Decreto nº 167/67, defendendo a tese de que a preexistência de cédulas de crédito rurais hipotecárias, devidamente constituídas em datas anteriores ao débito representado nos autos e ainda não vencidas, impede a penhora dos bens hipotecados.

Prosseguiu asseverando que as hipotecas, constituídas através de cédulas de crédito rural, não se encontram vencidas, de modo que devem ser considerados impenhoráveis os bens em questão.

Adiante, discriminou cada um dos imóveis e suas matrículas e as datas de vencimentos das cédulas de crédito referentes a eles.

Prosseguiu noticiando que os bens penhorados foram dados em garantia inicialmente ao Banco do Brasil S.A., e posteriormente à União, de modo que, sob sua ótica, indispensável a intimação da União para manifestar-se no feito e participar da hasta pública.

Transcreveu jurisprudência em prol de seus argumentos e requereu a atribuição de efeito suspensivo ao agravo, para que seja cancelada a praça marcada para a data de 19.03.2009 e, ao final, o provimento do recurso e a cassação da decisão.

Em primeira análise, foi deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso (f. 424/427).

Vieram informações do Juízo de origem (f. 435).

Regularmente intimado, manifestou-se o agravado (f. 437/442), noticiando sua intenção de prequestionar as matérias e arguindo preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e preclusão do direito de alegação de impenhorabilidade dos bens hipotecados; no mérito, bateu-se no sentido de que a aplicação do disposto no art. 69 do Decreto-lei 167/67 tem sido relativizada pela jurisprudência, admitindo-se a constrição de bem gravado com garantia hipotecária, desde que o valor dele seja maior que o da dívida, respeitando-se os direitos do credor privilegiado, e que esta é a hipótese dos autos.

Ressaltou que o art. 649 do CPC não incluiu, entre os bens absolutamente impenhoráveis, aqueles gravados com garantia hipotecária cedular.

Defendeu a possibilidade da penhora com base nos art. 615, inciso II, do CPC; disse que, após a reforma imposta pela Lei 11.382/2006, o art. 69 do DL 167/67 foi tacitamente revogado; juntou documentos e requereu seja negado provimento ao recurso.

Presentes os requisitos de sua admissibilidade, conheço do recurso de agravo de instrumento.

Preliminares arguidas pelo agravado em sede de contraminuta.

I - Ilegitimidade ad causam.

Levantou o agravado, em sede de contraminuta, preliminar de não conhecimento do recurso, ao argumento de que o agravante não tem legitimidade para arguir a impenhorabilidade do bem, pois, sob sua ótica, em se tratando de bem gravado por hipoteca, apenas ao credor hipotecário competiria apontá-la.

Sem razão o agravado.

No caso, a legitimidade do agravante decorre do fato de ser ele a pessoa indicada a suportar os efeitos oriundos da penhora e da eventual alienação imprópria do bem, de modo que não há falar em defesa, pelo agravante, de direito alheio, como entendeu o agravado.

Mais, cabe ressaltar que compete a ele, devedor/emitente, manter a integridade do bem gravado com a garantia hipotecária, como também denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, no caso a penhora, ou a quem as determinou, como preconiza o art. 69 do Decreto-lei 167/67.

Isso posto, manifesta é legitimidade do agravante, e com esses argumentos rejeito a preliminar.

II - Preclusão.

Arguiu o agravado preliminar de não conhecimento do recurso, ao argumento de que a questão da impenhorabilidade do bem não foi levantada no momento oportuno, de modo que está precluso o direito de arguição da matéria.

De pronto, cabe considerar que a impenhorabilidade absoluta de bem é matéria de ordem pública, podendo ser invocada e conhecida até mesmo de ofício pelo magistrado em qualquer fase processual.

A respeito, anota Theotônio Negrão, ao comentar o art. 649 do CPC:

"Art. 649:3. Em se tratando de nulidade absoluta, a exemplo do que se dá com os bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649), prevalece o interesse de ordem pública, podendo ser ela arguida em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício (STJ-RT 787/215 e RTJE 175/254)''. (In Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 743.)

Também, nesse sentido, assente é a jurisprudência do STJ:

"A alegação de que determinado bem é absolutamente impenhorável pode ser feita a todo tempo, mediante simples petição e independentemente de apresentação de embargos à execução". (REsp 443.131/PR, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado, j. em 13.5.03, deram provimento, v.u., DJU de 4.8.03, p. 311.)

"Processual civil. Penhora. Bem absolutamente impenhorável. CPC, art. 649-VI. Nulidade absoluta. Preclusão. Ausência. Renúncia do devedor. Impossibilidade. Recurso parcialmente provido.

I - Em se tratando de nulidade absoluta, a exemplo do que se dá com os bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649), prevalece o interesse de ordem pública, podendo ser ela arguida em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício.

II - O executado pode alegar a impenhorabilidade de bem constrito mesmo quando já designada a praça e não tenha ele suscitado o tema em outra oportunidade, inclusive em sede de embargos do devedor, por tal omissão não significa renúncia a qualquer direito, ressalvada a possibilidade de condenação do devedor nas despesas pelo retardamento injustificado, sem prejuízo de eventual acréscimo na verba honorária, a final." (STJ, REsp nº 192.133/MS e 262.654/RS, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, in RSTJ 124/389 e RT 787/215.)

Esse mesmo entendimento foi adotado por esse TJMG:

"Execução. Embargos à penhora. Bem de família. Impenhorabilidade. Arguição de nulidade da penhora. Oportunidade. Intempestividade afastada. Arguição possível. -Sendo a questão da impenhorabilidade do bem de família matéria de ordem pública, podendo ser conhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de ofício e através de simples petição, não há que se falar em prazo para suscitar a nulidade, donde se conclui pela impossibilidade de ser reconhecida a intempestividade dos embargos à penhora, os quais somente versaram sobre a alegação da nulidade da penhora". (Apelação Cível n° 1.0024.05.873153-0/001, Rel. Des. Irmar Ferreira Campos, j. em 1º.11.2006.)

"Execução - Alegação de impenhorabilidade - Simples petição - Instrumento necessário à profissão - Ausência de prova. - A alegação de impenhorabilidade absoluta de bem pode ser aduzida a qualquer momento da execução, inclusive através de simples petição, por se tratar de matéria de ordem pública. Deixando o executado de apresentar a prova da utilidade ou necessidade ao seu exercício profissional dos bens penhorados, não há como determinar a desconstituição da penhora". (Agravo de Instrumento nº 2.0000.00.475422-5/000, Rel. Des. D. Viçoso Rodrigues, j. em 10.03.05).

Assim, não há que se falar em preclusão da matéria objeto do presente recurso, porque a impenhorabilidade suscitada pelo recorrente constitui matéria de ordem processual e poderia ter sido declarada até mesmo de ofício pelo julgador a qualquer tempo, caso não houvesse requerimento da parte interessada.

Em face do exposto, rejeito a prefacial.

Mérito.

Pelo que dos autos consta, estou que assiste razão ao agravante.

Como dito por ocasião do julgamento do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, a meu sentir, tem foros de cidade a alegação do agravante de que, em se tratando de imóveis gravados com hipotecas, decorrentes de cédulas de crédito rural, ainda não vencidas, são absolutamente impenhoráveis os bens, por força do disposto no art. 69 do Decreto 167/67, que dispõe:

"Art. 69. Os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural não serão penhorados, arrestados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante, cumprindo ao emitente ou ao terceiro empenhador ou hipotecante denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão".

Em sua argumentação, bateu-se o agravado no sentido de que é necessária uma interpretação "relativizada" da impenhorabilidade imposta pelo art. 69 do DL 167/67, porém, a meu sentir, tal interpretação não alcança contratos não vencidos, e, nessa hipótese, permanece inalterada a regra da impenhorabilidade dos imóveis gravados com garantia hipotecária.

É o que ensina Arnaldo Rizzardo, citado na Apelação Cível nº 1.0024.06.198063-7/001, de relatoria do Des. Irmar Ferreira Campos, desta 17ª Câmara Cível:

"Em duas situações, no entanto, a impenhorabilidade deve ceder, mesmo no caso da hipoteca cedular ser a primeira, conforme Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:

'a) se a cedular já se venceu, principalmente quando o devedor comum só tem o bem duplamente hipotecado. A permissão de penhorar, que se inclui na de executar, é expressa no art. 813 do CC, aplicável subsidiariamente nas hipotecas celulares por autorização das leis extravagantes;

b) se o devedor comum for insolvente, também hipótese prevista no art. 813 do CC. Aqui, inclusive, há o apoio do art. 1.054, I, do CPC. Com efeito, depois de se admitir embargos de terceiro para o credor com garantia real obstar alienação judicial do objeto da hipoteca (art. 1.047, II, do CPC), diz o referido inciso I do art. 1.054 do mesmo diploma processual que o embargado pode alegar, precedentemente, que o devedor comum é insolvente.' O referido art. 813 corresponde ao art. 1.477 do atual CC". (Contratos de crédito bancário. 6. ed., São Paulo: RT, 2003, p. 220.)

Nesse sentido, seguem os seguintes julgados do STJ:

"[...] O bem dado em hipoteca para garantia de crédito rural é impenhorável enquanto não vencida a dívida (art. 69 do DL 167/67). Depois do vencimento, pode ser objeto de constrição por outros débitos". (STJ, REsp 451.199/SP, 4ª Turma/STJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 15.04.2003.)

"Processual civil. Recurso especial. Embargos de terceiro à execução. Cédula de crédito rural. Vencimento. Terceiro. Penhora de bem hipotecado. Legalidade.

- O escopo da regra que prevê a impenhorabilidade de bem oferecido em garantia de empréstimo rural é o de resguardar a garantia ofertada ao credor durante a execução do contrato.

- Após o vencimento da cédula de crédito, faculta-se a outro credor obter a penhora do bem, pelo que não será ferido o direito de prelação do credor rural hipotecário, o qual receberá prioritariamente o seu crédito, outorgando-se ao credor quirografário o saldo porventura existente. Recurso especial a que não se conhece". (STJ, REsp 303.689/SP, 3ª Turma/STJ, Rel.ª Nancy Andrighi, j. em 26.08.2002.)

Conforme acentuou a Ministra Nancy Andrighi no corpo do v. acórdão acima ementado:

"[...] o escopo da regra que prevê a impenhorabilidade é o de resguardar a garantia ofertada ao credor durante a execução do contrato de financiamento rural. Se penhora advinda de execução alienígena fosse admissível, o credor rural seria privado, ainda durante a execução do contrato, da garantia que lhe foi outorgada".

Assim, restando demonstrado nos autos, através das certidões de matrículas dos imóveis (f. 146/155-TJ), que as dívidas contraídas pelo agravante sofreram repactuação, através de re-ratificação das cédulas de crédito, e ainda não estão vencidas, entendo que, de fato, os imóveis não poderiam ser penhorados e levados à praça.

Outro não é o entendimento deste Tribunal de Justiça, senão vejamos:

"Embargos à execução - Título executivo extrajudicial - Execução por quantia certa - Demonstrativo de débito - Inteligência do art. 614, II, CPC - Ausência de prejuízos - Bem dado em garantia em cédula de crédito rural - Hipóteses de penhorabilidade e impenhorabilidade - Sucumbência mínima - Honorários advocatícios. - A falta de apresentação do demonstrativo do débito atualizado (art. 614, inciso II, do CPC), em processo de execução onde não se põe em dúvida o valor expresso no título protestado, não é causa de nulidade do processo de execução. O bem dado em garantia em cédula de crédito rural é impenhorável até o vencimento da dívida podendo, posteriormente, incidir a penhora. Vencida a cédula de crédito rural, torna-se o bem penhorável conforme art. 69 Decreto-lei nº 167/67. Julgados parcialmente procedentes os embargos do devedor para acolher a invocada nulidade da penhora, são devidos honorários de sucumbência ao patrono do embargante. Preliminar rejeitada e apelação parcialmente provida". (TJMG, 1.0342.06.072564-1/001(1), Relator: Cabral da Silva, data do julgamento: 14.08.2007, data da publicação: 24.08.2007.)

"Processual civil - Agravo de instrumento - Execução por quantia certa - Penhora de imóvel rural gravado com hipoteca cedular vencida - Cabimento - Intimação do executado - Embargos à execução não opostos - Penhorabilidade do bem e redução da penhora - Hipótese de não-ocorrência - Avaliação feita por perícia - Prevalência - Multa por litigância de má-fé - Não-cabimento - Recurso parcialmente provido. - O bem garantidor do crédito rural vencido e impago pode ser objeto de penhora por credor comum, restando resguardada a prelação do credor hipotecário. O juízo deprecado deve se ater às solicitações contidas na carta precatória, não tendo competência para decidir sobre o mérito da causa. A avaliação pericial prevalece sobre a avaliação particular exibida pela parte. Não havendo má-fé do executado, não deve ser aplicada a multa prevista no art. 600, II, do CPC. Recurso conhecido e parcialmente provido". (TJMG, 1.0016.98.005835-4/001(1), Relatora: Márcia De Paoli Balbino, data do julgamento: 29.06.2006, data da publicação: 20.07.2006.)

Finalmente, ressalte-se, novamente, que o acórdão citado na decisão agravada, desta 17ª Câmara Cível, firmou seu entendimento no sentido da possibilidade de penhora de bem hipotecado, desde que vencida a cédula de crédito, o que não é a hipótese destes autos.

Veja-se:

"Ementa: Apelação cível. Embargos de terceiro. Agravo retido. Prejudicado. Penhora. Bem imóvel hipotecado. Cédula de crédito rural. Impenhorabilidade. Não ocorrência.

Deve-se julgar prejudicado o agravo retido quando o mesmo perde o objeto.

De acordo com o disposto no art. 69 do Decreto-lei nº 167/67, é vedada a penhora de imóvel gravado com hipoteca cedular rural. Não obstante isso, a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça relativizou o princípio da impenhorabilidade, permitindo o ato constritivo após o vencimento da cédula de crédito, facultando-se a outro credor obter a penhora do bem, obedecido o direito de preferência do credor rural hipotecário.

Omissis". (Apelação Cível nº 1.0024.06.198063-7/001, Relator: Irmar Ferreira Campos, data do julgamento: 14.02.2008, data da publicação: 04.03.2008 - 17ª Câmara Cível do TJMG.)

Isso posto, forte nas razões acima, dou provimento ao agravo e casso a decisão, suspendendo, em caráter definitivo, a praça marcada.

Custas, pelo agravado.

É o meu voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Márcia De Paoli Balbino e Lucas Pereira.

Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de Minas Gerais - 03/02/2010.

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