Da isenção do pagamento de emolumento e beneficiário de justiça gratuita – art. 20 - Letícia Franco Maculan Assumpção

Letícia Franco Maculan Assumpção - Diretora do Departamento de Registro Civil das Pessoas Naturais da SERJUS-ANOREG/MG

 

Antes de passarmos à análise da Lei 19.414, de 2004, devemos lembrar que:

 

A) os valores pagos pelos usuários dos serviços notariais e de registro – emolumentos e TFJ são taxas (apesar de haver divergência  doutrinária quanto à natureza jurídica dos emolumentos)

 

B) na consulta de contribuintes n. 301/2009 e 302/2009 a SEF/MG declarou que lei federal não pode alterar a cobrança da TFJ estabelecida em lei estadual e que TFJ e emolumentos têm fatos geradores distintos.

 

C) na resposta à referida consulta, restou declarado que, quanto aos emolumentos, cabe à lei federal estabelecer a forma como deverão ser cobrados (art. 236, § 2º, da CR/88), mas não poderá ser determinada a isenção de emolumentos por lei federal, pois a natureza jurídica dos emolumentos é de taxa estadual.

 

D) quanto à TFJ, a lei federal não pode alterar sua cobrança ou estabelecer isenções – trata-se de tributo estadual e isenções devem ser estabelecidas por lei estadual (art. 151, III, da CR/88).

 

A Lei estadual nº 19.414, de 2010, alterou a Lei nº 15.424, de 2004. Trataremos da nova redação do artigo 20: isenções de emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária, mais especificamente em razão de mandados e alvarás.

 

Houve alterações significativas para o Registro Civil das Pessoas Naturais e também para o Registro de Imóveis.

 

Redação primitiva do artigo 20  da Lei 15.424, de 2004:

 

Art. 20 - Fica isenta de emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária a prática de atos notariais e de registro para cumprimento de mandado e alvará judicial expedido em favor de beneficiário da justiça gratuita, amparado pela Lei Federal n.º 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, e representado por Defensor Público Estadual ou advogado dativo designado nos termos da Lei n.º 13.166, de 20 de janeiro de 1999.

 

Parágrafo único - A concessão da isenção de que trata o caput fica condicionada à menção expressa da existência dos pressupostos nele exigidos no texto do respectivo mandado ou alvará judicial.

 

A redação dada pela Lei n. 19.414/2010, no que é relevante para isenção referente a mandados e alvarás judiciais, é a seguinte:

 

Art. 20 – Fica isenta de emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária a prática de atos notariais e de registro:
I – para cumprimento de mandado e alvará judicial expedido em favor de beneficiário da justiça gratuita, amparado pela Lei federal n° 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, nos seguintes casos:
a) nos processos relativos a ações de investigação de paternidade e de pensão alimentícia; REGISTRO CIVIL
b) nos termos do art. 6° da Lei federal n° 6.969, de 10 de dezembro de 1981; REGISTRO DE IMÓVEIS (USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEIS RURAIS)

c) nos termos do § 2° do art. 12 da Lei federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001;  REGISTRO DE IMÓVEIS (USUCAPITÃO ESPECIAL URBANA)
d) quando a parte for representada por Defensor Público Estadual ou advogado dativo designado nos termos da Lei n° 13.166, de 20 de janeiro de 1999; REGISTRO CIVIL
 e) quando a parte não estiver assistida por advogado, nos processos de competência dos juizados especiais de que tratam as Leis federais nos 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001;

[...]

§ 1° – A concessão da isenção de que trata o inciso I do "caput" deste artigo fica condicionada a pedido formulado pela parte perante o oficial, no qual conste a sua expressa declaração de que é pobre no sentido legal e deque não pagou honorários advocatícios, para fins de comprovação junto ao Fisco Estadual, e, na hipótese de constatação da improcedência da situação de pobreza, poderá o notário ou registrador exigir da parte o pagamento dos emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária correspondentes. (sem grifos ou negritos no original)

 

Interpretando as normas anteriormente mencionadas:

 

1- deve constar expressamente do mandado que a parte é beneficiária da justiça gratuita;

 

2.  não é necessário constar do mandado que a parte foi representada por defensor público ou advogado dativo, como ocorria na redação anterior;

 

3. para concessão da isenção é obrigatório pedido formulado pela parte perante o oficial, no qual conste a sua expressa declaração de que é pobre no sentido legal e de que não pagou honorários advocatícios (§ 1º, do art. 20, da Lei 15.424/2004, na nova redação);

4. na hipótese de constatação da improcedência da situação de pobreza, poderá o notário ou registrador exigir da parte o pagamento dos emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária correspondentes.

 

Quanto ao Registro Civil, no que se refere ao pedido de isenção, deve haver diferenciação entre os mandados referentes a investigação de paternidade e a pensão alimentícia e os demais? Fazendo uma interpretação que integre o parágrafo 1º com o que consta nos incisos do inciso I, sim:

 

a) mandados referentes a investigação de paternidade e a pensão alimentícia: não é preciso que o interessado declare que foi representado por Defensor Público ou Advogado Dativo, basta declarar que é pobre e que não pagou honorários advocatícios.

 

b) demais mandados: é preciso que conste do pedido a informação de que  o interessado é pobre e de que foi representado por Defensor Público ou Advogado Dativo, sob pena de ser indeferido o pedido de isenção.

 

 

Quanto ao Registro de Imóveis:

 

a) mandados referentes a usucapião especial rural ou usucapião especial urbana: não é preciso que o interessado declare que foi representado por Defensor Público ou Advogado Dativo, basta declarar que é pobre e que não pagou honorários advocatícios.

 

b) demais mandados: é preciso que conste do pedido a informação de que  o interessado é pobre e de que foi representado por Defensor Público ou Advogado Dativo, sob pena de ser indeferido o pedido de isenção.

 

 

Quanto ao Registro Civil e ao Registro de Imóveis: Mandados originários de juizado especial (federal ou estadual): sempre que do mandado constar que a parte é beneficiária da justiça gratuita, a parte deve declarar que é pobre e que não foi assistida por advogado.

 

 

EM RESUMO: GRATUIDADES DETERMINADAS EM MANDADOS JUDICIAIS - tendo em vista a redação dada pela lei 19.414/2011 ao art. 20 da lei 15.424/2004, disposições que já estão desde 1º de janeiro de 2011:

 

1) se o juiz declarar, após 1º de janeiro de 2011, ou vier constando do mandado expedido a partir de janeiro de 2011, que o art. 20 da Lei 15.424/2004 é inconstitucional, não é preciso que a parte assine declaração de pobreza, podendo ser feito o registro sem a cobrança de emolumentos e de TFJ;

 

2) se não houver declaração de inconstitucionalidade do art. 20 da Lei 15.424/2004:

 

2.1) somente a parte interessada ou procurador com poderes para representá-la perante cartórios, procuração tem que ser apresentada e arquivada, tem que comparecer ao cartório.

 

2.2) mandados judiciais que sejam recebidos pelo correio sem declaração de inconstitucionalidade do art. 20 da Lei 15.424/2004. Nesse caso não há possibilidade da parte assinar declaração de pobreza ou de que não pagou advogado ou de que foi representada defensor público ou advogado dativo – pode-se suscitar dúvida ao Juiz  Diretor do Foro para verificar como dar cumprimento ou então o Registrador pode devolver o mandado pelo correio com nota de devolução.

 

QUANTO AO REGISTRO CIVIL

 

2.3. a) nos mandados referentes a ações de investigação de paternidade ou de pensão alimentícia – é necessário declaração no sentido de que a pessoa é pobre no sentido legal e de que não pagou advogado (mas não precisa constar da declaração se foi representada por Defensor Público ou por advogado dativo);

 

2.3. b) mandados judiciais, exceto os referentes a ações de investigação de paternidade e de pensão alimentícia - é necessário pedir declaração no sentido de que a pessoa é pobre no sentido legal e de que foi representada por Defensor Público ou por advogado dativo, não tendo, pois, pago honorários advocatícios.

 

QUANTO AO REGISTRO DE IMÓVEIS:

 

2.4 a) mandados referentes a usucapião especial rural ou usucapião especial urbana: não é preciso que o interessado declare que foi representado por Defensor Público ou Advogado Dativo, basta declarar que é pobre e que não pagou honorários advocatícios.

 

2.4 b) demais mandados: é preciso que conste do pedido a informação de que  o interessado é pobre e de que foi representado por Defensor Público ou Advogado Dativo.

 

 

Quanto ao Registro Civil e ao Registro de Imóveis:

 

Na hipótese de constatação da improcedência da situação de pobreza, poderá o notário ou registrador exigir da parte o pagamento dos emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária correspondentes - É POSSÍVEL SUSCITAR DÚVIDA:

 

TJRJ - SÉTIMA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL PROCESSO Nº 0011398-72.2008.8.19.0061

RELATOR: DES. CAETANO E. DA FONSECA COSTA APELAÇÃO CÍVEL– LEVANTAMENTO DE DÚVIDA – GRATUIDADE DE JUSTIÇA - EMOLUMENTOS - SERVIÇO REGISTRAL E

NOTARIAL – INDEFERIMENTO - BENEFÍCIO RESERVADO AOS EFETIVAMENTE NECESSITADOS, SEGUNDO OS PARÂMETROS EXIGIDOS PELA LEI 1060/50 – CORRETO INDEFERIMENTO DA GRATUIDADE.

- A Lei nº 1.060/50 estabelece as condições para o deferimento do benefício da gratuidade.

- Benefício reservado aos efetivamente necessitados.

- Ausência de prova de que o interessado precisa dessa gratuidade, sob pena de prejuízo de seu próprio sustento ou de seus familiares.

- Apelante que não demonstrou de forma contundente a sua necessidade.

- Correto indeferimento da gratuidade.

- Aplicação do disposto no art. 557 do Código de Processo Civil.

- Recurso a que se nega liminar seguimento.

 

Sobre o tema, ver excelente artigo de Mario de Carvalho Camargo[1], segundo o qual, para se definir a pobreza, devem ser utilizados os critérios existentes para a concessão de bolsa família e cadastro único de programas sociais (Decreto nº 5.209/2004, art. 18, e Decreto nº 6.135/2007, art. 4º): renda familiar de até R$ 140,00 per capita e renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo, respectivamente.

 

Ainda para o autor, é possível exigir prova da pobreza (contracheque, comprovantes de rendimento etc). A declaração somente gera presunção relativa de pobreza.


[1] Disponível em: <http://www.arpensp.org.br/arquivos/gratuidade _com_bibliografia_revista.pdf>. Acesso em: 16 março 2011.


Fonte: Departamento de Registro Civil da SERJUS-ANOREG/MG - 21/03/2011.

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