Consulta CNJ – Serviços Notariais e de Registro - Fixação de Emolumentos em Percentual sobre o Negócio Jurídico - Aplicação de Legislação Federal x Lei Estadual - Ausência de Enquadramento da Consulta no art. 89 do RICNJ

CONSULTA 0002320-38.2009.2.00.0000 (200910000023204)
Requerente: Sebastião Pereira da Silva
Requerido: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

CONSULTA – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO - FIXAÇÃO DE EMOLUMENTOS EM PERCENTUAL SOBRE O NEGÓCIO JURÍDICO - APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL X LEI ESTADUAL - AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO DA CONSULTA NO ART. 89 DO RICNJ.

1. A Carta Magna, em seu art. 236, § 2º, reza que a lei federal estabelecerá as normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. Cumprindo o ditame constitucional, a Lei Federal 10.169/00 regulamenta o comando indicado, assentando normas gerais para a fixação de emolumentos dos atos cartorários extrajudiciais, assentando, no art. 3º, II, a proibição de cobrança de emolumentos em percentuais incidentes sobre o negócio jurídico objeto dos serviços notariais e de registro.

2. In casu, a legislação estadual acusada como dissidente da lei federal, por cobrar emolumentos em percentual sobre o negócio jurídico, a saber, as Leis 7.088/97 e 8.033/01, já teriam sido revogadas pela recente Lei Estadual 9.278/09, como informado pelo próprio Requerente (INF18). Todavia, a seu ver, permaneceria em vigor a Lei Complementar 166/99 que preconiza a cobrança de um percentual de 0,5% sobre os atos registrais e notariais, com o fito de fazer frente a Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público (FRMP).

3. A Lei Complementar 166/99, no art. 28, V, estatui que constituirão recursos financeiros do FRMP do Estado "os recursos advindos do recolhimento prévio da importância equivalente a meio por cento (0,5%) sobre o valor atribuído à causa em todas as ações em que haja atuação do Ministério Público, seja como parte ou como fiscal da lei, inclusive nos procedimentos extrajudiciais, serviços notariais e de registro, sendo estes últimos estabelecidos na forma das tabelas anexas". Como se pode verificar, o comando contém destinação a órgão distinto do Poder Judiciário, a saber, o Parquet estadual, extrapolando, assim, a esfera competencial do CNJ .

4. Nessa linha, a hipótese é de não conhecimento da consulta, por ausência de enquadramento nos termos do art. 89, caput, do Regimento Interno deste Conselho.

Consulta não conhecida.


I) RELATÓRIO

O Requerente, notário, faz Consulta ao CNJ, a fim de definir questões atinentes à aplicabilidade da lei federal no tocante a custas e emolumentos, aplicação da gratuidade a atos cartorários e competência para delegação de serventias extrajudiciais (REQ2).

Por meio do DESP4, o Conselheiro Min. João Oreste Dalazen, então Relator deste feito, determinou a separação dos questionamentos do Consulente em peças autônomas, porquanto não correlacionados, bem como a juntada de documentação pessoal e de instrução dos pedidos, ao que foi atendido mediante o contido no DOC7.

Intimado para manifestar-se, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte prestou informações, sopesando que, em relação à aplicação da Lei Federal 10.169/00, regulamentadora do art. 236, § 1º, da Constituição Federal, de fato há vedação à cobrança de emolumentos em percentuais, sendo certo que a Lei Estadual 7.088/97, Lei de Custas Judiciais do Estado, preconiza, para alguns procedimentos de registro de título, a cobrança de percentual. Todavia, informa que o Tribunal já examina o assunto, para fins de encaminhar ao Legislativo Anteprojeto para nova Lei de Custas, o mesmo se passando em relação à Lei Estadual 8.033/01, mediante a qual restou instituído percentual de 3% sobre todos os atos extrajudiciais da tabela de custas e emolumentos, destinado ao Fundo de Compensação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais (DOC10).

Dada vista ao Consulente das informações prestadas pelo Tribunal, apontou que foi sancionada a Lei Estadual 9.278, de 30/12/09, dispondo sobre as Custas Processuais, Emolumentos e Fundo de Compensação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais e Taxa de Fiscalização. Aduziu que permanece, no entanto, a Lei Complementar Estadual 166/99, que institui a cobrança do percentual de 0,5% sobre os atos extrajudiciais, serviços notariais e de registros, destinado ao Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público (FRMP) (INF18).

É o relatório.

II) VOTO

1) APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL X LEI ESTADUAL

O Requerente busca interpretação acerca da aplicação do contido na Lei 10.169/00 quanto à vedação da cobrança de emolumentos em percentuais, em face de leis estaduais, a saber, Leis 7.088/97 e 8.033/01 e Lei Complementar 166/99, enfatizando que a legislação estadual referida invadiu esfera legislativa de competência privativa da União, nos termos do art. 22, XXV, da Lei Maior. Discerne, ainda, a competência concorrente dos Estados, União e Distrito Federal para legislar sobre custas e despesas forenses (art. 24, §§ 1º, 2º e 3º) e a competência privativa da União para normatizar os emolumentos. Aponta, ao final, que, apesar de editada nova Lei de Custas no Estado, em 30/12/09 (Lei 9.278), permanece em vigor a Lei Complementar Estadual 166/99, que determina a cobrança em percentual (0,5%) sobre os atos extrajudiciais, serviços notariais e registrais, destinado ao Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público, o que demonstra ainda haver dissonância em relação à legislação federal.

Primeiramente, cumpre registrar que a alegação de usurpação de competência legislativa é matéria que refoge ao exame do CNJ, como se depreende dos arts. 103-B, §§ 4º e 5º, da Constituição da República, e 4º do RICNJ.

A conclusão acerca de qual ordenamento legal deve ser cumprido pelo Requerente, notário/registrador público, implica a apreciação da aplicação das leis nominadas, segundo sua hierarquia e conteúdo, para voltar-se, obviamente, a atuação administrativa e funcional da serventia extrajudicial que titulariza, pelo que entendo cabível o exame à luz dos comandos que rendem ensejo à atuação deste Conselho.

A Carta Magna, em seu art. 236, § 2º, reza que a lei federal estabelecerá as normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. Cumprindo o ditame constitucional, a Lei Federal 10.169/00 regulamenta o comando indicado, assentando normas gerais para a fixação de emolumentos dos atos cartorários extrajudiciais, assentando, no art. 3º, II, a proibição de cobrança de emolumentos em percentuais incidentes sobre o negócio jurídico objeto dos serviços notariais e de registro.

In casu, a legislação estadual acusada como dissidente da lei federal, por cobrar emolumentos em percentual sobre o negócio jurídico, a saber, as Leis 7.088/97 e 8.033/01, já teriam sido revogada pela recente Lei Estadual 9.278/09, como informado pelo próprio Requerente (INF18). Todavia, a seu ver, permaneceria em vigor a Lei Complementar 166/99 que preconiza a cobrança de um percentual de 0,5% sobre os atos registrais e notariais, com o fito de fazer frente a Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público (FRMP).

A Lei Complementar 166/99, no art. 28, V, estatui que constituirão recursos financeiros do FRMP do Estado "os recursos advindos do recolhimento prévio da importância equivalente a meio por cento (0,5%) sobre o valor atribuído à causa em todas as ações em que haja atuação do Ministério Público, seja como parte ou como fiscal da lei, inclusive nos procedimentos extrajudiciais, serviços notariais e de registro, sendo estes últimos estabelecidos na forma das tabelas anexas". Como se pode verificar, o comando contém destinação a órgão distinto do Poder Judiciário, a saber, o Parquet estadual, extrapolando, assim, a esfera competencial do CNJ .

Nessa linha, a hipótese é de não conhecimento da consulta, por ausência de enquadramento nos termos do art. 89, caput, do Regimento Interno deste Conselho.

2) GRATUIDADE DOS ATOS NOTARIAIS E REGISTRAIS

O Consulente pretende que sejam enunciados os atos extrajudiciais passíveis de gratuidade, apontando que a Lei 9.534/97, ao estender a gratuidade a todos, de forma indistinta, destoa do art. 5º, LXXVI, "a" e "b", da Lei Maior, que reconheceu a gratuidade do registro de nascimento e da certidão de óbito aos pobres, na forma da lei. Igualmente, busca definição dos beneficiários da gratuidade e do poder legislante competente para estender os atos de gratuidade.

Concessa venia, a consulta passível de conhecimento pelo CNJ, na forma do art. 89, caput, do RICNJ, é aquela de "interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência" (g.n.). Ora, delinear para o Consulente quem são os beneficiários da gratuidade já previstos em lei, bem assim a competência legislativa, matéria também de lei, não são temas encampados pela competência do CNJ, cuja missão é precipuamente a fiscalização administrativa, financeira e de atuação funcional dos tribunais e magistrados, nos lindes dos arts. 103-B, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal e 4º do RICNJ.

O CNJ, como se infere de todo o arcabouço jurídico-legal que lhe rende ensejo para atuar, não é vocacionado para a interpretação da lei em geral, muito menos dos comandos da Constituição Federal, matéria afeta, por previsão constitucional, ao STF. Somente analisa qualquer dispositivo de lei em relação à sua área de competência.

Em arremate, reforça o entendimento acima a gama de precedentes do STF sobre a extensão dos benefícios da gratuidade a atos de cartório (STF-ADC-5/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ de 19/09/03; STF-ADI-1800/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ de 03/10/03; STF-ADI-1148/AP, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ de 31/03/95).

3) COMPETÊNCIA PARA DELEGAÇÃO DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS

O questionamento sobre a competência para delegar ou extinguir serventias, sobre o qual pretende o Consulente resposta do CNJ, padece da mesma falta do anterior. A matéria é definida pela lei, como se infere do comando hialino vertido no art. 236, § 1º, da Lex Legum, ao atribuir ao Poder Judiciário a fiscalização das serventias extrajudiciais, bem assim dos arts. 37 e 38 da Lei 8.935/94. Apenas obter dictum, a matéria tratada pelas serventias extrajudiciais está intrinsecamente ligada à matéria examinada pelo Poder Judiciário, envolve, quase sempre, algum negócio jurídico, razão pela qual se reforça o entendimento de que este é o Poder que tem maior proximidade com as situações tratadas em cartórios, sendo o competente para gerenciá-lo.

Não vislumbro, assim, a par da ausência de competência do CNJ para apreciar o questionamento, a dúvida razoável que possa ensejá-lo.

Diante do expendido, NÃO CONHEÇO da consulta.

MIN. IVES GANDRA
Conselheiro


Esse Documento foi Assinado Eletronicamente em 25 de Fevereiro de 2010 às 14:47:42

O Original deste Documento pode ser consultado no site do E-CNJ.


Fonte: Site da Anoreg/BR - 25/03/2010.

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