Condomínio - Usucapião extraordinário - Possibilidade - Uso exclusivo do bem comum por um dos condôminos

APELAÇÃO CÍVEL - DESERÇÃO - PREPARO INSUFICIENTE - COMPLEMENTAÇÃO - CONDOMÍNIO - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - POSSIBILIDADE - USO EXCLUSIVO DO BEM COMUM POR UM DOS CONDÔMINOS - COMPROVAÇÃO - REQUISITOS - ART. 550 DO CCB/1916 - POSSE MANSA E PACÍFICA POR MAIS DE VINTE ANOS, COM ÂNIMO DE DONO - ACESSIO POSSESSIONIS - SENTENÇA MANTIDA

- Ainda que os apelantes não tivessem realizado a complementação do preparo dentro do prazo recursal, depois de verificada sua insuficiência, deve-se oportunizar sua complementação, ainda que após o prazo para interposição do recurso, nos termos do art. 511, § 2º, do Digesto Processual Civil.

- Doutrina e jurisprudência têm admitido a possibilidade de que o condômino adquira a propriedade do imóvel comum mediante usucapião extraordinário, desde que exerça a posse, com exclusividade, sobre parte determinada do bem ou a sua totalidade.

- "Inexistindo indícios de que, por período superior a 20 anos, houve qualquer ato de custódia pelos proprietários, ou imposição de limites ao exercício da posse, controle, acompanhamento ou incômodo, deixando que o possuidor exercesse direitos ao seu livre-arbítrio, erguendo em torno do espaço todos os aspectos de sua vida, vislumbra-se o ânimo de dono e a inércia configuradora da prescrição aquisitiva."

- Verificando-se que a posse da prescribente ultrapassa o prazo de vinte anos e que foi exercida com exclusividade e ânimo de dona (animus rem sibi habendi), mansa e pacificamente, sem oposição de quem quer que seja, deve ser mantida a sentença que declarou a prescrição aquisitiva (CC/1916, art. 550).

Apelação Cível n° 1.0701.05.108850-1/001 - Comarca de Uberaba - Apelante: Edison Santos Rezende Júnior - Apelados: Shirley Resende Penhalver e outro - Relator: Des. Tarcísio Martins Costa

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminares e negar provimento.

Belo Horizonte, 17 de junho de 2008. - Tarcísio Martins Costa - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. TARCÍSIO MARTINS COSTA - Cuida-se de apelação interposta contra a r. sentença de f. 296/301-TJ, proferida pelo digno Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Uberaba, que, nos autos da ação de usucapião manejada por Solange Santos Rezende, em face de Edison Santos Rezende Júnior e outros, julgou procedente o pedido para declarar o domínio da autora sobre o imóvel descrito na inicial, condenando os réus nos ônus sucumbenciais, suspensa, contudo, a sua exigibilidade nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50.

Consubstanciado seu inconformismo nas razões de f. 305/316, buscam os apelantes a reforma do r. decisum, argüindo a prefacial de impossibilidade jurídica do pedido por entender incabível a pretensão de usucapir imóvel em condomínio.

No mérito, sustentam que, diferentemente do que afirmou a apelada, seu falecido pai exerceu posse sobre o imóvel, ainda que por curto período, sendo, pois, inegável que esta lhes foi transmitida em virtude de sua morte.

Salientam que a recorrida sempre teve consciência de que usufruía do imóvel por mera complacência do irmão e, após o falecimento dele, por benevolência de sua cunhada e sobrinhos, não havendo, assim, se cogitar de animus domini.

Argumentam que o prazo prescricional somente começou a fluir quando a herdeira Élida de Oliveira Rezende alcançou a maioridade, ao completar 21 anos, em 1987, consoante o disposto no art. 169, I, c/c o art. 5º do Código Civil de 1916, o que, por si só, demonstra não haver transcorrido o prazo de 20 anos, previsto no art. 550 do referido diploma legal, para a aquisição da propriedade mediante usucapião extraordinária.

Reprisam, ao final, a falta do animus domini, pois impossível cogitar de sua existência, quando a posse é precária, decorrente de atos de mera tolerância e permissão dos verdadeiros proprietários, sendo esse o caso dos autos.

Regularmente intimada, a apelada ofereceu contra-razões, pugnando, preliminarmente, pelo não-conhecimento do recurso, por deserto, ao argumento de que a complementação do preparo, realizado de forma insuficiente, somente ocorreu após o decurso do prazo recursal. No mérito, em evidente infirmação, bate-se pelo desprovimento do apelo.

Parecer da ilustrada Procuradora de Justiça, Dr.ª Luíza Carelos, opinando pela rejeição da prefacial de não-conhecimento e pelo desprovimento do recurso (f. 342/350).

À f. 352, foi deferido o pedido de habilitação da sucessora da autora/apelada.

Preliminar: não-conhecimento do recurso - deserção.

Levanta a recorrida, em suas contra-razões, a prefacial de não-conhecimento do recurso por deserto, pois a complementação do preparo, realizado de forma insuficiente, somente ocorreu após o transcurso do prazo recursal.

Não lhe dou razão, data venia.

Ainda que os apelantes não tivessem realizado a complementação do preparo dentro do prazo recursal, depois de constatada a sua insuficiência, deve-se oportunizar à parte a complementação, inclusive após escoado o prazo de interposição do recurso, nos exatos termos do art. 511, § 2º, do Digesto Processual Civil.

Assim a jurisprudência:

"Processo civil. Apelação. Preparo insuficiente. Porte de remessa e retorno. Complementação. Inexistência. Divergência jurisprudencial não comprovada. Súmula nº 83/STJ.

1. Quando o preparo for realizado de forma insuficiente, a parte deve ser intimada para realizar a complementação do valor pago. Após o transcurso do prazo concedido e quedando-se inerte o recorrente, tem-se por deserto o recurso.

2. 'Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida' (Súmula nº 83 do STJ).

3. Recurso especial conhecido pela alínea a e improvido" (REsp nº513.469/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, j. em 19.9.2006, DJ de 25.10.2006, p. 187).

"Tributário. Processual civil. FGTS. Preparo insuficiente. Complementação. Deserção afastada. Precedentes.

I - A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de que a insuficiência do preparo gera sua complementação, e não a deserção. Precedentes: REsp nº 404681/PA, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 06.10.2003; REsp nº 416511/SP, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, DJ de 06.10.2003; REsp nº 74011/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 15.09.2003.

II - Agravo regimental improvido" (AgRg no Ag nº444.606/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, j. em 7.12.2004, DJ de 14.3.2005, p. 197).

Com esse enfoque, rejeita-se a prefacial.

Presentes os pressupostos que regem sua admissibilidade, conhece-se do recurso.

Preliminar: impossibilidade jurídica do pedido.

Argúem os apelantes a prefacial de impossibilidade jurídica do pedido, ao fundamento de que incabível a pretensão de usucapir imóvel em condomínio.

Como cediço, para que o processo tenha eficácia, dizer é, para que o demandante alcance o objetivo proposto, obtendo a prestação jurisdicional invocada, faz-se necessário que a lide esteja deduzida com observância de alguns requisitos básicos, sem os quais o órgão jurisdicional não estará em situação de enfrentar o litígio e dar às partes uma solução que componha definitivamente o conflito de interesses.

Dentro desse princípio, estabelece a lei processual normas específicas a serem adotadas, nominando-as como condições da ação, que, para Arruda Alvim, "são as categorias lógico-jurídicas existentes na doutrina e, muitas vezes na lei, mediante as quais se admite que alguém chegue à obtenção da sentença final", estando esse instituto corporificado no trinômio: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de partes e interesse de agir.

Por possibilidade jurídica do pedido, consoante decidiu o Superior Tribunal de Justiça, entende-se a "admissibilidade da pretensão perante o ordenamento jurídico, ou seja, previsão ou ausência de vedação, no direito vigente, do que se postula na causa" (RT 652/183).

Ainda sobre o tema, os valiosos ensinamentos de Egas Moniz de Aragão:

"[...] o Direito brasileiro há longo tempo conhece preceitos que autorizam o juiz a decidir as causas que lhe sejam submetidas, ainda mesmo que falte uma previsão legislativa a seu respeito, sem que se possa, portanto, negar sumariamente a pretensão, por se reputar formada, em caso tal, a vontade negativa da lei, a que alude Chiovenda, [...].

Em face dessas considerações, parece que o verdadeiro conceito da possibilidade jurídica não se constrói apenas mediante a afirmação de que corresponde à prévia existência de um texto que torne o pronunciamento pedido admissível em abstrato, mas, ao contrário, tem de ser examinado mesmo em face da ausência de tal disposição [...].

Sendo a ação o direito público subjetivo de obter a prestação jurisdicional, o essencial é que o ordenamento jurídico não contenha uma proibição ao seu exercício; aí, sim, faltará a possibilidade jurídica. Se o caso for de ausência de um preceito que ampare, em abstrato, o pronunciamento pleiteado pelo autor, ainda não se estará, verdadeiramente, em face da impossibilidade jurídica" (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v. II, p. 433/435).

Na hipótese dos autos, é certo que há permissão abstrata na legislação material e processual vigente quanto à possibilidade de se requerer a declaração da prescrição aquisitiva, não constituindo óbice para tanto que o imóvel esteja em condomínio.

Ademais, doutrina e jurisprudência têm admitido a possibilidade de que o condômino adquira a propriedade do imóvel comum através de usucapião, especialmente na modalidade extraordinária, desde que exerça a posse, com exclusividade, sobre parte determinada do bem ou sobre a totalidade deste.

Nesse sentido, a lição de Benedito Silvério Ribeiro:

"[...] o condômino, malgrado esteja vinculado a uma comunhão de domínio, poderá usucapir a sua quota-parte no imóvel comum, desde que tenha a sua parte ou posse sobre área localizada e demarcada.

Igualmente, poderá usucapir contra todos os comunheiros, excluindo as partes destes. Deverá, contudo, comprovar posse sobre o todo.

Não há causa de suspensão da prescrição entre compossuidores nem entre a herança e o herdeiro. O autor da herança, podendo exercitar a ação contra o herdeiro eventual, desde que falecido, passaria esse direito de agir ao espólio, que muito bem pode interromper a prescrição. O espólio ou herdeiros negligentes não poderiam ser beneficiados nem ter suspensa a prescrição em seu favor, tanto que a lei civil não abarcou tal situação.

Quanto aos compossuidores, a lei não conferiu benefício, pois, nascida a ação para qualquer deles contra um ou os demais, a partir de sua promoção corre o prazo de prescrição da mesma.

Dessa forma, entremostra-se plenamente possível que o titular de fração certa e localizada no condomínio se valha do processo de usucapião para o reconhecimento do domínio de sua quota-parte. [...]

Poderá, também, o condômino intentar ação de usucapião para o reconhecimento da propriedade sobre todas as partes, excluindo os demais co-proprietários. A posse sobre o todo precisa restar cumpridamente provada, sendo indispensável a observância dos demais requisitos legais, especialmente o animus domini.

Ao herdeiro, tendo a posse e o domínio dos bens do de cujus, ocorrendo o falecimento deste (CC, art. 1.572), não é dado valer-se da usucapião ordinária, pois a herança é uma universalidade de coisas, achando-se em comum os bens que a constituem.

[...] No entanto, como condômino em parte ideal de bens deixados por pessoa morta, fica-lhe ressalvada a prescrição de prazo longo" (Tratado de usucapião. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, v. I, p. 285).

Mais adiante esclarece:

"[...] no que concerne à usucapião extraordinária, é possível em favor de um condômino contra outro, uma vez que o estado de condomínio cesse de fato pela posse exclusiva de um, em seu nome, por mais de vinte anos, com a intenção manifesta e inequívoca de ter todo o imóvel como seu. Sempre que tenha, em suma, a exclusividade de uma posse localizada. [...].

Cessando o condomínio, ainda que de fato, pelo exercício de um dos condôminos, quanto à sua parte ideal, ou mesmo do todo, com intuito de exclusão dos demais, há considerar que o princípio da imprescritibilidade somente é verdadeiro na constância do condomínio.

Portanto, cessa este não só na hipótese do condômino que intenta usucapião para reconhecimento de sua parte, desde que certa e delimitada, mas também daquele que, excluindo os demais comunheiros, visa ao domínio sobre a globalidade do bem usucapiendo. [...]

O herdeiro ou condômino que pretender usucapir contra os consortes precisa alegar e provar que cessou de fato a composse, estabelecendo-se posse exclusiva pelo tempo necessário à usucapião extraordinária, com os demais requisitos que esta requer" (op. cit., p. 286/287).

Assim também a jurisprudência:

"Civil. Usucapião declarada em favor de condômino. Reflexos na ação ordinária proposta por outro condômino contra terceiro em razão da mesma área. - O usucapião de parte certa e determinada de condomínio tem o efeito de, nesta medida, individuar a área desapossada como propriedade exclusiva; já não subsistindo o condomínio, cessa a incidência do art. 623 do Código Civil. [...]" (STJ, REsp nº 101.009/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 13.10.98, DJU de 16.11.98, p. 40, Lex-STJ 117/157, RT 764/175).

"Usucapião extraordinário. Imóvel em condomínio. Prova de posse exclusiva de um dos condôminos. Acessio possessiones. Posse exclusiva de um dos proprietários sobre o imóvel objeto da co-propriedade. Afastamento da posse dos demais condôminos. Acessio possessiones em favor do único herdeiro do condômino possuidor. Art. 552, CCB/1916. Reconhecimento da usucapião. Precedente. Ausência de prova da mera tolerância alegada. Ônus dos réus. Art. 333, II, CPC. Negaram provimento" (Apelação Cível nº 70020650131, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, j. em 16.10.2007).

"Apelação cível. Usucapião extraordinário. Área em condomínio. Possibilidade. - Na esteira do entendimento que vem professando este Órgão Colegiado, é perfeitamente possível, em sede de usucapião extraordinário, ser declarado o domínio em favor de condômino, desde que exerça posse própria e exclusiva sobre o bem, sem oposição e com animus domini. Apelo desprovido" (Apelação Cível nº 70019563105, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Guinther Spode, j. em 31.07.2007).

No caso vertente, consoante se extrai da peça de ingresso, a autora se diz possuidora única de todo o imóvel, o que a torna, pelo menos em tese, habilitada a pleitear a aquisição da propriedade por meio da ação de usucapião.

Não há, pois, se falar em impossibilidade jurídica do pedido, pois o ordenamento jurídico não afasta a possibilidade de que o condômino que afirma possuir o bem em nome próprio, com exclusividade e ânimo de dono há mais de vinte anos, recorra ao Poder Judiciário, pleiteando o reconhecimento da aquisição da propriedade, mediante usucapião extraordinário.

Se faz jus, ou não, à almejada prescrição aquisitiva, é matéria de mérito.

Com esse enfoque, rejeita-se a prefacial.

Mérito.

Examinando, cuidadosamente, o compêndio processual, tenho que a r. sentença atacada não merece reparo algum.

Mostram os autos que a autora/apelada ajuizou a presente ação, objetivando a prescrição aquisitiva do imóvel urbano, medindo 339,36 m2, sito na Rua Marechal Deodoro, nº 12, na cidade de Uberaba (f. 4), sustentando exercer sobre o bem posse mansa, pacífica e ininterrupta há mais de vinte anos.

Narra ter adquirido o terreno usucapiendo em 22 de janeiro de 1957, com esforço próprio, mas que, para atender aos requisitos do financiamento bancário, este foi registrado também em nome de seu irmão, Edison Santos Rezende, na proporção de 50%, para cada um.

Diz que seu irmão, falecido em 1966, nunca exerceu posse sobre o terreno e que tanto ele como sua esposa sempre reconheceram seu direito de exclusividade sobre o mesmo. Todavia, os requeridos, filhos do casal, a notificaram, objetivando receber pagamento de aluguel, motivo pela qual ajuizou a presente ação.

Sabe-se que a usucapião, como forma originária de aquisição da propriedade, na expressão de Clóvis Bevilacqua, forma de "aquisição do domínio pela posse prolongada", exige preenchimento dos requisitos legais, alistados no art. 550 do Código Civil de 1916, reproduzidos no art. 1.238 do NCCB, com algumas alterações.

Na definição de Pinto Ferreira:

"O usucapião extraordinário é aquele que gera domínio em 20 anos para quem, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, independentemente de título e boa-fé, que em tal caso se presume, devendo requerer ao juízo que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no Registro de Imóveis" (Posse, ação possessória e usucapião. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 163).

Postas essas premissas e considerando os requisitos para aquisição da propriedade imóvel através de usucapião extraordinário, a saber, a posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o bem, com ânimo de dono, pelo prazo mínimo de 20 anos (CC/1916, art. 550), ao exame detido dos autos, cheguei à mesma conclusão do douto Julgador.

Dúvida não subsiste de que a autora ocupou o imóvel objeto da lide, com exclusividade, por mais de cinqüenta anos, ou seja, desde sua aquisição. Sob tal aspecto, uníssona a prova oral produzida (f. 273/277-TJ), do que não dissentem os próprios requeridos/apelantes.

Argumentam, entretanto, os requeridos que não restou preenchido o prazo prescricional de vinte anos, necessário à aquisição do imóvel através da usucapião, porquanto uma das herdeiras do falecido irmão da autora, co-proprietário do imóvel usucapiendo, somente alcançou a maioridade em 1987, interrompendo, por conseguinte, a contagem daquele nos termos do art. 169, I, c/c art. 5º do Código Civil de 1916.

De fato, nos termos do disposto no art. 169, I, do Diploma Civil de 1916, a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 5º.

Ocorre, contudo, que os "incapazes" de que trata o art. 5º são apenas os absolutamente incapazes, ou seja, os menores de 16 anos.

Nesse passo, tendo a requerida mais jovem, Élida de Oliveira Rezende, nascida em 27 de outubro de 1966, atingido a capacidade relativa em 27 de outubro de 1982, nessa data passou a fluir contra ela o prazo prescricional.

Dessa forma, entre outubro de 1982 e março de 2005, quando a autora fora notificada pelos requeridos para realizar o pagamento dos aluguéis, transcorreram mais de 22 anos, tempo suficiente a perfazer o prazo exigido para a prescrição aquisitiva.

Quanto à alegação de que a autora não exerceu posse com animus domini, penso que, também, sob este aspecto, não merece guarida a insurgência dos apelantes.

O em. Min. Orozimbo Nonato, em erudito voto proferido na Corte Suprema, assinalou que:

"Animus domini é a intenção de exercer em nome próprio o direito de propriedade, o que não se confunde com a convicção da legitimidade desse exercício, que é a boa-fé" (Arquivo Judiciário 71/310. Wilson Bussada. Usucapião interpretado pelos tribunais. 2. ed. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1978, op. cit., p. 46).

Orlando Gomes, ao tratar do requisito subjetivo do animus domini, destaca que:

"A posse que conduz à usucapião deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente".

E, logo adiante, prossegue, esclarecendo:

"a) O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse [...].

b) A posse deve ser mansa e pacífica, isto é, exercida sem oposição. O possuidor tem de se comportar como dono da coisa, possuindo-a tranqüilamente. A vontade de conduzir-se como proprietário do bem carece ser traduzida por atos inequívocos. Posse mansa e pacífica é, numa palavra, a que não está viciada de equívoco. Na aparência, oferece a certeza de que o possuidor é proprietário.

c) Além de pacífica, a posse precisa ser contínua" (Direitos reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 155).

Por sua vez, disserta o saudoso Professor Caio Mário da Silva Pereira:

"Não é qualquer posse, repetimos; não basta o comportamento exterior do agente em face da coisa, em atitude análoga à do proprietário; não é suficiente a gerar aquisição, que se patenteie a visibilidade do domínio. A posse ad usucapionem, assim nas fontes como no direito moderno, há de ser rodeada de elementos, que nem por serem acidentais, deixam de ter a mais profunda significação, pois a lei a requer contínua, pacífica ou incontestada, por todo o tempo estipulado, e com intenção de dono [...]. Requer-se, ainda, a ausência de contestação à posse, não para significar que ninguém possa ter dúvida sobre o conditio do possuidor, ou ninguém possa pô-la em dúvida, mas para assentar que a contestação a que se alude é a de quem tenha legítimo interesse, ou seja, da parte do proprietário contra quem se visa a usucapir.

A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com intenção de dono - com animus domini. Este requisito psíquico de tal maneira se integra na posse, que adquire tônus de essencialidade" (Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. IV, p. 105).

No caso posto em lide, a prova oral coligida (f. 272/277) deixa claro que a autora exerceu posse do imóvel, nos vinte anos que antecederam a notificação, com ânimo de dona.

A testemunha Eunice Côbo Tonelli, assim se expressa:

"que conhece o imóvel objeto da ação, pois foi vizinha e pode informar que a autora reside no mesmo desde 1967 até a presente data, desde aquela época a autora não sofreu a oposição de quem quer que seja e sempre permaneceu no imóvel; os vizinhos respeitam a autora como dona do imóvel" (f. 273).

É o que também se extrai das palavras da testemunha Irene Caetano, à f. 274:

"que conhece o imóvel objeto da ação, pois é vizinha desde 1974; a autora nunca sofreu oposição na ocupação do imóvel e é respeitada pelos vizinhos como dona do imóvel; o imóvel é conservado pela autora; a autora foi quem fez as ampliações no imóvel".

Do que não destoa a testemunha Carmem Silva Andrade Rossi (f. 275-TJ).

Denota-se, portanto, que a apelada sempre teve posse com intenção manifesta de possuir com exclusividade.

Ademais, as alegações dos apelantes de que a autora permaneceu no imóvel por ato de mera benevolência, respaldadas apenas no depoimento isolado da testemunha Maria Odete (f. 276-TJ), e de que o falecido irmão da apelada lhe teria emprestado o imóvel são extremamente frágeis, não abalando minimamente a certeza necessária acerca da presença irretorquível do requisito do animus domini.

Nesse particular, conforme ressaltou a ilustre Procuradora de Justiça, Dr.ª Luíza Carelos:

"De fato, os próprios requeridos reconheceram a sua posse exclusiva sobre o imóvel e as testemunhas foram unânimes em reconhecer a atitude de dona exercida pela requerente sobre o imóvel (f. 274/278). Por outro lado, o apelante não comprovou fato impeditivo do direito da autora (art. 333, inciso II, do CPC), ao não fazer prova de que a posse da requerente ocorreu por ato de mera tolerância e de forma precária, o que impõe o provimento total dos pedidos iniciais" (f. 349-TJ).

Por bem se aplicar ao caso em exame, transcrevo o aresto trazido no bem-lançado parecer ministerial:

"Os atos de mera tolerância sobre os quais versa o art. 497 do CCB/16 se distinguem da verdadeira renúncia do senhor da terra aos seus direitos sobre o imóvel pela presença de atos do proprietário que externam interesse. Inexistindo indícios de que, por período superior a 20 anos, houve qualquer ato de custódia pelos proprietários, ou imposição de limites ao exercício da posse, controle, acompanhamento ou incômodo, deixando que o possuidor exercesse direitos ao seu livre-arbítrio. Erguendo em torno do espaço todos os aspectos de sua vida, vislumbra-se o ânimo de dono e a inércia configuradora da prescrição aquisitiva (TJMG, Apelação Cível 2.0000.00.508307-6/000, Rel. Des. Elias Camilo, 14ª Câmara Cível, 1º.02.2006)".

Anota-se, por fim, como bem pontuou o douto Magistrado singular, que o fato de ter o finado Edison obtido empréstimo a fim de financiar a aquisição do imóvel não descaracteriza a conduta de dona do bem, nos últimos vinte anos que antecederam à sua notificação, mormente porque contraído em época muito anterior a tal período.

A inércia do irmão da apelada, por mais de dez anos, já que faleceu em 1966, e de seus sucessores, por quase quarenta anos, a meu aviso, só vem corroborar a narrativa da peça de ingresso, de que a autora adquiriu o imóvel usucapiendo com esforço próprio, em 22 de janeiro de 1957, mas, para atender ao requisito renda a fim de obter o financiamento, se viu obrigada a adquiri-lo com o irmão, conforme consta do registro imobiliário, à razão de 50% para cada um.

Ora, tendo este falecido nos idos de 1966, mostra-se, no mínimo, incompreensível que seus sucessores só viessem a se manifestar, através de notificação, buscando receber os aluguéis que entendiam fazer jus no ano de 2005, ou seja, 39 anos após o falecimento de seu genitor.

Nesse contexto, salta aos olhos, como, aliás, comprovado nos autos, a não mais poder, que a autora/recorrida exerceu posse mansa, pacífica e exclusiva por mais de 20 (vinte) anos, com ânimo de dono (CCB, Art. 550), pelo que outra não poderia ter sido a r. decisão monocrática.

Com tais razões de decidir, rejeitam-se as preliminares e nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume a r. decisão hostilizada por seus e por estes fundamentos.

Custas recursais, pelos apelantes, suspensa, contudo, sua exigibilidade nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Antônio Braga e Pedro Bernardes.

Súmula - REJEITARAM PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 22/11/2008.

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