Anulado o Concurso para Cartórios em Pernambuco

Por decisão de 09/04/2002, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, Des. Napoleão Tavares, tornou sem efeito o Ato nº 1.618/01 e anulou o Edital nº 01/2001 - TJPE/Serviços do Extrajudicial, que dispunha sobre o Concurso Público para Provimento por Remoção e Ingresso da Titularidade dos Serviços Notariais e de Registros no Estado de Pernambuco. As provas, objetiva e prática, do Concurso haviam sido realizadas em 23 de fevereiro de 2002.
Veja o inteiro teor da decisão, publicada no Diário Oficial do Estado de Pernambuco na data de 12/04/2002:

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO, DES. NAPOLEÃO TAVARES, PROFERIU EM DATA DE 09.04.2002, A SEGUINTE DECISÃO:

Petição (008051-1) – Zorildo da Silva Régis e Rosana Pecorelli Pimentel Magalhães Bastos, ref. reconsideração decisão exarada no processo nº 01/02 – SEJU: 

"Vistos, etc.

ZORILDO DA SILVA RÉGIS E ROSANA PECORELLI PIMENTEL MAGALHÃES BASTOS, ambos serventuários de justiça pretendem que esta Presidência reconsidere decisão anterior negatória de nulidade do concurso público para provimento por remoção e por ingresso da titularidade dos serviços notariais e de Registros, no Estado de Pernambuco. 

Primeiramente alegam que, em conformidade com o item nº 07 do edital regulamentador do certame em questão, as provas objetiva e prática (para os serviços de Registro Civil RC) tiveram data de realização designada para o dia 23 de fevereiro de 2002, nos termos precisados no sub-item 7.3. Afirmam que esta designação afronta o artigo 97 da Constituição do Estado de Pernambuco. Esta argumentação foi considerada como insubsistente em razão de o dito dispositivo constitucional ter sido revogado pela Emenda Constitucional nº 16, de modo que não subsiste qualquer restrição quanto à possibilidade de realização de provas de concursos públicos, aos sábados, neste Estado. 

Uma segunda questão aventada pelos peticionários cinge-se ao fato de o sub-item 7.3.1 haver determinado que os locais e horários de aplicação das provas deveriam ser publicados no DO, em data provável de 06 ou 07 de fevereiro de 2002, nos seguintes termos:

"Os locais e horários de aplicação das provas serão publicados no Diário do Poder Judiciário do Estado de Pernambuco, afixados nos quadros de avisos do TJPE, Praça da República s/nº, Centro, e do CESPE, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências (ICC), ala norte, subsolo, Asa Norte, Brasília/DF, e divulgados na internet, no endereço eletrônico http:/www.cespe.unb.br, na data provável de 06 ou 07 de fevereiro de 2002.".

Este argumento também foi rejeitado por esta Presidência, posto que a publicação verificou-se no endereço eletrônico http:/www.cespe.unb.br, onde constava o local das provas bem como a confirmação das respectivas datas. 

A exigência editalícia fixou data "aproximada" para a publicação dos locais das provas (06 ou 07 de fevereiro), data provável de publicação. Esta veio a ocorrer em tempo hábil capaz de proporcionar aos candidatos a prévia ciência da hora e do endereço onde deviam comparecer. Sob este aspecto, a regularidade do concurso era evidente ante a ausência de prejuízo capaz de gerar qualquer nulidade, já que a publicação não agrediu o edital. Assim, e considerando que provável [Do latim Probabile, adjetivo de dois gêneros], segundo Aurélio Buarque de Holanda, significa tanto algo que se pode provar, quanto algo que apresenta probabilidades de acontecer, indeferiu-se o requerimento.

DO OBJETO DA RECONSIDERAÇÃO. 

Argumentam que o artigo 18 da Lei Federal nº 8935/94 não foi obedecido pelo fato de inexistir lei estadual no Estado de Pernambuco que regulamente os critérios para o concurso por remoção. No exame anterior indeferiu-se o requerimento de anulação do certame porque se considerou que aquele dispositivo não exigia lei estadual em sentido estrito, isto é, enquanto ato legislativo emanado do Parlamento Estadual.

Vejamos a literalidade deste dispositivo:

"art. 18 – A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção."

A questão nuclear deste argumento gravitava acerca do sentido e alcance da expressão legislação, tal como inserida no sobredito artigo. Por questão de ordem deixou-se claro que o artigo 18 vinculou e adstringiu a dicção legislação à disposição das normas e critérios para fins de concurso de remoção, apenas. 

Isto quer dizer que a lei (tomando-se a expressão em sentido amplo) neste caso, não poderia contrariar, como é obvio, a Lei nº 8935/94. O alcance da expressão "legislação", portanto, não poderia ultrapassar os albores das mesmas prerrogativas e, principalmente, das restrições que se vertem para os regulamentos. Este foi o sentido que se conferiu à expressão "legislação", ou seja, com conotação meramente regulamentar.

Todavia, voltam os requerentes, nesse requerimento de reconsideração, com a notícia jurisprudencial de que o Superior Tribunal de Justiça já havia interpretado o artigo 18 da Lei Federal 8935/94, outorgando-lhe conotação distinta da concebida anteriormente no pedido administrativo ora em reapreciação. 

Com efeito, consultando o Site do STJ, verifica-se que no julgamento de Recurso Ordinário no Mandado de Segurança nº 10.992-RS, aquela Corte (STJ), cuja função precípua é a de interpretar a lei federal, entendeu que o artigo 18 da Lei nº 8935/94 estava a exigir "lei" estadual em sentido formal. Vejamos:

"Se a legislação que busca regular a incidência e aplicação do dispositivo constitucional (art. 236, § 3o, da Constituição Federal), prevê a edição de lei estadual fixando normas e critérios a serem observados para efeitos

de preenchimento de vagas por remoção (art., Lei nº 8935/94), sua aplicação fica na dependência de lei regulamentadora (...) E, relegando a mesma lei regulamentadora competência para que o legislador estadual estabeleça ‘as normas e os critérios para o concurso de remoção’...". (Grifamos. Cf., ROMS 10992-RS-STJ).

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça não deixa qualquer dúvida quanto à necessidade da existência de lei, em sentido formal, para regulamentar o concurso por remoção.

No mesmo sentido da concepção do Superior Tribunal de Justiça firma-se o conteúdo do parecer acostado ao presente requerimento de reconsideração, da lavra do Eminente Ministro Luiz Rafael Mayer. Ao ser indagado quanto à necessidade, ou não, de lei formal para que se efetive o certame notarial pelo critério de remoção, disse Sua Excelência:

"...o Tribunal de Justiça não tem a mínima atribuição de editar, mediante resolução, normas de divisão e organização judiciária, como deteve em passado remoto, muito menos normas pertinentes ao Serviço Notarial e de Registro (...) Portanto, a edição, pelo Tribunal de Justiça, da Resolução nº 100/98, de 22.6.98, e da Resolução 122/99, de 19.3.99, representa uma flagrante usurpação da competência do Poder Legislativo, estando, por isso, ambos os atos maculados de manifesta inconstitucionalidade, o que os nulifica de modo absoluto." (Confira-se parecer em anexo, p. 05).

Não há como negar a correção do entendimento que submete o alcance do artigo 18 da Lei nº 8935/94 ao princípio da legalidade deve ser seguido. De modo que a norma regulamentadora do concurso pelo critério de remoção deve ater-se ao determinado pela Lei nº 8935/94. Conseqüentemente, qualquer direito criado ou contrariado pelas Resoluções de nº 100/1999 e 122/1999, em face da Lei Federal nº 8935/94, acarreta sua respectiva nulidade. Neste sentido diz Celso Antônio Bandeira de Mello: 

"Nem favor nem restrição que já não se contenham previamente na lei regulamentada podem ser agregados pelo regulamento.".1

Walter Ceneviva, autor especializado em matéria notarial, ressalta: 

"A competência estadual e do Distrito Federal compreende todos os aspectos administrativos, disciplinares e funcionais do trabalho dos cartórios, o que, em São Paulo, vem expresso no art. 77 da Constituição do Estado. A lei da divisão e organização judiciária estadual é elaborada pelo Poder Legislativo local, mediante proposta de competência privativa do respectivo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 99 da CF c.c. o art. 125, § 1º. O entendimento geralmente acolhido afirma a vantagem da autonomia dos Estados nessa matéria, considerando a preponderância de peculiaridades locais em matéria de organização e distribuição dos serviços notariais e de registros.2 

DA NULIDADE DO CONCURSO.

Considerando que a falta de lei estadual invalida o concurso por remoção, resta indagar se tal nulidade atingiria, ou não, o concurso por ingresso. 

Primeiramente, deve-se ter em conta que o edital, de acordo com escólio de Hely Lopes Meirelles, se constitui na lei do certame público, devendo, por isso mesmo, ser rigorosamente observado, sob pena de se macular o ato administrativo respectivo de vício capaz de ensejar-lhe a nulificação. 

A Lei nº 8666, de 21 de junho de 1993, determina no artigo 41 que a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada. Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, ao comentar o dispositivo, diz que: 

"Com efeito, abaixo da legislação pertinente à matéria, é o edital que estabelece as regras específicas de cada licitação. A administração fica estritamente vinculada às normas e condições nele estabelecidas, das quais não pode se afastar." (Cf., Curso de Direito Administrativo, Malheiros, p. 327).

No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, decidiu:

APC - APELAÇÃO CÍVEL

NÚMERO: 0034088 ANO: 94 UF:DF - DISTRITO FEDERAL

REG.INT.PROCES.: 76.556 APC0034088

DECISÃO: 08.05.95 ÓRGÃO JULG.: 64 - QUARTA TURMA CÍVEL

RELATOR: DESEMBARGADOR ESTEVAM CARLOS LIMA MAIA

PUBLICAÇÃO: DJDF DATA: 24.05.95 PÁG.: 6.893

EMENTA:

- Constitucional e Administrativo - Concurso Público - Prova de títulos - Alteração - Impossibilidade - Sentença mantida - Improvimento da apelação e da remessa ex officio. 1. Estabelecidos os critérios para a prova de títulos, não é lícito à Administração alterá-los, tanto mais quando encerradas as demais fases do certame e mediante ato de quem não detém, isoladamente, competência para fazê-lo, da sorte que merece ser prestigiada a sentença que, em decorrência, decreta a nulidade do ato inquinado, com vistas a observância do que, a propósito prescreve o Edital regulador do concurso. 2. Apelo e remessa oficial improvidos. 

Pois bem, o edital do presente certame indicou, em sua publicação inicial, que: 01- a data de vacância do Cartório do Primeiro Ofício de Notas de Garanhuns, teria ocorrido em 10.01.96, quando, de fato, ocorreu em 10.01.98; 02- a data de vacância da Serventia da Comarca de Vitória de Santo Antão do Registro Civil teria ocorrido em 10.12.1981, quando de fato deu-se em 04.05.1993; 03- o Cartório do Segundo Ofício do Tabelionato de Notas e Protestos de Títulos de Jaboatão dos Guararapes, estaria apto a ser preenchido, quando, na verdade, tal serventia havia sido excluída do concurso por força de decisão proferida no Mandado de Segurança nº 78905-3; 04- o mesmo ocorreu com o Cartório de Nossa Senhora do Ó, cujo ato de vacância veio a tornar-se sem efeito por conseqüência do trânsito em julgado da decisão do MS nº 56746-0.

Em seguida, a Egrégia Corregedoria tentou corrigir as falhas apontadas. Todavia, nos termos do Art. 16 da lei 8935/94, as vagas devem ser preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por concurso de remoção, de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. 

E mais: o parágrafo único desse mesmo artigo determina que, para se estabelecer o critério do preenchimento, tomar-se-á por base a data de vacância da titularidade ou, quando vagas na mesma data, aquela da criação do serviço. Ora, se o edital disponibilizou as serventias a serem preenchidas levando em consideração as vacâncias existentes na época da publicação do edital, os candidatos, por sua vez, habilitaram-se ao concurso levando, também, em consideração as respectivas serventias ofertadas, malgrado o equívoco mencionado acima viesse, em seguida, alterar a ordem de preenchimento das vagas.

Dessa forma, a alteração do edital, por acarretar alteração na ordem de provimento das serventias, prejudica os candidatos, indiscutivelmente. Estes se inscreveram para concorrer a determinadas serventias que, no entanto, por conta da alteração editalícia, não corresponderão àquelas que serão, de fato, disponibilizadas ao final. A incoincidência entre as serventias previstas no edital e aquelas que serão oferecidas, verifica-se, ainda, em razão de várias delas terem sofrido alteração quanto ao critério de preenchimento: serventias que apareciam, a princípio, como vagas para o critério de remoção, passaram a constar para preenchimento pelo critério de ingresso. Inegável, pois, que a alteração editalícia prejudica os concorrentes.

Finalmente, deve-se ainda levar em consideração que o artigo 20 da Constituição do Estado de Pernambuco, explicitamente, exigiu que a criação e extinção de cargos dos serviços auxiliares do Poder Judiciário depende de lei formal, verbis: "É da competência exclusiva da Assembléia Legislativa e privativa dos Tribunais a iniciativa das leis, que disponham sobre a criação e extinção de cargos de suas Secretarias e serviços auxiliares, e a fixação dos respectivos vencimentos, respeitadas as limitações previstas na Constituição da República, a cujos projetos somente poderão ser admitidas emendas com os requisitos nela estabelecidos." 

* * *

Em conclusão, e, considerando que o artigo 18 da Lei Federal nº 8.935/94, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, exige lei estadual (em sentido formal-legislativo) para a regulamentação do concurso, pelo critério de remoção para os serviços notariais e de registros, no Estado de Pernambuco; considerando que a alteração na ordem da vacância das serventias promovida pela Egrégia Corregedoria Auxiliar para o Extrajudicial proporcionou alteração na disponibilização das Comarcas listadas pelo Edital; considerando, enfim, que o artigo 41 da Lei nº8666, de 21 de junho de 1993, proíbe que se proceda alterações no Edital, resolvo, com fundamento nos artigos 16 e 18 da Lei Federal 8935/94, c/c artigo 236 da Constituição Federal, tornar sem efeito o Ato nº 1618/01, para anular o Edital nº 01/2001-TJPE/Serviços do Extrajudicial e, conseqüentemente, o concurso público para provimento por remoção e por ingresso da titularidade dos serviços notariais e de Registros, no Estado de Pernambuco, evidente, ainda, a nulidade das Resoluções nº 100/98, de 22.6.98, e 122/99, de 19.3.99, por agredirem ao artigo 18 da lei 8935/94.

Publique-se."

Recife, 11 de abril de 2002.

BEL. JOSÉ ARTEIRO VIEIRA DE MELLO
Secretário Judiciário


Fonte: Site do Diário Oficial do Estado de PE - 22/05/2002