Clipping - A cláusula resolutiva e os contratos de venda de imóveis

É possível que encontremos decisões que argumentam que a cláusula resolutiva expressa tem validade automática, ocorrendo, de fato, a resolução do contrato independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial e, claro, independentemente de uma sentença judicial

Mauro Barros
- Advogado sócio do escritório Pinheiro Barros Advocacia e Consultoria, especialista em direito empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV), professor de direito empresarial na Facsal

No mercado imobiliário, é comum o uso, nos contratos de promessa de compra e venda, de cláusula de resolução automática no caso de inadimplemento, pelo promitente comprador, de uma das parcelas que constituem o preço do imóvel. Trata-se da cláusula resolutiva expressa, também chamada de “pacto comissório”, prevista no artigo 474 do Código Civil (CC).

Assim, com a cláusula resolutiva expressa, seriam evitados os problemas que acompanham a necessidade de uma prévia declaração judicial para a extinção do contrato no caso de inadimplemento, tais como morosidade e despesas.

Regra geral, no caso dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, essas cláusulas dispõem que diante do inadimplemento de uma das parcelas do preço a ser pago, o contrato seria automaticamente rescindido, independentemente de prévia notificação do promitente comprador, ficando a promitente vendedora livre para renegociar o imóvel, sem que fosse necessária qualquer formalidade judicial ou extrajudicial.

Portanto, diante do inadimplemento, o contrato seria automaticamente rescindido, a pena pelo descumprimento – se prevista – aplicada, e o promitente comprador perderia o direito à posse do imóvel, devendo retirar-se, já que o objeto da promessa de compra e venda se encontraria livre para uma nova venda pelo até então promitente vendedor, que, caso necessário, poderia ajuizar uma ação de reintegração de posse.

Desde o período de vigência do Código Civil de 1916, que tratava da cláusula resolutiva expressa em seu artigo 1.163, discute-se qual o efeito prático do pacto comissório. Enquanto alguns juristas entendiam que o direito brasileiro teria adotado o modelo francês, de acordo com o qual a resolução contratual somente se daria mediante sentença judicial declaratória, outros defendiam a adoção do modelo alemão, que preconiza que, diante da inadimplência do devedor, o contratante prejudicado poderia resolver o contrato e exigir-lhe reparação por suas perdas e danos ele mesmo, independentemente de decisão judicial.

Ocorre que ainda são controversos os efeitos práticos das cláusulas resolutivas expressas no contratos, especialmente no que concerne às promessas particulares de compra e venda de imóveis. Na prática, as decisões judiciais vêm oscilando a respeito da aplicação e efeitos dessas cláusulas.

Assim, é possível que encontremos decisões que argumentam que a cláusula resolutiva expressa tem validade automática, ocorrendo, de fato, a resolução do contrato independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial e, claro, independentemente de uma sentença judicial. Tal entendimento se baseia no argumento de que, tendo o CC previsto a possibilidade de existência da cláusula resolutiva expressa nos contratos, deve-se conferir-lhe validade, sobretudo considerando-se a autonomia da vontade das partes e a liberdade no ato de contratar, sob pena de se privilegiar o devedor em mora.

Por outro lado, há decisões no sentido de que a cláusula resolutiva expressa, mesmo prevista para operar automaticamente, não teria efeitos de pleno direito no contrato particular de promessa de compra e venda, sendo necessária a prévia notificação extrajudicial ou judicial do promitente comprador inadimplente para que se opere a rescisão contratual. Tal entendimento se baseia na aplicação do artigo 32 da Lei 6.766/79 – Lei de Parcelamento do Solo Urbano – e do artigo 1º do Decreto-Lei 745/69, aplicável no caso dos imóveis não loteados.

E ainda, em alguns casos, julgadores entendem que os contratos particulares de promessa de compra e venda somente poderiam ser rescindidos por decisões judiciais que teriam, então, efeitos declaratórios, ex tunc, que retroagem à data do inadimplemento. Assim, nesse caso, os contratos particulares de promessa de compra e venda, mesmo prevendo a hipótese de resolução automática no caso de inadimplemento, somente poderiam ser rescindidos por decisão judicial.

Essa última corrente baseia-se na ideia de que a cláusula resolutiva expressa apenas garantiria uma sentença de efeitos retroativos, enquanto que nos casos em que não há tal cláusula, a sentença seria constitutiva, ou, mais propriamente, desconstitutiva de direitos, com efeitos ex nunc. Assim, os princípios da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório e da ampla defesa garantiriam a impossibilidade da rescisão contratual sem um devido processo legal.

Diante dessa oscilação jurisprudencial e até que a questão não se pacifique nos tribunais, para se reduzir o risco de eventuais ações judiciais de compradores inadimplentes que poderiam usar como fundamento a falta de prévia notificação para rescindir o contrato, é interessante ao vendedor do imóvel que envie ao comprador inadimplente uma carta, com aviso de recebimento, informando que, embora dispensado de fazê-lo, vem lhe dar ciência de que o contrato está rescindido de pleno direito, estando liberado para renegociar o imóvel.


Fonte: Jornal "Estado de Minas" - Caderno Direito & Justiça - 20/07/2009.

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