Clipping - STF confirma - quem não registra não é dono

A propriedade de bens imóveis somente se transfere após o registro em cartório do título em nome do novo dono.

Com base no entendimento, a ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie indeferiu liminar pedida por uma indústria agrícola cearense contra decreto presidencial que declarou seu imóvel rural como de interesse social, para fins de reforma agrária. A empresa alegou não ter sido devidamente comunicada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Mas, para a ministra, o proprietário que constava no registro de imóveis foi informado, o que é suficiente.

O imóvel rural é a “Fazenda Dulcineia”, localizada na cidade de Chorozinho, no Ceará. A Agroindústria e Comércio de Alimentos Franbel alegou que atua na produção e comercialização de fécula e outros subprodutos da mandioca, e que comprou a propriedade para garantir a produção de mandioca para abastecer a indústria. A empresa afirmou que o processo administrativo em que se constatou a suposta improdutividade da fazenda foi nulo, já que ela não foi notificada pelo Incra.

A agroindústria defendeu a ilegitimidade do antigo dono para figurar no pólo passivo do processo administrativo, uma vez ter havido transferência da propriedade, que teria sido incorporada ao patrimônio da empresa, antes da notificação da vistoria. Para a ministra, no entanto, a propriedade só se transfere depois do registro do título translativo. À época da vistoria, constava como proprietário, no Cartório de Registro de Imóveis, Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, que foi devidamente notificado da vistoria pelo Incra.

A empresa pediu ainda a nulidade dos atos do engenheiro agrônomo e do assistente de administração, considerando a extrapolação do prazo de 15 dias para apresentação do laudo agronômico de fiscalização. Ellen Gracie também não aceitou o argumento, considerando informações da Advocacia-Geral da União de que esse prazo tem o objetivo exclusivo de estabelecer lapso temporal razoável para a conclusão do processo administrativo.

Sobre a alegação da empresa de que houve a desconsideração do efetivo pecuário relativo à utilização das pastagens naturais para a alimentação de rebanho bovino, que teria causado o cálculo errôneo do grau de utilização da terra (GUT) da Fazenda Dulcineia, a ministra verificou que a informação foi negada pelo Incra. Assim, a comprovação do fato demandaria análise de provas, o que não poderia ser feito em um Mandado de Segurança.

Leia o despacho da Ministra aqui:

1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por Agro-indústria e Comércio de Alimentos Franbel Ltda contra ato do Presidente da República consubstanciado no Decreto de 25.5.2009 (fl. 242), publicado no DOU de 26.5.2009, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado “Fazenda Dulcinéia”, localizado no Município de Chorozinho - CE.

Diz a impetrante que atua na produção e comercialização de fécula e outros subprodutos da mandioca, tendo investido R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) e projetado mais investimentos no importe de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) até o ano de 2010, tudo com recursos próprios, empreendimento que fomenta o desenvolvimento socioeconômico do mencionado município. Ademais, o seu parque industrial teria “uma capacidade instalada para processar 50 toneladas de matéria-prima por dia, atualmente funcionando com capacidade total em apenas oito (8) meses do ano, por falta de matéria-prima, gerando 100 empregos diretos e mais de 500 empregos indiretos” (fl. 19).

Narra que adquiriu a referida propriedade rural com o objetivo de garantir a produção básica de mandioca para abastecer a citada indústria.

Discorre que a “Fazenda Dulcinéia possui especial importância estratégica para o bom funcionamento da empresa autora, tendo em vista sua proximidade em relação ao seu parque industrial” (fl. 3).

Alega a nulidade do Processo Administrativo 54130.000229/2008-53, no qual se constatou a suposta improdutividade da propriedade rural em apreço, porquanto, na qualidade de “real proprietária do imóvel” (fl. 4), não foi devidamente intimada ou notificada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra.

Argumenta que, apesar de as irregularidades do referido processo administrativo terem sido devidamente demonstradas e comprovadas pelo ex-proprietário do imóvel, por ocasião da vistoria e das defesas apresentadas, o Incra desconsiderou os vícios que contaminam tal procedimento, culminando com a publicação do Decreto Presidencial de 25.5.2009.

Sustenta a ilegitimidade de Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo para figurar no pólo passivo do processo administrativo, tendo em vista a transferência da propriedade da Fazenda Dulcinéia. Defende que, “em que pese na época da vistoria levada a cabo pelo Incra o registro imobiliário do imóvel em questão ainda constasse em nome do Sr. Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, a propriedade rural em apreço já não lhe pertencia há muito”, por ser “incontroverso que a Fazenda Dulcinéia foi incorporada ao patrimônio da empresa Agro-indústria e Comércio de Alimentos Franbel Ltda., ora impetrante, através de seus Quarto e Quinto Aditivos ao Contrato Social (docs. 04 e 05 - cópias anexas), devidamente registrados na Junta Comercial do Ceará em 17/05/2007 e 10/12/2007″ (fl. 6), antes da notificação da vistoria ocorrida em 08.5.2008.

Ressalta que Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo se retirou da referida sociedade, ao transferir todas as suas cotas aos atuais sócios, conforme se depreende da leitura do quarto aditivo ao contrato social da empresa.

Destaca que, conforme declaração expedida pelo Cartório de Notas e Registros Públicos de Chorozinho, “o pedido de lavratura da escritura pública de incorporação ficou em tramitação perante aquele Cartório desde 21/12/2007, em virtude da existência de hipotecas e de outras pendências documentais, todas já devidamente solucionadas” (fl. 6).

Invoca a ocorrência de afronta ao direito de propriedade e aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal (art. 5º, XXII, LIV e LV, da Constituição Federal), dado que “o negócio jurídico que originou a mudança de propriedade ocorreu, comprovadamente, um (01) ano antes da malsinada Notificação de Vistoria do Incra, o que per si já afasta qualquer possibilidade de simulação” (fl. 7).

Acentua que “a transferência do registro imobiliário seria legítima e juridicamente perfeita, vez que se aperfeiçoou em 26/11/2008, ou seja, antes do Decreto Presidencial, expedido em 25/05/2009, e depois de extrapolado o prazo de seis (06) meses em que há vedação de alterações de domínio, contados a partir da notificação de vistoria que, in casu, ocorreu em 08/05/2008, nos termos consignados no § 4º do art. 2º da Lei 8.629/93″ (fl. 8).

Aponta a existência de precedente do Supremo Tribunal Federal favorável à sua tese (Mandado de Segurança 24.890/DF, rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, DJe 13.02.2009).

Noticia que o prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no item III da Ordem de Serviço Incra-SR2-35/2008 (fl. 11) para a apresentação do laudo agronômico de fiscalização “foi extrapolado, extinguindo os poderes delegados aos funcionários ali designados, que passaram a ser incompetentes para agir depois de expirado o prazo estipulado no ato designatório” (fl. 10), motivo pelo qual seriam nulos todos os atos praticados pelo engenheiro agrônomo Evaldo Tavares de Souza Filho e pelo assistente de administração Aloizio Carvalho Acioly Toscano.

Registra a incompetência, a suspeição e o impedimento do engenheiro agrônomo Evaldo Tavares de Souza Filho, nos termos do art. 18, II, da Lei 9.784/99, para julgar a defesa apresentada pelo antigo proprietário da Fazenda Dulcinéia, Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, contra o laudo agronômico de fiscalização que qualificou tal imóvel como “grande propriedade improdutiva susceptível de desapropriação”, porquanto elaborado pelo próprio engenheiro.

A impetrante chama a atenção também para o fato de que a Ata da 9ª Reunião Ordinária do Comitê de Decisão Regional da Superintendência Regional do Incra no Ceará (fl. 200), que ratificou a decisão proferida pelo Superintendente Regional do Incra (fl. 196), somente faz menção à leitura da manifestação subscrita pelo referido engenheiro e “é omissa quanto ao real teor do suposto debate travado entre os participantes da reunião, não restando motivada e nem fundamentada a decisão que determinou a continuidade do processo” (fl. 16).

Alerta a impetrante que, ainda que se considere a manifestação do engenheiro Evaldo Tavares de Souza Filho (fls. 187-191) como parecer, esse faria parte da instrução processual, razão pela qual entende que seria compulsório o conhecimento prévio desse documento pelo interessado, com a devida abertura de prazo para manifestação, nos termos dos arts. 3º, III, e 44 da Lei 9.784/99, sob pena de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Reporta que o Procurador do Incra André Luis Holanda Lopes consignou expressamente que, em face das impugnações havidas, dever-se-ia adotar instância revisora que afastasse a mera reafirmação da opinião técnica consignada alhures, ainda que o recurso administrativo do antigo proprietário fosse tido por intempestivo (fls. 236-240). Considera ainda a impetrante que tal recurso “sequer foi apreciado” (fl. 22).

Enfatiza que, embora não exista projeto formal de utilização de suas propriedades rurais para a produção de matéria-prima, em razão de investir recursos próprios em sua indústria, tais imóveis são, em verdade, a base para o crescimento da empresa, motivo pelo qual incidiria, na espécie, a proibição prevista no art. 7º da Lei 8.629/93. Nesse sentido frisa que “chegou a confeccionar panfletos (doc. 09) e distribuir entre os produtores rurais da região para incentivá-los a plantar mandioca” (fl. 21).

Atesta a impetrante que houve a desconsideração do efetivo pecuário, porquanto, além da industrialização da mandioca, “atua também em outras áreas do agronegócio, dentre as quais a criação de rebanho bovino” (fl. 23). Dessa forma, “como possui algumas propriedades relativamente próximas, todas com pastagens naturais de baixo rendimento, mantém seu rebanho através do manejo entre as propriedades, quando necessário, complementando a alimentação dos animais com milho e outras forragens, servidas em coxos móveis, que podem ser instalados nas diversas propriedades, conforme a necessidade” (fl. 23). Entretanto, o citado engenheiro afirmou que não considerara a existência do referido rebanho “por falta de apresentação tempestiva da documentação acostada ao processo” (fl. 23). Entende a impetrante que “o suposto atraso não importa no reconhecimento da inexistência de efetivo pecuário ou mitiga o valor de sua defesa como julgou o Dr. Evaldo Tavares, devendo as provas apresentadas pelo interessado em sua contestação serem avaliadas com isenção de animus e sem quaisquer ressalvas, no decorrer do processo administrativo” (fl. 24), conforme preconiza o art. 27 da Lei 9.784/99.

Aduz, ademais, que “os índices de rendimentos citados pelo engenheiro se baseiam na quantidade de animais que uma determinada área com características de Zona Pecuária Três - ZP3 é capaz de manter isoladamente” (fl. 25). Insiste a impetrante, todavia, que não mantinha o seu rebanho apenas com a pastagem da Fazenda Dulcinéia, mas sim que remanejava seus animais para outras propriedades durantes os meses do ano, motivo que sozinho “já é suficiente para afastar toda teoria cuidadosamente engendrada pelo engenheiro para não acatar o efetivo pecuário” (fl. 25).

Assevera que o grau de utilização da terra (GUT) da Fazenda Dulcinéia, se calculado de maneira correta, seria de “aproximadamente 89,36%”, resultado da média ponderada das terras utilizadas (53,22%) acrescida das terras efetivamente utilizadas (36,14%).

Salienta a existência do perigo na demora, consubstanciado no fato de que o Incra poderá obter ordem judicial para previamente se imitir na posse do imóvel em comento.

Requer, ao final, a concessão de medida liminar, determinando-se a suspensão dos efeitos do decreto presidencial ora impugnado até o julgamento final do presente writ.

2. Solicitaram-se informações (fl. 283).

O Presidente da República, por intermédio de informações elaboradas pela Advocacia-Geral da União, manifestou-se pelo indeferimento do pedido de medida liminar e, no mérito, pela denegação da segurança (fls. 288-338).

Suscita Sua Excelência, preliminarmente, a ausência de interesse de agir da impetrante, dado que o decreto presidencial é mera condição de procedibilidade da ação de desapropriação (art. 184, § 2º, da Constituição Federal), dada a sua natureza eminentemente declaratória, motivo pelo qual não teria o condão de atingir, por si só, os interesses da impetrante, já que o seu direito de propriedade somente será desconstituído ao término da referida ação.

Destaca a inadequação da via eleita, visto que a impetrante não demonstrou a existência inquestionável dos fatos que alegou.

Aduz que a demonstração da produtividade fundiária do imóvel em questão demandaria instrução probatória, o que não é cabível em mandado de segurança.

Alega que o Incra não desconsiderou o fato de a alienação do imóvel ter ocorrido após o prazo de seis meses em que há vedação de alteração de domínio, contado a partir da notificação da vistoria (art. 2º, § 4º, da Lei 8.629/93), tanto que a impetrante foi devidamente cientificada do resultado do recurso administrativo interposto pelo proprietário anterior, via ofício (fl. 312).

Entende S. Exa. que o precedente citado pela impetrante (Mandado de Segurança 24.980/DF, rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, DJe 13.02.2009) não se aplicaria ao presente caso, por se referir a alienação de imóvel expropriando para originar outras médias propriedades rurais, hipótese diversa da presente.

Sustenta, em síntese, a inexistência de direito líquido e certo da impetrante, por objetivar a anulação de um ato presidencial que observou toda a legislação pertinente.

3. Inicialmente, faz-se necessário enfrentar a preliminar argüida nas informações de fls. 288-338, quanto à ausência de interesse de agir da impetrante, por ser o decreto presidencial mera condição de procedibilidade da ação de desapropriação.

Entendo que tal preliminar não merece prosperar. Com a publicação do decreto presidencial, poderá o Incra iniciar o processo judicial de desapropriação e requerer a sua imissão na posse do imóvel em apreço, motivo pelo qual há sim interesse de agir da impetrante com o objetivo de postular o reconhecimento, por esta Suprema Corte, da ilegitimidade do ato administrativo do Presidente da República (Decreto que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado “Fazenda Dulcinéia”), porquanto a Agro-indústria e Comércio de Alimentos Franbel Ltda, atual dona da terra, é que poderá vir a ser privada da sua propriedade, arcando com os ônus dessa desapropriação.

4. Passo a apreciar o pedido de medida liminar.

Verifico, em juízo de delibação, que não se encontra devidamente evidenciada a fumaça do bom direito no presente writ, diante da densidade jurídica das informações prestadas pelo Exmo. Sr. Presidente da República.

5. Não há que falar em ilegitimidade de Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo para figurar no pólo passivo do referido processo administrativo por ter sido transferida a propriedade da Fazenda Dulcinéia.

O fato de constar no quarto e no quinto aditivos ao contrato social da impetrante, registrados na Junta Comercial do Estado do Ceará em 17.5.2007 e 10.12.2007, a incorporação da Fazenda Dulcinéia ao seu patrimônio, antes da notificação da vistoria ocorrida em 08.5.2008, não tem o condão de torná-la proprietária desse imóvel.

O novo Código Civil brasileiro (Lei 10.406/02) assim dispõe em seus arts. 108, 1.227 e 1.245:

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
(…)
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
(…)
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”

Dessa forma, a propriedade de bens imóveis somente se transfere após o devido registro do respectivo título translativo, que no presente caso apenas se deu em 1º.12.2008, conforme certificado no verso da fl. 267. À época da vistoria constava como proprietário, no Cartório de Registro de Imóveis (Cartório de Notas e Registros Públicos de Chorozinho - CE), Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, não a impetrante.

Entendo, assim, que não houve nulidade no Processo Administrativo 54130.000229/2008-53, porquanto o então proprietário, Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, foi devidamente notificado da vistoria pelo Incra.

Nesse sentido destaco o seguinte trecho da ementa do acórdão proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança 24.657/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence:

“(…)
2. Não se verifica cerceamento de defesa por ausência de notificação prévia dos novos proprietários, porquanto foram devidamente notificados os proprietários indicados pela certidão de registro em cartório do imóvel rural vistoriado.
(…)
4. Assente a jurisprudência do Tribunal ‘que é essencial a transcrição no registro público do contrato particular de venda do imóvel para o fim de excluí-lo do decreto presidencial’ (MS 23.645, Velloso, DJ 15.3.02).” (DJ 09.9.2005).

6. Ressalte-se, ainda, que o precedente apontado pela impetrante para defender que “a transferência do registro imobiliário seria legítima e juridicamente perfeita”, por ter ocorrido depois do prazo de seis meses estabelecido no § 4º do art. 2º da Lei 8.629/93, não diz respeito a este caso concreto.

O § 4º do art. 2º da Lei 8.629/93 dispõe:

“§ 4o Não será considerada, para os fins desta Lei, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações de que tratam os §§ 2o e 3o.”

No julgamento do Mandado de Segurança 24.890/DF, estabeleceu esta Corte que, depois de seis meses da comunicação preliminar da realização da vistoria, poderá o dono do imóvel rural exercer plenamente seus direitos em relação ao desmembramento do imóvel com o objetivo de originar outras médias propriedades rurais, hipótese díspare da presente, consoante se pode inferir da simples leitura da ementa do acórdão proferido naquela ocasião, de que fui relatora:

“MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL APÓS SEIS MESES DA DATA DA COMUNICAÇÃO PARA LEVANTAMENTO DE DADOS E INFORMAÇÕES. DIVISÃO DO IMÓVEL ANTES DA EDIÇÃO DO DECRETO PRESIDENCIAL. IMPEDIMENTO À DESAPROPRIAÇÃO. LEI 8.629/93, ARTIGO 2º, PARÁGRAFO 4º. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 185, INCISO I.
1. A divisão de imóvel rural, em frações que configurem médias propriedades rurais, decorridos mais de seis meses da data da comunicação para levantamento de dados e informações, mas antes da edição do Decreto Presidencial, impede a desapropriação para fins de reforma agrária.
2. Não-incidência, na espécie, do que dispõe o parágrafo 4º do artigo 2º da Lei 8.629/93.
3. Existência de precedentes.
4. Segurança concedida.” (DJe 13.02.2009).

No caso ora em apreço sequer houve o desmembramento ou a divisão do imóvel, mantendo-se íntegra a área da Fazenda Dulcinéia. A impetrante adquiriu a área total do imóvel expropriando, não fração dele.

7. Quanto ao decurso do prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no item III da Ordem de Serviço Incra-SR2-35/2008 (fl. 11) para a apresentação do laudo agronômico de fiscalização, entendo que assiste razão ao Exmo. Sr. Presidente da Republica, ao consignar em suas informações que tal prazo objetiva, “única e exclusivamente, estabelecer um lapso temporal razoável para a conclusão do processo administrativo” (fl. 307). Não se trata, assim, de um prazo peremptório, fatal, como pretende a impetrante, não sendo nulos, em princípio, os atos praticados pelo engenheiro agrônomo Evaldo Tavares de Souza Filho e pelo assistente de administração Aloizio Carvalho Acioly Toscano.

Nesse sentido foi o acórdão proferido pelo Plenário desta Corte no julgamento do Mandado de Segurança 25.534/DF, rel. Min. Eros Grau, de cuja ementa destaco o seguinte trecho:

“(…)
1. A entrega extemporânea do laudo agronômico de fiscalização não implica a nulidade do documento, ensejando apenas a instauração de procedimento disciplinar para averiguar eventuais faltas dos servidores responsáveis pelo atraso.
(…)” (DJ 10.11.2006)

8. Em relação às alegações de incompetência, suspeição e impedimento do citado engenheiro, esclareça-se que tal servidor, apenas e tão-somente, apresentou ao Chefe da Divisão de Obtenção de Terras “resposta à contestação apresentada pelo proprietário” (fls. 187-191).

É dizer, o engenheiro agrônomo Evaldo Tavares de Souza Filho não julgou a impugnação apresentada por Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, então proprietário da Fazenda Dulcinéia, contra o laudo agronômico de fiscalização que qualificou tal imóvel como “grande propriedade improdutiva susceptível de desapropriação”.

Os julgamentos dessa impugnação foram, isso sim, realizados por Raimundo Cruz Pinto, Chefe Substituto da Divisão de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento, e por Raimundo Amadeu de Freitas, Superintendente Regional do Incra (fl. 196), decisões essas que foram ratificadas na 9ª Reunião Ordinária do Comitê de Decisão Regional da Superintendência Regional do Incra no Estado do Ceará (fl. 200).

9. Entende também a impetrante que seria compulsório o conhecimento prévio da resposta do perito à sua impugnação, com a devida abertura de prazo para sua manifestação, nos termos dos arts. 3º, III, e 44 da Lei 9.784/99, sob pena de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

O procedimento administrativo instaurado com o objetivo de verificar as condições de um imóvel rural para fins de desapropriação se norteia, todavia, por normas específicas, em respeito ao princípio da especialidade. No caso em tela, aplica-se, em princípio, o que dispõe o art. 5º, caput e parágrafo único, da Norma de Execução/Incra/SD/nº 35, de 25.3.2004, que não prevê nova abertura de prazo para manifestação do interessado.

10. A alegação da impetrante de que seu recurso “sequer foi apreciado” (fl. 22) também não merece, em princípio, properar.

É que o recurso administrativo interposto por Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, em 28.11.2008 (fls. 213-235), contra a suposta decisão do engenheiro agrônomo Evaldo Tavares de Souza Filho (fls. 187-191) foi julgado e desprovido, segundo as informações prestadas pelo Exmo. Sr. Presidente da República (fl. 305), tendo a impetrante tomado ciência disso por intermédio do Ofício/Incra/SR(02)G/nº 1.558/2008.

11. Quanto à incidência na espécie da proibição prevista no art. 7º da Lei 8.629/93, entendo-a, em princípio, incabível.

Narra a impetrante que, embora não exista projeto formal de utilização de suas propriedades rurais para a produção de matéria-prima, em razão de investir recursos próprios em sua indústria, a Fazenda Dulcinéia faria parte da base da empresa.

Todavia, o art. 7º da Lei 8.629/93 expressamente dispõe:

“Art. 7º Não será passível de desapropriação, para fins de reforma agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de projeto técnico que atenda aos seguintes requisitos:
I - seja elaborado por profissional legalmente habilitado e identificado;
II - esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente previsto, não admitidas prorrogações dos prazos;
III - preveja que, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total aproveitável do imóvel seja efetivamente utilizada em, no máximo, 3 (três) anos para as culturas anuais e 5 (cinco) anos para as culturas permanentes;
IV - haja sido aprovado pelo órgão federal competente, na forma estabelecida em regulamento, no mínimo seis meses antes da comunicação de que tratam os §§ 2o e 3o do art. 2o.
Parágrafo único. Os prazos previstos no inciso III deste artigo poderão ser prorrogados em até 50% (cinqüenta por cento), desde que o projeto receba, anualmente, a aprovação do órgão competente para fiscalização e tenha sua implantação iniciada no prazo de 6 (seis) meses, contado de sua aprovação.”

Conforme consignado pela própria impetrante, não há projeto formal algum para tal mister, o que a impede de usufruir desse benefício legal.

12. No que diz respeito à argumentação da impetrante de que houve a desconsideração do efetivo pecuário relativo à utilização das pastagens naturais para a alimentação de rebanho bovino, que teria causado o cálculo errôneo do grau de utilização da terra (GUT) da Fazenda Dulcinéia, destaque-se que essa irresignação foi rechaçada pelo Incra, consoante se depreende das informações prestadas pela autoridade coatora, tratando-se, portanto, de fato controverso, que demandaria o revolvimento de matéria probatória, função a que não se presta o remédio constitucional do mandado de segurança.

13. Saliente-se, por fim, que o fato de existir perigo na demora em um determinado caso, por si só, não autoriza o magistrado a conferir provimento cautelar para uma parte. Para a concessão de medida liminar é necessária a existência concomitante da fumaça do bom direito e do perigo na demora.

No presente caso, não há que falar em fumaça do bom direito, porquanto não se verifica, em princípio, a plausibilidade jurídica dos argumentos expostos pela impetrante em sua petição inicial.

14. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar.

Publique-se.

Após, abra-se vista à Procuradoria-Geral da República (art. 52, IX, do RISTF).

Brasília, 15 de setembro de 2009.

Ministra Ellen Gracie
Relatora

Vide: MS 28.160

Publicado por: Sérgio Jacomino


Fonte: Boletim i-Registradores nº 14 - 22/09/2009.

Nota de responsabilidade

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