Jurisprudência Registro de Imóveis - Cancelamento de gravames

CARTÓRIO REGISTRO IMÓVEIS - DÚVIDA REGISTRÁRIA - EXIGÊNCIA DE CANCELAMENTO DE GRAVAMES E QUITAÇÃO DO PREÇO. DESCABIMENTO.

Apelação Cível nº 2000011013579-5
Relator - Des. Edson Alfredo Smaniotto - Segunda Turma Cível.

EMENTA

1 - A baixa dos gravames que pesam sobre um imóvel não é requisito à transcrição de alienação de direitos sobre o bem.
2 - Ao se registrar a aquisição, o pacto de retrovenda e os demais ônus devem permanecer registrados à margem da matrícula, até que sejam devidamente cancelados por meio regularmente cabível ou que o direito real seja executado por quem o detenha, segundo dispõe o artigo 230 da Lei de Registros Públicos.
3 - Não é exigível a certidão de quitação do preço se não se trata da alienação da plena propriedade sobre o imóvel, que só se dará com o pagamento integral do valor, mas tão-somente de transferência dos direitos aquisitivos sobre o imóvel.


ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Edson Alfredo Smaniotto - (Relator), Romão C. de Oliveira - (Revisor) e Adelith de Carvalho Lopes - (Vogal), sob a presidência do Desembargador Getúlio Moraes Oliveira, em dar provimento ao apelo, à unanimidade.
Brasília-DF, 18 de fevereiro de 2002.

EXPOSIÇÃO

O Oficial Substituto do 3º Ofício de Registro de Imóveis do Distrito Federal apresentou suscitação de dúvida ao MM. Juiz da Vara de Registros Públicos e Precatórios do Distrito Federal, afirmando que em 13 de julho do ano de 1999, fez a prenotação nº 360.819, fls. 151, do Livro Protocolo 1-AB, de Carta de Arrematação relativa ao imóvel Projeção "B", Quadra 02, conjunto B-02, Sobradinho-DF, extraída do Processo nº 1998.8114-7 (Processo de Execução nº 10469/97), lavrada em 13 de maio de 1999, em favor de LU PONTUAL EMPRESA E ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA LTDA.
Disse que não efetuara o registro por falta de número correto da matrícula do imóvel; por encontrarem medidas constritivas sob o bem, e por haver pacto de retrovenda instituído na escritura de aquisição do terreno.
Pediu fosse julgada procedente a dúvida suscitada a fim de que as exigências fossem atendidas pelo pretenso adquirente do imóvel descrito na carta de arrematação.
Juntou documentos de fls. 04/35.
Impugnação ao pedido do oficial do cartório, fls. 37/45, exarada pela portadora da carta de arrematação, afirmando que cumprira a primeira exigência por meio de aditamento à respectiva Carta; que quanto às medidas constritivas, peticionara nas Varas respectivas onde corriam os processos, requerendo a baixa dos gravames, já que a sua propriedade se consolidara mediante praça realizada em observância ao procedimento legal; que quanto ao pacto de retrovenda, o IDHAB se negara a autorizar o cancelamento do pacto de retrovenda a fornecer a declaração de quitação do preço na compra, e que o órgão ainda postulou fosse feita averbação à margem do registro imobiliário da existência da Ação de Rescisão de Contrato c/c Reintegração de Posse ajuizada há oito anos.
Aduziu que em face do comportamento do IDHAB, tardiamente postulou a averbação do referido procedimento judicial; que o mencionado Instituto não pode mais pleitear o resgate do imóvel por já haver passado o prazo de três anos estabelecido no artigo 1.141 do Código Civil para a retrovenda.
Requereu a compensação de dívidas para que os tributos pagos pela ora suscitada e devidos pelo IDHAB sejam compensados, caso o IDHAB seja considerado o proprietário do imóvel na ação de rescisão de contrato c/c reintegração de posse ajuizada pelo órgão, sob pena de enriquecimento ilícito.
Pugnou fosse expedido ofício ao Cartório do 3º Ofício de Imóveis do Distrito Federal, determinando o registro da Carta de Arrematação, sem o cumprimento das exigências de baixa de retrovenda e quitação, com a compensação das dívidas.
Manifestação da douta Promotoria de Justiça, fls. 137/139, oficiando pela pertinência das duas últimas exigências do oficial do Cartório, no sentido de que há necessidade de prévio cancelamento das anotações de ônus, do pacto de retrovenda e da averbação da quitação do preço da compra.
A MM. Juíza monocrática, às fls. 141/144, julgou procedente a dúvida para determinar o cancelamento da prenotação.
Inconformada, apela a suscitada, fls. 148/153.
Em suas razões, assevera que a douta Magistrada a quo equivocou-se porque descumpriu a própria ordem por ela anteriormente emanada, uma vez que havia determinado o cumprimento da carta de arrematação. Questiona a decisão judicial que determinara a venda de imóvel que não se encontrava desembaraçado, inclusive porque dependia de pagamento do preço ajustado, qual seja, sinal equivalente a trinta por cento do preço e o restante a ser pago em oito prestações mensais; que o descabimento da exigência de cancelamento do pacto de retrovenda, já que, passados dez anos da data da venda do imóvel, e não tendo se operado a retrovenda, deve-se reputar a cláusula por não escrita.
Afirma que quanto aos gravames, a existência de penhora não impede a alienação do imóvel, estando a suscitada ciente dos encargos que pesam sobre o bem, devendo, na transcrição, averbar-se a existência do ônus, segundo o disposto no artigo 230 da Lei nº 6.015/73.
Articula que acerca da exigência de averbação da quitação do preço da compra, entende descabida, uma vez que, havendo adquirido tão somente os direitos aquisitivos do imóvel, não pode o oficial exigir a quitação de um preço não pago pelo arrematante, nem leiloado pela Justiça; que o imóvel não se encontra quitado porque não foi leiloado nessa condição, cabendo ao arrematante quitar com o credor por vias próprias.
Menciona que o deslinde não cabe ao Oficial do Cartório de Registros, que deve registrar em favor da Arrematante somente os direitos aquisitivos sobre o imóvel mencionado na Carta de Arrematação.
Pugna a reforma da r. sentença proferida.
Não foram apresentadas Contra-razões.
Parecer da douta Procuradoria de Justiça, fls. 162/170, oficiando pelo conhecimento e provimento do recurso para que seja reformada a r. decisão recorrida. Juntou documentos de fls. 171/173.
Promoção do douto Parquet, fls. 178, propugnando o julgamento do presente feito.
Preparo regular, segundo guia de fls. 154.
É o que consta.

VOTOS

Des. Edson Alfredo Smaniotto (Relator) - Senhor Presidente - Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade. A respeito, cumpre-me assinalar que diante da irregularidade apontada, deu-se nova oportunidade para a apelante regularizar sua representação processual, o que foi feito segundo pode-se observar do instrumento procuratório de fls. 196.
Trata-se de Dúvida Registrária suscitada pelo Oficial Substituto do 3º Ofício de Registro de Imóveis do Distrito Federal ao MM. Juiz da Vara de Registros Públicos e Precatórios do Distrito Federal, afirmando que em 13 de julho do ano de 1999, fez a prenotação nº 360.819, fls. 151, do Livro Protocolo 1-AB, de Carta de Arrematação relativa ao imóvel Projeção "B", Quadra 02, conjunto B-02, Sobradinho-DF, extraída do Processo nº 1998.8114-7 (Processo de Execução nº 10469/97), lavrada em 13 de maio de 1999, em favor de LU PONTUAL EMPRESA E ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA LTDA.
Disse que não efetuara o registro por falta de número correto da matrícula do imóvel; por encontrarem medidas constritivas sob o bem, e por haver pacto de retrovenda instituído na escritura de aquisição do terreno.
Pediu fosse julgada procedente a dúvida suscitada a fim de que as exigências fossem atendidas pelo pretenso adquirente do imóvel descrito na carta de arrematação.
Juntou documentos de fls. 04/35.
Impugnação ao pedido do oficial do cartório, fls. 37/45, exarada pela portadora da carta de arrematação, afirmando que cumprira a primeira exigência por meio de aditamento à respectiva Carta; que quanto às medidas constritivas, peticionara nas Varas respectivas onde corriam os processos, requerendo a baixa dos gravames, já que a sua propriedade se consolidara mediante praça realizada em observância ao procedimento legal; que quanto ao pacto de retrovenda, o IDHAB se negara a autorizar o cancelamento do pacto de retrovenda e a fornecer a declaração de quitação do preço na compra, e que o órgão ainda postulou fosse feita averbação à margem do registro imobiliário da existência de Ação de Rescisão de Contrato c/c Reintegração de Posse ajuizada há oito anos.
Aduziu que em face do comportamento do IDHAB, tardiamente correu para postular a averbação do referido procedimento judicial; que o referido Instituto não pode mais pleitear o resgate do imóvel por já haver passado o prazo de três anos estabelecido no artigo 1.141 do Código Civil para a retrovenda.
Requereu a compensação de dívidas para que os tributos pagos pela ora suscitada e devidos pelo IDHAB sejam compensados, caso o IDHAB seja considerado o proprietário do imóvel na ação de rescisão de contrato c/c reintegração de posse ajuizada pelo órgão, sob pena de enriquecimento ilícito.
Pugnou fosse expedido ofício ao Cartório do 3º Ofício de Imóveis do Distrito Federal, determinando o registro da Carta de Arrematação, sem o cumprimento das exigências de baixa de retrovenda e quitação, com a compensação das dívidas.
Manifestação da douta Promotoria de Justiça, fls. 137/139, oficiando pela pertinência das duas últimas exigências do oficial do Cartório, no sentido de que há necessidade de prévio cancelamento das anotações de ônus, do pacto de retrovenda e da averbação da quitação do preço da compra.
A MM. Juíza monocrática, às fls. 141/144, julgou procedente a dúvida para determinar o cancelamento da prenotação.
Inconformada, apela a suscitada, fls. 148/153.
Em suas razões, assevera que a douta Magistrada a quo equivocou-se porque descumpriu a própria ordem por ela anteriormente emanada, uma vez que havia determinado o cumprimento da carta de arrematação. Questiona a decisão judicial que determinara a venda de imóvel que não se encontrava desembaraçado, inclusive porque dependia de pagamento do preço ajustado, qual seja, sinal equivalente a trinta por cento do preço e o restante a ser pago em oito prestações mensais; que o descabimento da exigência de cancelamento do pacto de retrovenda, já que, passados dez anos da data da venda do imóvel, e não tendo se operado a retrovenda, deve-se reputar a cláusula por não escrita.
Afirma que quanto aos gravames, a existência de penhora não impede a alienação do imóvel, estando a suscitada ciente dos ônus que pesam sobre o bem, devendo, na transcrição, averbar-se a existência do ônus, segundo o disposto no artigo 230 da Lei nº 6.015/73.
Articula que acerca da exigência de averbação da quitação do preço da compra, entende descabida, uma vez que, havendo adquirido tão somente os direitos aquisitivos do imóvel, não pode o oficial exigir a quitação de um preço não pago pelo arrematante, nem leiloado pela Justiça; que o imóvel não está quitado porque não foi leiloado quitado, cabendo ao arrematante quitar com o credor por vias próprias.
Menciona que o deslinde não cabe ao Oficial do Cartório de Registros, que deve registrar em favor da Arrematante somente os direitos aquisitivos sobre o imóvel mencionado na Carta de Arrematação.
Pugna a reforma da r. sentença proferida.
Não foram apresentadas Contra-razões.
Parecer da douta Procuradoria de Justiça, fls. 162/170, oficiando pelo conhecimento e provimento do recurso para que seja reformada a r. decisão recorrida. Juntou documentos de fls. 171/173.
Feito breve relato, analiso o recurso.
A dúvida do presente caso repousa no fato de ser possível alienar imóvel não quitado, gravado com ônus reais e pacto de retrovenda.
In casu, a carta de arrematação versa sobre direitos referentes a imóvel constrito com três arrestos, cinco penhoras, pacto de retrovenda, ainda não quitado pela empresa executada, WM Construções e Incorporações LTDA, expropriada em hasta pública.
Quanto às exigências feitas pelo Sr. Oficial do Cartório, a saber, medidas constritivas sob o imóvel em exame bem como acerca do pacto de retrovenda, tenho que ao Oficial do Cartório é vedado efetuar o cancelamento do pacto de retrovenda e dos outros ônus existentes sponte própria, fazendo-se necessária à determinação do juízo competente, pela via processual adequada. Porém, a baixa dos gravames que pesam sobre um imóvel não é requisito à transcrição da alienação de direitos sobre o bem. Ao se registrar a carta de arrematação, o pacto de retrovenda e os demais ônus devem permanecer registrados na matrícula, até que sejam devidamente cancelados por meio cabível ou que o direito real seja executado por quem o detenha. 
A respeito, há previsão na Lei de Registros Públicos, de nº 6.015/73, em seu artigo 230:
"Art, 230 - Se na certidão constar ônus, o oficial fará a matrícula, e, logo em seguida ao registro, averbará a existência do ônus, sua natureza e valor, certificando o fato no título que devolver à parte, o que ocorrerá, também, quando o ônus estiver lançado no próprio cartório."
No que concerne às medidas constritivas existentes, segundo a melhor doutrina, não há nada que obste à alienação do bem gravado com ônus reais. Vejamos. 
"O oficial do registro não pode apreciar questões cujo deslinde pertença, com exclusividade, aos órgãos jurisdicionais, quando examina título submetido a registro. Nada obsta, por exemplo, a que um terceiro adquira imóvel sobre o qual exista penhora registrada, porque a conseqüência é sujeitar-se esse adquirente aos efeitos que advenham do resultado da ação, sem que possa alegar boa-fé ou falta de conhecimento."
"É oportuno esclarecer que a penhora não torna inalienável o bem penhorado, mas "evita" que o bem, nessa situação, seja alienado. O que sucede é a ineficácia, quanto ao credor penhorante, da eventual alienação que o devedor vier a fazer do bem sujeito à penhora. A afetação executória segue-o, de modo que sua expropriação dar-se-á mesmo que ele não mais pertença ao executado."
Há entendimento nesta Corte de Justiça no sentido de que "o registro da penhora, arresto, seqüestro, citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias não têm o condão de impedir a transmissão da propriedade do bem, mas tão-só de prevenir os adquirentes contra os riscos da aquisição."
No que diz respeito à exigência de quitação do preço, julgo ser incabível, na medida em que não se trata de alienação da plena propriedade sobre o imóvel, mas de transferência dos direitos que o alienante possuía sobre o bem, no limite dos poderes que exercia. Portanto, a carta de arrematação deve ser registrada, a fim de se conservar direitos aquisitivos sobre o imóvel, consoante o disposto no artigo 167, inciso I, nº 09 da Lei de Registros Públicos, nº 6.015/73, o qual reza:
"No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos o registro dos contratos de compromisso de compra e venda, de cessão deste de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações." (grifo nosso).
Vale ressaltar que a plena propriedade em favor da suscitada somente se operará mediante o pagamento integral do valor constante no contrato ajustado entre o IDHAB, antiga SHIS e WM Construções e Incorporações LTDA, e que a transferência dos direitos aquisitivos sobre o bem não tornará inexeqüível a execução dos ônus que afetam o imóvel, uma vez que os gravames deverão permanecer registrados na matrícula, podendo os titulares dos direitos reais exercerem livremente o direito de seqüela.
Conforme bem ponderou o ilustre membro do Parquet, "a penhora apenas torna ineficaz em relação ao credor penhorante, a alienação do bem, podendo-se perseguir o imóvel contra a arrematante ou contra quem o possua." (fls.169).
Por fim, impende observar que não há nenhuma cláusula que proíba a alienação do bem antes da quitação do imóvel ou qualquer outro ajuste que inviabilize a alienação dos direitos aquisitivos sobre o bem.
Logo, a r. sentença monocrática deve ser reformada.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença vergastada a fim de que a interessada apresente os documentos novamente para que se proceda o registro do imóvel, segundo dispõe o artigo 203 da Lei nº 6.015/73.
É o voto.
Des. Romão C. de Oliveira (Revisor) - De acordo.
Desa. Adelith de Carvalho Lopes (Vogal) - Com a Turma.

DECISÃO

Deu-se provimento. Unânime. 


Fonte: Diário das Leis Imobiliário (BDI) - 3º Decêndio Janeiro/2003 - Nº 03