Artigo - A Averbação Premonitória introduzida pela Lei 11.382/2006

 

Marcelo Augusto Santana de Melo*

A promulgação da Lei 11.382, de 06 de dezembro de 2006, que mudou o Código de Processo Civil trouxe relevantes alterações na sistemática da fraude de execução, muito provavelmente resolvendo de uma vez por todas esse problema crônico do nosso direito.

Com efeito, referida lei, dentre outras inovações e alterações, introduziu o art. 615-A no Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 615-A. O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

§ 1o O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2o Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados.

§ 3o Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

§ 4o O exeqüente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2o do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados.

§ 5o Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.”

O artigo em comento permite ao credor de qualquer ação de execução, através de certidão da distribuição com identificação das partes e valor da causa, requerer ao Registro de Imóveis respectivo a averbação premonitória[1] da existência da ação, servindo esta como prova inequívoca e automática de incidência de fraude de execução.

A princípio, é preciso distinguir a natureza jurídica de referida averbação. Para nós trata-se de simples averbação que formaliza a publicidade-notícia, meramente declaratória não constituindo, extinguindo ou modificando qualquer direito, possuindo duas finalidades claras, a primeira como alerta a futuros adquirentes de que referido imóvel poderá ser afetado ao pagamento de ação de execução; e a outra, conforme referimos, como prova de pleno direito de fraude de execução, em caso de transferência do imóvel.

Não obstante, o fato de tratar-se de publicidade-notícia não afasta os efeitos concretos que a averbação premonitória produz, ou seja, configura prova inequívoca de fraude de execução e, nesse aspecto, não de caráter real, acaba por constituir uma condição em eventual alienação do imóvel pelo devedor.

Parece-nos que o legislador brasileiro se inspirou na anotação preventiva do direito registrário espanhol, que malgrado possua efeitos declaratórios é utilizada para publicizar alguns efeitos jurídicos e constituir obrigações.

MANUEL PEÑA BERNALDO DE QUIRÓS conceitua anotações preventivas como “assentos de regime peculiar, de caráter provisório e com efeitos específicos, principalmente o de constituir, por si, uma garantia de efetividade contra terceiros em favor de certos direitos que não podem ser inscritos”. [2]

O parágrafo 2º do artigo 615-A do Código de Processo Civil ratifica a averbação como transitória, informando que a averbação será cancelada quando da efetivação de penhora que garanta todo o valor da dívida, mas não é automática e depende de determinação judicial específica (mandado ou certidão) que contenha a informação de que da decisão que determinou o cancelamento não foi interposto recurso (artigos 250 item I e 259 da Lei de Registros Públicos).

É preciso ressaltar que a regra criada pelo artigo 593 do Código de Processo Civil que trata da fraude de execução não se alterou, apenas o momento de sua incidência foi aclarado, bem como o novel artigo 615-A aduz que “o exeqüente poderá” obter a certidão e proceder o averbamento respectivo e, em nenhum momento condiciona a declaração de fraude ao ato registrário. A ilação que podemos chegar é que a averbação premonitória é uma ferramenta ágil e cristalina para garantir o direito de credores, mas que não deixa de ser uma faculdade, muito embora as vantagens, facilidades e riscos sejam acentuados, o que não a fará cair no esquecimento.

Não optando o credor em proceder à averbação-notícia da propositura da ação de execução, incidirá a regra geral da fraude de execução com uma alteração substancial:  se averbada a penhora independerá de prova a fraude; não existindo averbação da penhora, o credor não poderá alegar a má-fé de terceiro adquirente porque sua boa-fé será presumida.

Com efeito, não se procedendo a averbação da penhora, entendemos que a possibilidade de configuração de fraude de execução se esgota, já que os instrumentos à disposição do credor são suficientes para garantia de seu direito e o credor que deixar de proceder à averbação premonitória, posteriormente à penhora ou ao arresto, não poderá prejudicar terceiro comprador que adquiriu o imóvel confiando na informação registral, sem falar que a falta de diligência desrespeita o princípio da boa-fé objetiva, introduzido pelo Código Civil de 2002 como veremos em capítulo próprio.

Ressalta-se o risco que correrá o credor que deixar de averbar a propositura da ação e o devedor transmitir seu patrimônio imobiliário entre a data da distribuição e efetiva citação, porque referido lapso de tempo não contará com a proteção processual, não incidindo a fraude de execução por falta de previsão legal, restando ao credor o moroso caminho de uma ação pauliana, tendo que provar o evento danoso e a intenção fraudulenta.

O documento idôneo para a averbação no Registro de Imóveis é a certidão expedida pelo Poder Judiciário, contendo identificação das partes e valor da causa, mas outras informações acessórias serão úteis e até necessárias como o tipo de execução e qualificação das partes, entre outras. No entanto, seria também de grande utilidade e praticidade a aceitação da própria petição inicial que contenha a comprovação da distribuição pelo Poder Judiciário, porque esta possuirá todas as informações necessárias e existentes da ação, facilitando a averbação e tornando o procedimento muito mais célere.

Tendo em vista o § 4º da Lei 11.382/2006, que fixa a responsabilidade do credor por averbações indevidas, necessária a apresentação ao Registro de Imóveis de requerimento com firma reconhecida (§ 1º do art. 246 da Lei 6.015/73), autorizando os atos registrários e indicando as matrículas e transcrição de propriedade do devedor.

Por derradeiro, observa-se que a praticidade acabará por outorgar à averbação premonitória efeito semelhante à penhora, que então também deverá ser averbada (art. 659, § 4º, CPC), pelo menos quanto à publicidade perante terceiros. Embora o imóvel não esteja afetado diretamente à satisfação do direito do credor, não podemos negar que a averbação produzirá um efeito quase que coativo ao devedor o qual terá a notícia da execução na matrícula do seu imóvel, servindo como uma notificação registral para o pagamento da dívida.

Ressalte-se, ainda, que ao introduzir em nosso direito a averbação premonitória fixando e aclarando as hipóteses de fraude de execução, um efeito automático e lógico é a desnecessidade de apresentação de certidões dos distribuidores cíveis e fiscais prevista na Lei 7.433/85 e Decreto 93.240/86 para a lavratura de escritura pública, em razão do adquirente de boa-fé ser mantido na propriedade sem riscos, bem como o credor possuir instrumentos mais que suficientes para garantia de seu direito, o que também poderá ser aplicado para o registro de parcelamentos de solo e incorporação imobiliária, que também demandavam referidas certidões.

Questão interessante e quem vêm sendo debatida pelos operadores do direito é a extensão da averbação premonitória para as demais ações executivas, cognitivas e cautelares. Não temos dúvida de que qualquer ação que possa gerar a incidência de fraude de execução merece e deve ser objeto de averbação premonitória porque foi essa a intenção do legislador que buscou com a introdução dessa ferramenta conferir total segurança a credores e adquirentes de boa-fé, tudo isso visando fomentar o mercado imobiliário brasileiro e outorgar segurança relativa ou parcial seria desnecessária e inócua.

Com relação às ações de conhecimento também não há dúvidas sobre a possibilidade, com as alterações do Código de Processo Civil introduzidas pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, não há mais fase cognitiva e executiva, esse sistemática foi modificada, desde o aforamento da demanda até a satisfação da execução, o processo é único, não existindo mais um processo de execução de título judicial, daí a denominação, que vem sendo sugerida pela doutrina, de processo sincrético, que contém fases cognitivas e executivas.

Não obstante, mesmo sem a alteração decorrente da Lei 11.232/05, o Superior Tribunal de Justiça já entendia possível a configuração da fraude de execução em processos de conhecimento, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE DE EXECUÇÃO. DEPOIS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E ANTES DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. Pode incidir a regra contida no inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil, ocorrendo a fraude contra a execução, após a citação para o processo de conhecimento, não sendo indispensável que já tenha se instaurado a ação de execução. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (REsp n. 233152/MG - 10/03/2003)[3]

O Código de Processual Civil é norma subsidiária quer das execuções fiscais, quer das ações trabalhistas, e a averbação premonitória poderá e deverá ser utilizada para satisfação daqueles créditos, gerando maior segurança para credores e devedores. 

Entendemos que a averbação premonitória é o instrumento processual-registrário adequado para outorgar maior segurança ao mercado imobiliário que há anos vem sofrendo com a fraude de execução, também configura, sem dúvidas, a consagração do princípio da concentração[4] no Registro de Imóveis.

Não se nega que a alteração foi drástica e será absorvida e interpretada pela doutrina e jurisprudência paulatinamente, mas as vantagens são extraordinárias já que confere segurança jurídica a credores e adquirentes de boa-fé, fomentando o mercado imobiliário e reduzindo os custos para a aquisição de imóveis, já que dispensa a apresentação de certidões pessoais.

Notas

* Marcelo Augusto Santana de Melo é registrador imobiliário em Araçatuba, São Paulo.

[1] Denominação utilizada por Sergio Jacomino em breve comentário realizado no grupo de discussão virtual “outorgadelegacoes” e posteriormente publicado em http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel2834.asp.

[2] BERNALDO DE QUIRÓS, Manuel Pena. Derecho reales. Derecho Hipotecário, 4ª edição. Madri: Centro de Estúdios Registrares, 2001, p. 653: “Son asientos de régimen registral peculiar, de caráter provisional y con efectos específicos, principalmente el de constituir, por sí, una garantía de efectividade contra terceros em favor de ciertos derechos que no pueden ser inscritos”.

[3] No mesmo sentido STJ: AgRg no AG 11981-RJ, RESP 97646-SP, RESP 234473-SP, RESP 113871-DF

[4] Nenhum fato jurígeno ou ato jurídico que diga respeito à situação jurídica do imóvel ou às mutações subjetivas, pode ficar indiferente à inscrição na matrícula. Além dos atos traslativos de propriedade, das instituições de direitos reais, a ela devem acorrer os atos judiciais, os atos que restringem a propriedade, os atos constritivos (penhoras, arrestos, seqüestros, embargos), mesmo de caráter acautelatório, as declarações de indisponibilidade, as ações pessoais reipersecutórias e as reais, os decretos de utilidade pública, as imissões nas expropriações, os decretos de quebra, os tombamentos, comodatos, as servidões administrativas, os protestos contra a alienação de bem, os arrendamentos, as parcerias, enfim, todos os atos e fatos que possam implicar a alteração jurídica da coisa, mesmo em caráter secundário, mas que possa ser oponível, sem a necessidade de se buscar alhures informações outras, o que conspiraria contra a dinâmica da vida (João Pedro Lamana Paiva, Revista de Direito Imobiliário n. 49, julho a dezembro de 2000).
 


Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB n. 2865 - 09/03/2007

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