Averbação de reserva legal e princípios da especialidade objetiva e disponibilidade qualitativa – importante decisão

Emanuel Costa Santos*

Há poucos anos o subscritor da decisão que adiante se transcreve já demonstrara a peculiar capacidade de lidar com os assuntos atinentes aos Registros Públicos. Atuando na Corregedoria Permanente dos Registros Imobiliários de Araraquara desde o ano de 2003, Sua Excelência, Doutor João Battaus Neto, já proferiu decisões que causaram profundas repercussões na praxe registral.

Assim o fez ao analisar a questão emolumental do PAR e, mais recentemente, o instituto da renúncia ao direito de propriedade.

Todos se lembrarão de sua notável decisão, proferida após manifestação original deste Oficial, secundada pela petição do não menos ilustre 1º Oficial local, que marcou profunda mudança na contagem dos prazos previsto no artigo 10 do Decreto nº 4.449/2002, tendo por data de início a da Instrução Normativa baixada pelo INCRA, em atendimento ao disposto no caput artigo 9º do aludido Decreto. Tal decisão fora de tamanha relevância que, além de servir como parâmetro de conduta para diversas Comarcas do Brasil, também teve importante papel no redesenhamento daquele diploma legal pelo Decreto nº 5.570/2005.

Desta feita, o culto Magistrado brinda a atividade registral com importante decisão acerca da averbação de reserva legal e sua relação com a especialidade do imóvel.

Se é bem verdade que tal decisão ainda é passível de recurso, como dela mesmo consta, não menos verdade é que seus sólidos fundamentos podem dar azo a se imaginar a prevalência do caráter de averbação-notícia no ato registral em discussão.

Publicada no Diário da Justiça Eletrônico de 15 de outubro de 2008, aludida decisão entende pela dispensa da observância rigorosa do Princípio da Especialidade Objetiva e da Disponibilidade Qualitativa quando da averbação de reserva legal, admitindo os parâmetros constantes de trabalho de lavra do culto Registrador Imobiliário de Araçatuba, Doutor Marcelo Augusto Santana de Melo.

Na seqüência da decisão, tem-se as razões expostas pelo Oficial, que bem pontuam as divergências sobre o tema.

* Emanuel Costa Santos é 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara/SP, Pós-graduado em Direito Registral pela Facultad de Derecho Esade/Barcelona, Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas-FMU, em São Paulo/SP, autor de diversos artigos relacionados ao Direito Notarial e Registral e do trabalho intitulado Interpretação de Contratos e o Registro de Imóveis no Brasil, parte integrante do Tratado de la interpretación del contrato en América Latina, obra coordenada por Carlos Alberto Coaguila Soto.

TEOR DA DECISÃO

"1156/08 - AVERBAÇÃO EM MATRICULA - CAMBUHY AGRÍCOLA LTDA X OFICIAL DO 2º REGISTRO DE IMOVEIS DA COMARCA DE ARARAQUARA

Vistos.

Trata-se de representação formulada por Cambuhy Agrícola Ltda em razão de nota devolução apresentada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis de Araraquara na qual, em apertada síntese, aduz que para a averbação da reserva florestal legal não se faz necessário prévio procedimento de retificação de área.

O Sr. Registrador ofereceu resposta (fls. 75/82), assim como o Ministério Público (fls. 121/123).

É o breve relato do necessário.

Fundamento e decido.

Conquanto se possa entrever algum reflexo negativo ao princípio da especialidade objetiva, tenho que para a averbação da área de reserva legal aqui tratada não se faz necessária a instauração de prévio procedimento de retificação de área.

Com efeito, os documentos que instruem a inicial, em especial o Termo de Responsabilidade de Preservação de Reserva Legal, lavrado junto ao DEPRN, acompanhado do memorial descritivo firmado por engenheiro agrônomo daquele órgão de defesa do meio ambiente, permitem com razoável segurança especificar as áreas dentro da propriedade, de maneira que podem ser tomados como indicativos para a averbação pretendida.

Sem prejuízo, os parâmetros apresentados no trabalho encartado as fls. 94/119, de autoria de Marcelo Augusto Santana de Melo, Registrador Imobiliário em Araçatuba, também podem ser levados em conta para garantir melhor cumprimento ao princípio da especialidade objetiva.

Ante o exposto, defiro a averbação pretendida nos moldes adrede alinhavados.

Sem custas e honorários. P.R.I. (o ofício será expedido após o trânsito em julgado da sentença; o MP não concordou com o pedido. Prazo para recurso: 30 dias) - DRS. VANESSA DEL VECCHIO R R DA CUNHA (OAB 210.347) E ARNALDO DE LIMA JUNIOR (OAB 53.513)"

RAZÕES DO REGISTRADOR

"Araraquara, 09 de setembro de 2008

Ofício nº 463/2008

Ref.: Processo nº 001156/2008

EMANUEL COSTA SANTOS, 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara, Estado de São Paulo, vem mui respeitosamente, em atendimento ao r. despacho de folhas 74 dos autos do processo em epígrafe, proceder à manifestação que se segue.

Primeiramente, Excelência, há que se traçar premissas verdadeiras para que se chegue a conclusões igualmente verdadeiras.

DO MAPA

Não procede a assertiva constante do item "8" da petição inicial, consistente na afirmação "...que certamente..." o mapa referente ao imóvel da matrícula 2.330 "...fora entregue..." a este Registro Imobiliário "...por ocasião da abertura da citada matrícula imobiliária...".

Há aqui, talvez, um ligeiro desconhecimento dos ilustres subscritores da petição inicial, da origem, formação e sistemática dos Registros Públicos no Brasil.

Até não muito tempo atrás - mais precisamente, 31 de dezembro de 1975 - vigia entre nós o sistema de transcrição, onde as informações que constavam do acervo registral eram retiradas dos títulos submetidos ao Registro Imobiliário, títulos esses que eram transcritos, não sendo até então de relevância a obediência ao Princípio da Especialidade Objetiva, o que por si só já espanca a necessidade absoluta de arquivamento de mapa quando da data da abertura da matrícula 2.330, o que ocorreu em 12 de janeiro de 1979.

Não bastasse isso, uma leitura nem tão atenta da própria matrícula também permitiria não se chegar ao absurdo do informado. Na ficha 1, frente, da matrícula 2.330, cuja cópia da certidão se verifica às folhas 42 a 44 dos autos administrativos, consta a seguinte menção:

"TITULOS AQUISITIVOS: 15.541 e 21.713 no Cartório de Registros Públicos de Itápolis."

Dessa forma, mapa houvesse, ainda que elaborado em época que vigia o sistema de transcrição do título, estaria depositado junto ao Ilustríssimo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Itápolis, Estado de São Paulo.

A citada matrícula foi aberta em decorrência do R-01 nela levado a efeito em 12 de janeiro de 1979, tendo naquela oportunidade sido depositada nesta Serventia Imobiliária a certidão do registro de origem, conforme comandam os artigos 197 e 229 da Lei Federal nº 6.015/1973 (doc. único).

Porém, a regularidade da matrícula pressupõe a igualdade entre a descrição constante do título em coincidência com o registro anterior: a isso se chama Princípio da Identidade. Tal princípio vem expressamente albergado no artigo 225, parágrafo 2º, da Lei Federal nº 6.015/1973.

Não há qualquer elemento tabular que permita ao menos verificar a obediência ao chamado Princípio da Identidade. Conforme certidão de origem já anexada (doc. único), verifica-se que a certidão então expedida pelo registro imobiliário de Itápolis em nada guarda consonância com a descrição constante da matrícula 2.330, deste Registro Imobiliário.

Muito provavelmente, conforme a prática ensina, constou descrição inovadora do título que deu suporte ao R-01 da matrícula 2.330, deste Registro Imobiliário, baseado em algum trabalho técnico, cujo arquivamento então não era obrigatório.

Esta irregularidade inicial (ofensa ao Princípio da Identidade), porém, não pode ser conhecida de ofício pelo Oficial de Registro. Preceitua o artigo 252 da Lei Federal nº 6.015/1973 que "O registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido."

Por sua vez, o artigo 233, inciso I, do Estatuto Registral, determina que o cancelamento da matrícula depende de decisão judicial, decisão essa não passível de recurso, conforme artigos 250, inciso I, e 259, todos da Lei de Registros Públicos.

Em resumo, se não há mapa, não é porque "certamente" ele foi exibido por ocasião da abertura da matrícula, mas porque sua exibição não era mandamento legal. Por sua vez, eventual irregularidade cometida por quem abriu a aludida matrícula, como, por exemplo, inobservância do regular expediente de retificação, à época já previsto, somente pode ser conhecida em expediente específico, observados os parâmetros supra.

DA PRÁTICA DE ATO DE INCORPORAÇÃO SOCIETÁRIA

Também não deve prevalecer aqui o disposto no item 9, que afirma que "Curioso, no entanto, que, se pela ótica do zeloso registrador, o imóvel tem que ser retificado para, somente após, albergar a averbação da reserva florestal pretendida, não se entende como pôde praticar, sem qualquer oposição, os atos averbatórios sob nºs 04 e 05, em 24 de setembro de 2007, na Matrícula 2.330, mediante os quais, por força da incorporação, o imóvel passou a pertencer à Requerente. Verdadeiro contra-senso!"

Diferentemente do alegado, não há qualquer contra-senso e a curiosidade será sanada pela presente explicação. Como dito acima, o título deve possuir descrição do imóvel que coincida com o registro anterior. Tal Princípio da Identidade fora plenamente observado no citado ato societário (AV-05). Aqui, a especialidade objetiva repousa na tão só observância daquele princípio.

Diferentemente ocorre com o parcelamento do solo, a servidão, a reserva legal, a desapropriação amigável, a venda e compra com desmembramento, entre outros, em que se está diante da necessidade de perfeita e prévia localização do imóvel no solo, controle de seus limites e pontos de amarração mediante dados constantes do acervo da Serventia Imobiliária, tudo com vistas a eventuais prática de atos que se alterem ou modifiquem a realidade objetiva. Aqui reside o diferencial, que será abordado como cerne da questão de fundo.

DOS PRINCÍPIOS DA ESPECIALIDADE E DA DISPONIBILIDADE

Toda a questão, Excelência, resume-se a se entender como aplicável ou não às reservas legais a observância rigorosa dos Princípios da Especialidade Objetiva e da Disponibilidade Qualitativa. Como cediço, o Registrador Imobiliário não possui qualquer interesse jurídico na solução da divergência, cabendo-lhe, ao final, a aplicação do quanto determinado.

O Princípio da Especialidade demanda que o imóvel esteja bem individualizado e identificado, com suas características, dimensões e confrontações (artigo 176, parágrafo 1º, inciso II, número 3, letras "a" e "b", cc artigo 225, caput, ambos da Lei Federal nº 6.015/1973).

No caso em concreto, tem-se que o imóvel objeto da matrícula 2.330 aparentemente guarda linguagem descritiva razoável. Entretanto, sua origem remonta a um verdadeiro expediente unilateral de retificação, sem qualquer depósito tabular de elemento que permita aferir a regularidade quer de sua figura geométrica, quer de seus confrontantes e pontos de amarração, tendo surgido ao largo de regular procedimento retificatório.

Colhe-se da Apelação Cível nº 293-6/8, da Comarca de Cotia, de 11 de março de 2005, órgão julgado o Colendo Conselho Superior da Magistratura, tendo por relator o então Corregedor Geral da Justiça da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale, o seguinte ensinamento:

"Considerados exclusivamente os assentos registrários - fonte única da qual se deve socorrer o Oficial nessas hipóteses, já que não pode se valer de elementos a eles estranhos - não há como se aferir a especialidade.

Ensina Afrânio de Carvalho que "o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa lugar determinado no espaço, que é abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial" (Registro de Imóveis, 4ª edição, Editora Forense).

Sem prévia retificação, inviável constatar, com a segurança devida, inerente ao fólio, a situação geodésica do imóvel objeto da matrícula em tela." (destaques e grifos nossos)

Conquanto tratando de hipótese outra que não a dos presentes autos, na mesma decisão citada, encontra-se bem delineado também ensinamento sobre o Princípio da Disponibilidade Qualitativa, nos seguintes termos: "Nítido o maltrato à disponibilidade qualitativa.

Não há controle da definição geodésica do imóvel, ainda que não tenha se excedido, a princípio, a disponibilidade quantitativa. Entretanto, mera operação de subtração somente permite o controle da disponibilidade do bem, mas não assegura o controle qualitativo."

Também se colhe na Apelação Cível 011447-0/5, de 08 de novembro de 1990, da Comarca de São José do Rio Preto, mesmo órgão julgado citado, sendo relator o eminente Desembargador Onei Raphael, luzes acerca do Princípio da Disponibilidade Qualitativa:"Já se encontra pacificado no âmbito da jurisprudência do Colendo Conselho o entendimento segundo o qual "a aferição da disponibilidade não é só aritmética ou quantitativa, mas também qualitativa ou geodésica, impondo a situação da parte dentro do todo de que se destaca, de molde a permitir conhecimento seguro quer da base imobiliária que se separa com a fragmentação, quer da que permanece no registro de origem, evitando sobreposições atuais ou futuras" (parecer do magistrado Dr. Ricardo H. Marques Dip na Ap. Cível n.º 6.838-0, de Araraquara, j. 30.03.97, Rel. o Des. Sylvio do Amaral)." (destaque e grifo nossos)

Em matéria de controle da disponibilidade qualitativa, o hoje Desembargador Kioitsi Chicuta, então juiz corregedor da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital do Estado de São Paulo, já reconheceu a possibilidade da Serventia Registral de proceder a verificação de sua compatibilidade com base em documentos idôneos, como no Processo nº 000603/90, de 03 de setembro de 1990:"O que importa verificar é o controle da disponibilidade quantitativa e qualitativa, certificando-se o Cartório sobre eventual invasão a propriedade de terceiro, socorrendo-se, para tanto, dos elementos da própria Serventia (indicador real matrículas, plantas, etc.) e da planta setorial." (destaque e grifo nossos)

Note-se que mesmo nesta hipótese realça a necessidade de elementos tabulares a sustentar o atuar do Oficial de Registro.

Portanto, Excelência, o que se impõe como limite à prática do ato é a dificuldade de se controlar a especialidade objetiva do imóvel por elementos estritamente tabulares e sua definição geodésica, inexistente trabalho técnico ou precedente e regular procedimento de retificação que confira segurança e certeza quanto aos limites e forma do imóvel.

DA RESERVA LEGAL E UMA VISÃO MAIS RIGOROSA DOS PRINCÍPIOS DA ESPECIALIDADE OBJETIVA E DISPONIBILIDADE QUALITATIVA

Preceitua o artigo 16, parágrafo 8º, da Lei Federal nº 4.771/1965:"§ 8o A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)" (destaque e grifo nossos)

Do texto legal, verifica-se que o objeto da averbação não é o termo de responsabilidade de preservação de reserva legal, mas sim a área de reserva legal.

Isto implica em grande diferença, pois se fosse o termo a ser averbado, realmente desnecessário seria o controle quer da especialidade, quer da disponibilidade qualitativa. Porém, em sendo objeto de averbação a área de reserva legal, esta deve estar, como de regra, devidamente definida.

Uma vez definida, pressupõe-se que esteja inserta dentro do todo de um dado imóvel, sendo impassível de alteração.

Esta ausência de possibilidade de segura localização e amarração no todo, partindo da análise de elementos estritamente tabulares, como, via de regra, plantas regularmente depositadas na Serventia, é que inviabiliza a segura prática do ato de averbação da reserva legal.

Feita a averbação sem o cuidado de observar a perfeita localização do todo no solo, implica em praticamente inviabilizar outros atos na matrícula, como, por exemplo, servidões e desmembramentos.

Suponha-se, por exemplo, que A, proprietário de um imóvel rural, averbe na matrícula a ele referente a área de reserva legal. Sendo esta passível de localização dentro do todo, perfeitamente possível, no futuro, a prática de atos de desmembramento, servidão, desapropriação amigável, com claro controle da especialidade e da disponibilidade pelo Oficial de Registro.

Porém, ad argumentandum, suponha-se que o imóvel esteja mal descrito ou não seja possível aferir a sua figura por elementos estritamente tabulares. O deferimento de averbação de área de reserva legal perfeitamente descrita e localizada em uma área não perfeitamente descrita e/ou não perfeitamente localizável implica na conseqüência oposta à relatada no parágrafo anterior.

Em suma, o trabalho de qualificação registral do termo de reserva legal pressupõe a análise do memorial descritivo e planta da reserva legal em conformidade com a matrícula e trabalhos técnicos que a ela ou a um expediente anterior de especialização (retificação, usucapião, desapropriação, por exemplo) deram suporte.

DA POSSÍVEL MITIGAÇÃO DO RIGOR

Por amor à verdade, há quem defenda possa ser mitigado o rigor na obediência à especialização da reserva legal. Esta opinião vem bem tratada no trabalho da lavra do Registrador Imobiliário da Comarca de Araçatuba, Estado de São Paulo, Doutor Marcelo Augusto Santana de Melo, cujos fundamentos adiante se reproduz.

"9. Especialização da reserva legal.

A reserva legal - como outras áreas especialmente protegidas - precisam utilizar o princípio da especialidade para localização geodésica da área no imóvel. Em virtude averbação não ser constitutiva e existir independentemente do ingresso no fólio real, não deve o registrador imobiliário aplicar com rigor o princípio da especialidade.

NARCISO ORLANDI NETO leciona que "o grande problema da averbação é a especialização da reserva, assim entendida a identificação da área instituída como unidade inconfundível, localizada e localizável dentro do imóvel de que faz parte”.

...

A rigor, não havendo compatibilidade entre os documentos apresentados e a descrição da matrícula, não seria possível a averbação. O interessado teria de retificar o registro, nos termos do § 2.º do art. 213 da Lei 6.015/73, para depois obter a averbação.

Mas esse rigor pode ser temperado, e há regras práticas.

Se a reserva estiver encostada numa das divisas do imóvel, bastará repetir, na descrição, o que consta da matrícula (ou transcrição), copiando literalmente a parte da descrição relativa àquela divisa. Evite-se substituir critérios antigos de descrição (valas, divisores de águas, touceiras etc.) por termos técnicos (rumos, ângulos etc.). As divisas da reserva internas ao imóvel são descritas livremente e, de preferência, tecnicamente.

Se a reserva for toda interna, encravada, o proprietário descreverá as divisas tecnicamente, mas procurará localizá-la no todo, isto é, fará referência aos principais pontos da descrição que consta do Registro.

A averbação deve ser feita com cópia de todos os documentos apresentados à autoridade administrativa, inclusive a planta, que mostrará, no imóvel todo, a exata localização da área da reserva. Esses documentos ficarão arquivados na serventia.

Pode acontecer de a planta não permitir a identificação do mesmo imóvel da matrícula (ou transcrição), principalmente no caso de descrições antigas e descuidadas. Mas a planta não integra a matrícula. Servirá ela para localizar a reserva dentro do todo e ajudar o oficial a controlar a disponibilidade quantitativa e qualitativa do imóvel (Revista de Direito Imobiliário n. 42, julho a dezembro de 1997).

Com efeito, várias são as formas como os imóveis foram descritos desde a criação do Registro de Imóveis e, na grande maioria das vezes, nem mesmo a descrição existe ou, ainda, com divisas imprecisas e frágeis, tornando-se impossível localizar ou especializar a reserva.

É claro que o advento da Lei 10.267/2001 que criou o georreferenciamento irá resolver paulatinamente o problema das descrições dos imóveis rurais. No entanto, o importante não é a total coincidência entre as técnicas descritivas da reserva legal e perímetro do imóvel, mas sim se a reserva florestal está inserida no referido perímetro, devendo o registrador imobiliário se esforçar para estabelecer um ponto de amarração entre reserva e descrição registrária, mesmo porque, ao contrário da servidão, não se trata de direito real e, sim, de limitações administrativas, não sendo a averbação constitutiva, como salientamos.

9.1. Imóvel com descrição precária.

Imóvel rural denominado Sítio Aparecida, localizado no Bairro Patrimônio da Mata, distrito de Major Prado, com frente para a Rodovia Marechal Rondon, neste município e comarca de Araçatuba, Estado de São Paulo, com a seguinte descrição: 24,20 hectares, ou sejam, 10 alqueires, confrontando pelo lado direito de quem da rodovia observa o imóvel com José Paulino Gonçalves, pelo lado esquerdo com Sebastião Antunes e nos fundos com o Córrego Ferreirinha”.

- A especialização da reserva florestal poderá ser efetuada com qualquer técnica descritiva.

- Mesmo descrito precariamente, o profissional que elaborar o projeto poderá usar a Rodovia Marechal Rondon e as confrontações como ponto de referência. Caso não exista nenhum ponto de amarração, necessário proceder à retificação do registro (art. 213 da LRP)."

Portanto, o Ilustríssimo autor aponta algumas soluções, reconhecendo, porém, ele mesmo, ao mencionar o célebre Doutor Narciso Orlandi Neto, que o rigor no trato da especialidade objetiva e da disponibilidade qualitativa, conduz à necessidade de prévia retificação de área.

Dessa forma, Excelência, realçando uma vez mais que no caso em concreto não houve regular procedimento retificatório com manifestação de confrontantes e interessados que desse suporte à descrição constante da matrícula 2.330, deste Registro Imobiliário, bem como a inexistência de mapa depositado na Serventia que permita o controle quer da especialidade objetiva, quer da especialidade subjetiva, devolve a matéria ao elevado e prudente critério de Vossa Excelência, para que defina pela necessidade ou não de prévia retificação de área como condição para a averbação da reserva legal.

Na hipótese de se entender de forma diversa da conduta deste Oficial, adotando a possibilidade de mitigação do rigor na aplicação dos princípios citados, pugna por conferir caráter normativo à decisão, definindo o parâmetro a seguir em casos como o presente com relação à matéria posta em debate.

Aproveito o ensejo para renovar meus votos de elevada estima e distinta consideração.

Ao

Meritíssimo Senhor Juiz de Direito da 1ª Vara Cível e Corregedor Permanente dos Registros Imobiliários da Comarca de Araraquara, Estado de São Paulo.

Sua Excelência

Doutor JOÃO BATTAUS NETO
Rua dos Libaneses, nº 1.998 – Carmo
Araraquara – SP
CEP 14801–425"


Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB n. 3466 - 20/10/2008.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.