Artigo - Relações trabalhistas, fiscais e tributárias nas serventias extrajudiciais

Eliane Viana de Sousa*

RESUMO


O tema do estudo serão as relações e obrigações trabalhistas, fiscais e tributárias nas serventias extrajudiciais, objetivando abordar, sucintamente, alguns aspectos da personalidade jurídica, tendo um enfoque prioritário na legitimidade processual, relações de trabalho, sucessão trabalhista e responsabilidade civil, como conseqüência da despersonalização destes estabelecimentos, levando o leitor ao conhecimento das controvérsias contidas no assunto tratado; para isso será feito uma explanação da doutrina e jurisprudência. Trata-se de enfatizar elementos contidos na lei, doutrina e jurisprudência, sua história e evolução. Igualmente, buscou-se mostrar conceitos sobre o Direito do Trabalho, Tributário e Previdenciário. Conclui-se pela importância de um conhecimento básico e fundamental para o bom funcionamento e administração dos estabelecimentos cartorários.

Palavras chave: Serventias Extrajudiciais; Relações de Trabalho; Obrigações Trabalhistas, Previdenciárias e Tributárias.

INTRODUÇÃO

O tema do estudo será as relações trabalhistas nos serviços notariais e de registro como assunto principal, assim como será abordado noções fiscais e tributárias específicas para estes estabelecimentos. Seu objeto é abordar, sucintamente, a personalidade jurídica das serventias extrajudiciais, levando um enfoque prioritário às normas trabalhistas, tributárias e fiscais, bem como, visar à investigação sobre o assunto.

As atividades notariais e de registro apresentam relevante serviço público que garante a publicidade, autenticidade e segurança dos negócios jurídicos, a ordem social e a memória de um povo. A Constituição Federal de 1988 conferiu-lhe novo status, pela sua natureza privada (por delegação do Poder Público), conforme dispõe o art. 236, exigindo concurso público para ingresso na atividade.

A definição de natureza jurídica das serventias extrajudiciais passa, necessariamente pela compreensão do vínculo que os liga ao Estado, tendo controvérsia e divergência entre a doutrina e a jurisprudência a esse respeito.

Os titulares dos serviços notariais e registral apresentam dúvidas sobre como proceder com os empregados da serventia extrajudicial no que tange às obrigações trabalhistas. É igualmente duvidosa a questão de quem deve contratar, Pessoa Física (CEI) ou Pessoa Jurídica (CNPJ), vez que é controvertido o regime jurídico das serventias, sobretudo quando ocorre o empossamento de um novo tabelião o qual se depara com tais obrigações ainda pendentes. Não raras vezes, este novo titular questiona a sua responsabilidade em quitar as obrigações trabalhistas com os empregados que já prestaram serviços na serventia extrajudicial ou que ainda prestam, já que, em muitos casos, o novo titular não quer aproveitar os empregados já existentes.

Também é de praxe, muitos empregados confundirem a figura do tabelião substituto como se fosse seu verdadeiro empregador, já que a prática demonstra que o mesmo, em muitas ocasiões, comporta-se efetivamente como empregador, exercendo funções como assalariar, dar ordens, assinar CTPS, recolher o FGTS, etc; isto é, atua aquele sujeito como se empregador fosse.

Destarte, a ausência de personalidade jurídica revela-se um complicador para os litígios apresentado perante o Poder Judiciário trabalhista, sobretudo quando se verifica uma sucessão de empregadores – assim entendida como a transferência de titularidade de empresa com completa transmissão de créditos e assunção de dívidas - a qual se dá, no âmbito das atividades notarial e registral, através de concurso público.

Não só bastassem essas dúvidas que pairam sobre os sujeitos da relação de trabalho, também são muito comuns os advogados não conseguirem orientar de forma sólida os seus clientes - seja empregado, seja empregador - sobre eventuais controvérsias que advenham da relação de trabalho no âmbito notarial e registral, uma vez que a jurisprudência ainda se revela extremamente dividida e a doutrina apresenta orientações antagônicas sobre as controvérsias mais comuns, além de haver pouca elaboração teórica sobre o tema.
O assunto em questão foi escolhido pela sua relevância como um dos principais atributos da administração, para o bom funcionamento dos estabelecimentos, e em razão das grandes cizânias doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria, as quais conduzem os profissionais do Direito e os sujeitos da relação de trabalho a desordens práticas e, por conseguinte, a uma insegurança jurídica, uma vez que não há entendimento uníssono sobre as questões que envolvem tais atividades e tampouco amparo legal, o que gera dúvidas a todos os envolvidos em tais serviços sobre como proceder nesta relação de trabalho.

Em razão de não haver uma orientação jurisprudencial convergente sobre o tema e por ser a legislação insuficiente sobre as questões que envolvem as atividades em tela, a função precípua deste estudo será explorar os temas mais relevantes e controvertidos acerca do assunto nos serviços notarial e registral, a fim de que se obtenham elementos mais sólidos e capazes de orientar os trabalhadores, empregadores e profissionais do Direito a dirimirem as divergências oriundas da relação de trabalho no âmbito das supracitadas atividades.

Enfim, esse é o desafio e, desde já, é lançado a todos, não somente aos notários e registradores, mas também aos que militam nas lides forenses da área árdua do trabalho, sobretudo, à sociedade. Por isso mesmo é que se pretende utilizar linguagem acessível a qualquer segmento social, renunciando, por ora, o formalismo técnico-jurídico.

1 SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS

As Serventias Extrajudiciais respondem a uma realidade secular de necessidade de segurança e consiste na autenticação de realidades mediante uma função que lhe é própria e inerente, ou seja, a fé pública, e toda sua obra estão marcadas por esse princípio fundamental e que, sustentado por outros, como a liberdade, a verdade e a justiça, valores que juntos com o direito, imprimem aos atos, fatos e relações jurídicas, o selo definitivo da verdade e legalidade.

A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994, ao regulamentar o art. 236 da Constituição Federal definiu os notários e registradores como profissionais do direito. Dispõe o art. 3° da referida lei: “Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.

Os atos notariais e de registro têm intrinsecamente aptidão de certeza e gozam, socialmente, ademais, de uma presunção genérica de legalidade, não só pela capacidade jurídica de seus autores, mas também, em especial, pelo respeito que eles inspiram.

A independência jurídica dos tabeliães e registradores não é novidade na doutrina internacional, e o modelo da independência jurídica do registrador e do notário, como foi antecipado, ajusta-se, entre nós, ao direito posto: notário e oficial de registro são ‘profissionais do direito’, ‘dotados de fé pública’ (art. 3°, da Lei 8.935/1994), gozando ‘de independência no exercício de suas atribuições’ (art. 28, da Lei cit.).

A atuação do notário e registrador vem se expandindo, como se vê pela evolução legislativa. Reconhece o legislador federal serem os profissionais adequados, em razão de sua tradição e de sua independência jurídica, a colaborar na solução mais célere de diversas questões, sem que se prescinda da segurança jurídica e da eficácia.

Como profissionais do direito, com independência jurídica, devem notários e registradores praticar os atos como autorizados pela lei. Não dependem de qualquer orientação ou autorização administrativa, nem a elas estão sujeitos. Em verdade, notários e registradores não podem deixar de praticar os atos solicitados pelos interessados que preencham os requisitos legais, cabendo-lhes dar a correta interpretação jurídica aos dispositivos legais aplicáveis. São ônus do exercício da função. O que devem, e efetivamente fazem, é debater e analisar os avanços legislativos em seus institutos de estudo, para que atuem sempre com mais segurança.

1.1 Personalidade Jurídica

Quanto à natureza jurídica do serviço notarial e de registro, há de se levar a exame, o apontamento feito por HELY LOPES MEIRELLES : “O Governo e a Administração, como criações abstratas da Constituição e das leis, atuam por intermédio de suas entidades (pessoas jurídicas), de seus órgãos (centros de decisão) e de seus agentes (pessoas físicas investidas em cargos e funções)”.

As serventias notariais e de registro não são Pessoa Jurídica – não são Empresas. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica existente entre o titular da Serventia e o Estado ou mesmo porque a organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao controle e fiscalização do Poder Judiciário. O cartório não possui personalidade jurídica, a qual só se adquire com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

1.2 Ilegitimidade Passiva “Ad Processum” das Serventias Extrajudiciais

As serventias extrajudiciais, freqüentemente, são acionados em processos de reparação de danos em razão de atos próprios da serventia e da responsabilidade civil do notário e do registrador, a qual está esculpida nos artigos art. 22 da Lei n.º 8.935/94, art. 28 da Lei n.º 6.015/73 e art. 236, §1º, da Constituição Federal/88.

No entanto, é importante frisar que grande parte, quiçá a maioria, dessas ações são propostas com irregularidades processuais que podem auxiliar a um deslinde favorável do processo para o titular da serventia. Ocorre que nessas ações, os requerentes, por desconhecerem a natureza jurídica dos cartórios, equivocadamente, teimam em nominar como parte no pólo passivo da demanda os nomes “fictícios” das serventias. Destarte, cumpre frisar que tanto o “cartório” quanto a função de “titular de cartório”, carecem de ilegitimidade passiva “ad processum”, não detendo capacidade de ser parte em juízo.

A legitimidade “ad causam” passiva pertence, exclusivamente, à pessoa física do titular da serventia e não ao cartório de notas ou registro.

O entendimento predominante da doutrina e jurisprudência firmam a posição de que os cartórios extrajudiciais não possuem personalidade jurídica e, portanto, não podem figurar no pólo passivo das demandas judiciais. Assim sendo, cumpre relacionar alguns importantes julgados:
CIVIL E PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO – CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS – ILEGITIMIDADE PASSIVA – ENTE DESPERSONALIZADO – 1. Cartório extrajudicial não tem personalidade jurídica de direito material. 2. A responsabilidade por falha de cartório extrajudicial deve ser suportada pelo titular da serventia (art. 28, LRP/73 e art. 22, Lei 8.935/94), designado à época do evento danoso. 3. Recurso improvido. (TJDF, Ap. 20010111042928–DF, 2ª T.Cív., Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos, DJU-I de 22.Out.2003, p. 44).

EMBARGOS DO DEVEDOR – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – ILEGITIMIDADE AD CAUSAM – Cartório extra-judicial é desprovido de personalidade jurídica e processual. Não figura em pólo passivo da execução. A extinção do processo executivo se impõe. (TJMG, Ap 000.344.189-6/00, 1ª Câm.Cív., Rel. Des. Orlando Carvalho, J. 24.Jun.2003).

Como se pode do todo inferir, os acórdãos indicados confirmam o entendimento predominante da jurisprudência, no sentido de que os cartórios extrajudiciais não são dotados de personalidade jurídica própria. Por conseguinte, claramente se conclui que as serventias notariais e de registro não podem figurar no pólo passivo das ações judiciais.

1.2 Serviços Notariais e de Registro como Serviços Públicos Delegados

A delegação é um dos mais eficientes instrumentos da chamada administração privada associada de interesses públicos, pois permite que determinadas atividades de interesse público, mas que são privativas do Estado, sejam executadas pelo particular.

O art. 236 da Constituição dispõe que os serviços notariais e de registro serão exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público. Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho : "Serviços delegáveis são aqueles que, por sua natureza ou pelo fato de assim dispor o ordenamento jurídico, comportam ser executados pelo Estado ou por particulares colaboradores". Tem-se, portanto, que o exercício das atividades notarial e registral implicam em verdadeiro múnus público, uma vez que se trata de serviço delegado pelo Poder Público aos particulares.

1.3 Ingresso

O ingresso, nas atividades notarial e registral, ocorre através de concurso público de provas e títulos desde a Emenda Constitucional nº 07/77, tendo a Constituição de 1988, endossado este dispositivo, conforme dispõe seu art. 236, § 3º. Em consonância com o texto constitucional, dispõe o art. 14, I da Lei 8.935/94 - lei regulamentadora do art. 236 da Constituição Federal, a qual dispõe sobre serviços notariais e de registro – que a delegação para o exercício das atividades notarial e registral depende de habilitação em concurso público de provas e títulos.

2 RELAÇÕES DE TRABALHO

No que tange à figura do empregador, depreende-se que o mesmo é o tabelião titular, pois o art. 20 da Lei 8.935/94 dispõe que os oficiais de registro e os notários, para desempenharem as suas funções, poderão contratar escreventes e dentre eles escolher os substitutos e auxiliares, sendo todos empregados celetistas cuja remuneração será livremente ajustada.

Está a Lei 8.935/94 em conformidade com o art. 2º da CLT, a qual define que empregador é aquele que assume os riscos do negócio, admite, assalaria e dirige a prestação dos serviços – embora exista, no âmbito das atividades notarial e registral, submissão às normas da Corregedoria que tem o único papel de fiscalizar. Isto não descaracteriza a figura do empregador, pessoa física, tampouco, a relação de trabalho existente nas referidas atividades, cabendo, assim, ao tabelião titular assinar a CTPS, assalariar, etc.

Os trabalhadores existentes nas supracitadas atividades, tais como auxiliares e escreventes, são regidos pela CLT e, quando presentes os requisitos da relação de emprego nos termos do art. 3º da CLT, serão considerados empregados, embora sejam também subordinados à Corregedoria e às normas de Organização Judiciária.

É indiscutível que o notário e registrador é o responsável pelas obrigações trabalhistas decorrentes da relação de trabalho no âmbito das atividades notarial e registral. Contudo, há dúvida sobre esta responsabilidade quando ocorre a sucessão trabalhista.

3 SUCESSÃO TRABALHISTA

Este instituto, genericamente, é abordado intensamente pela doutrina do Direito do Trabalho; entretanto, a referida sucessão nas atividades notarial e registral pouco é discutida, o que enseja uma desordem jurisprudencial por existirem poucas teses e elucidações sobre o tema. Deve-se entender tal fenômeno como a transferência de titularidade de empresa com completa transmissão de créditos e assunção de dívidas - a qual se dá, no âmbito das atividades notarial e registral, através de concurso público.

Ao assumir a titularidade de uma serventia que estava sob o comando do tabelião anterior, sem vínculo algum com os serviços prestados anteriormente ao exercício de sua atividade, discute-se na doutrina e na jurisprudência se há a sucessão da responsabilidade pelas obrigações trabalhistas pelo novo titular. Para Alice Monteiro de Barros , o sucessor na atividade cartorária assume as dívidas anteriores à sua gestão. Em linhas gerais, explica a autora:

Outros sustentam que empregador é a empresa, vista sob o prisma da atividade organizada, a qual não se confunde com o seu titular. Como a atividade cartorária é por excelência privada,apesar da ingerência pública,e considerando que a empresa é atividade, o fato de o cartório ter pertencido a vários gestores ou responsáveis, não impede a sucessão.

No mesmo sentido, entende Valentin Carrion que, como a CLT define expressamente que empregador é a empresa, ou seja, é a atividade economicamente organizada e, por ser tal diploma legal totalmente aplicável aos empregados dos titulares de cartórios extrajudiciais, haverá sucessão das obrigações trabalhistas quando ocorrer a mudança de titularidade, uma vez que a atividade empresarial se manteve, havendo apenas uma alteração da pessoa física.
Ainda na mesma esteira de que ocorre a sucessão quanto às obrigações trabalhistas, defende Vólia Bomfim Cassar :

[...] a alteração da titularidade do serviço notarial ocorre a transferência de todos os elementos da unidade econômica que integra o cartório, como a clientela, a atividade desenvolvida, as firmas (assinaturas), a área de atuação e, algumas vezes, até o ponto e o estabelecimento, além dos demais elementos corpóreos ou incorpóreos da atividade empresarial, cujo conjunto se denominou de fundo de comércio. Acresce mais que a lei não estabelece como requisito a existência de ato negocial. Para ocorrer a sucessão basta a transferência da empresa, independentemente de existir "transação comercial", máxime quando se trata de mera substituição de concessionário ou de delegatário de serviço público. A sucessão ocorrerá independentemente da continuidade do contrato de trabalho para o novo tabelião titular em face da característica da obrigação trabalhista – ônus reais, que adere a coisa e a persegue aonde estiver.

Em contrapartida, é possível encontrar na jurisprudência tese diversa à defendida pelos autores, onde se sustenta a não ocorrência da sucessão trabalhista quando há mudança de tabeliães titulares no cartório extrajudicial, pois com a exigência de concurso público para o ingresso nas atividades notarial e de registro, o novo titular assume o cargo e não o patrimônio do antigo empregador. Como nenhum crédito lhe é repassado, também não poderá ser responsabilizado por débito algum, pois inexiste transação empresarial entre o antigo e o novo titular. Ademais, sustenta-se que os serviços notariais e de registro são públicos por excelência, sendo meramente executados por delegação, logo, não é possível ocorrer sucessão entre notários. É preciso que a empresa (atividade economicamente organizada) passe das mãos de um para o outro empresário de alguma forma, seja fusão, venda, etc. Se os serviços registrais são públicos, eles pertencem ao Estado, e não ao particular, não podendo ser cessível entre os particulares. E o que não é cessível não pode suceder, sendo inaplicável a sucessão trabalhista no âmbito das atividades registral e notarial.

Hodiernamente, os serviços notariais e de registro são atividades delegadas pelo Poder Público, por meio de concurso público, e exercidos, em caráter privado, consoante o disposto no art. 236 da Constituição Federal/88. Com efeito, é precioso lembrar que o ingresso na função pública dá-se por concurso público, portanto, de forma “originária”.

No entendimento de PAULO ROBERTO DE CARVALHO RÊGO, a respeito da matéria, observa-se:

Com efeito, além de inexistir a “empresa cartório” ou personalidade jurídica ao seu oficial “titular”, falece legitimidade passiva ad causam ao novo serventuário que assume a serventia pelos débitos deixados pelo que lhe antecedeu, porque, tendo se dado seu ingresso na função pública, de forma originária, por concurso público, não há que cogitar de “solidariedade” ou “sucessão” entre ele e quaisquer anteriores ocupantes da função exercida. [...] Só por isso, já se demonstra que não existe sucessão entre os Oficiais Titulares, porque recebem a delegação diretamente do Estado, por meio de um dos seus Poderes, o Poder Judiciário, de forma originária. Assim é porque, vaga uma delegação (por aposentadoria, morte, renúncia, etc. do seu antigo titular), essa retorna ao Estado, o qual seleciona, por concurso público, um novo delegado, que, assim, assume sem qualquer vinculação com o Oficial anterior, porque recebe a outorga da delegação diretamente do Estado.[...] Assim, não há sucessão “comercial” e nem “trabalhista” entre os Oficiais, anteriores e atuais, não sendo, esse responsável por nenhum desatino ou ilícito praticado durante o exercício da delegação por outro, que não ele próprio. [...] Concluímos, portanto, que a responsabilidade dos delegados dos serviços notariais e de registro é limitada aos atos e obrigações contraídas durante o exercício da delegação, não podendo, o novo titular da função, responder por atos dos que lhe antecederam .

Ver-se que é a pessoa física do titular que responde pelos ilícitos que praticar durante o exercício da função pública delegada. A responsabilidade é pessoal, não alcançando o oficial delegado que não ostentava esta qualidade à época em que ocorreu o ato danoso. É importante frisar que não se pode responsabilizar o titular-sucessor que não participara do ilícito, e, muito menos, responsabilizar a figura do “cartório” como se fosse uma empresa, dotada de personalidade jurídica. Certo é que o titular investido, originariamente, na função pública, não pode ser responsabilizado pelos atos praticados anteriormente à sua delegação.

Destarte, consoante a jurisprudência dominante, é certo afirmar que o “cartório” ou o “titular da serventia”, não detém personalidade jurídica, não são uma empresa ou entidade e, portanto, não pode ocorrer a sucessão empresarial e nem trabalhista entre os oficiais, anteriores e atuais, onde o atual oficial a exercer a função pública assumiria todo o passivo da serventia e responderia civilmente por atos ilícitos ou funcionais, eventualmente praticados desde sua instalação pelos delegados antecessores. O atual titular da serventia não pode responder por um ato ilícito ou funcional que não praticou.

4 DIREITO DO TRABALHO E RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade pressupõe uma relação jurídica entre a pessoa que sofreu o prejuízo e a que deve repará-lo, deslocando o ônus do dano sofrido pelo lesado para outra pessoa que, por lei, deverá suportá-lo, atendendo assim à necessidade moral, social e jurídica de garantir a segurança da vítima, violada pelo autor do prejuízo. É a obrigação que tem o agente de responder por seus atos, positivos ou negativos, assumindo, assim, as suas conseqüências.

A definição do sistema de responsabilização civil dos titulares de serventias extrajudiciais passa, necessariamente pela compreensão da natureza jurídica do vínculo que os liga ao Estado. Assim, como há controvérsia quanto sua natureza jurídica, também o há quanto à responsabilidade civil pelos praticados pelos notários e registradores, havendo uma grande divergência entre a doutrina e a jurisprudência a respeito da responsabilidade objetiva ou subjetiva.

Tem-se entendido, que as atividades exercidas pelos notários e registradores, ainda que o sejam por delegação, traz a responsabilidade objetiva do Poder Público, pelos atos praticados por seus agentes, de modo que o Estado responde pelos atos praticados pelos notários e registradores. Apesar da Lei nº 8.935/94, em seu art. 22, tenha tido o objetivo de excluir a responsabilidade do Estado, tem-se que tal responsabilidade não pode ser excluída, inerente que as atividades notariais e registrais são desenvolvidas por delegação do Poder Público, que sempre será responsável pelos atos praticados por seus delegados, ainda que tenha esse, direito de regresso contra o serventuário, ante a determinação do § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

5 OBRIGAÇÕES

Não é nenhuma novidade que as serventias extrajudiciais não-oficializadas, embora inscritas obrigatoriamente no CNPJ, não tenham personalidade jurídica, de tal sorte que, seus representantes legais, notários e registradores, submetem-se às regras de tributação das pessoas físicas.

Para a determinação da base de cálculo de incidência do imposto e a conseqüente apuração do valor a ser recolhido, os contribuintes acima referidos podem e devem escriturar receitas e despesas em Livro Caixa.

5.1 Obrigações Trabalhistas e Previdenciárias

O notário é obrigado a prestar contas na área trabalhista e previdenciária, sendo algumas principais (IRRF, Contribuição Previdenciária e FGTS) e outras acessórias (DIRF, GFIP e RAIS).

O Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), considerado uma obrigação principal para o notário, é uma forma alternativa da cobrança do imposto de renda normal. E, como todas as pessoas físicas, apenas se sujeitam ao dever de reter o IR das pessoas físicas a quem pagam rendimento do trabalho assalariado.

A Contribuição Previdenciária é descontada das remunerações pagas aos empregados, as quais devem ser mensalmente retidas e repassadas ao INSS pela fonte pagadora. De fato, incumbe ao empregado participar do custeio da seguridade social por meio de contribuições.

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado em 1967 pelo Governo Federal para proteger o trabalhador demitido sem justa causa, mediante a abertura de uma conta vinclulada ao contrato de trabalho. No início de cada mês, os empregadores depositam, em contas abertas na CAIXA em nome dos seus empregados, o valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário.

A Declaração do Imposto Retido na Fonte (DIRF) é a declaração feita pela FONTE PAGADORA, destinada a informar à Receita Federal o valor do imposto de renda retido na fonte, dos rendimentos pagos ou creditados para seus beneficiários.

A lei nº 9.528/97 introduziu a obrigatoriedade de apresentação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP. Desde a competência janeiro de 1999, todas as pessoas físicas ou jurídicas sujeitas ao recolhimento do FGTS, bem como às contribuições e/ou informações à Previdência Social, estão obrigadas ao cumprimento desta obrigação.

A gestão governamental do setor do trabalho conta com o importante instrumento de coleta de dados denominado de Relação Anual de Informações Sociais - RAIS. Instituída pelo Decreto nº 76.900, de 23/12/75. A RAIS tem por objetivo de suprimento às necessidades de controle da atividade trabalhista no País, o provimento de dados para a elaboração de estatísticas do trabalho; e, a disponibilização de informações do mercado de trabalho às entidades governamentais.

5.2 Obrigações Tributárias


São obrigações tributárias do notário e registrador, as principais: IRPF, ISSQN, Contribuição Previdenciária (pessoal, patronal e tomador de serviços de pessoas físicas) e acessórias: DIRPF e DOI.

O imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é a forma de o Governo Federal receber dos contribuintes sua contribuição pelo trabalho e rendimento. Cabe salientar que os haveres auferidos pelo titular da serventia, a título de emolumentos, são contabilizados como receita da pessoa física do titular, recolhendo este o IRPF.

O imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, com exceção dos impostos compreendidos em Circulação de Mercadorias (ICMS), conf art. 155, II da CF/88 (ISSQN ou ISS), é um imposto brasileiro. É um imposto municipal, ou seja, somente os municípios têm competência para instituí-lo (Art.156, III, da Constituição Federal). A Lei Complementar nº 116 trouxe anexa uma nova lista, procurando deslindar algumas dúvidas acerca da base de incidência deste imposto. A lista anexa aponta como tributáveis, em seu item 21 e subitem 21.1., os serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

Como Contribuinte individual, pessoa física, notários devem recolher individualmente, por conta própria, suas contribuições previdenciárias, mediante inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Também, como auferidor de rendimentos, como pessoa física, é sujeito passível de contribuir com o Imposto de Renda Pessoa (IRPF), e para a efetivação do referido pagamento, está sujeito a fazer, como conseqüência dieta, a Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física. Esta declaração está diretamente ligada à prestação de contas pelo contribuinte ao fisco.
A Declaração Sobre Operações Imobiliárias (DOI) é utilizada pela Receita Federal para controle das operações imobiliárias efetuadas por pessoas físicas e jurídicas, de acordo com o disposto na legislação do imposto de renda. Foi instituída, também, como instrumento pelo qual os notários e registradores, responsáveis por Cartórios de Ofícios de Notas, Registro de Imóveis e de Títulos e Documentos prestarem as informações exigidas sobre essas operações, cujos documentos foram por eles lavrados, anotados, matriculados, registrados e averbados e que se enquadram nos parâmetros estabelecidos pelos dispositivos legais.

CONCLUSÃO

As atividades notariais e de registro constituem medida de publicidade, autenticidade e de segurança nos negócios jurídicos, contribuindo sobremaneira com toda a sociedade para a prevenção de litígios e a manutenção da ordem e da paz social. Além da medida de segurança social, essas atividades têm importante repositório de dados e memória de um povo, garantindo, sobretudo, a perpetuação de informações. São funções delegadas pelo Poder Público, originadas por concurso público.

Em decorrência de sua própria natureza, as serventias, função revestida de estatalidade é sujeita, por isso mesmo, a um regime de direito público. Todavia, é preciso frisar que os notários e registradores não exercem cargo público, são classificados como agentes públicos delegados, os quais agem como se fossem o próprio Estado, dotados de autoridade. O notário e o registrador, na qualidade de agentes públicos delegados, exercem uma função pública “sui generis”.

No entendimento predominante da doutrina e jurisprudência, as serventias extrajudiciais são entes despersonalizados, desprovidos de patrimônio próprio, não possuem personalidade jurídica e não se caracterizam como empresa ou entidade. Não podem figurar no pólo passivo, nem ativo de demandas judiciais. Com efeito, entende-se que não há sucessão trabalhista, uma vez que a serventia notarial e de registro não é empresa e tampouco pratica atos negociais. Também, é importante lembrar que inexiste a transferência da unidade de trabalho de um para o outro titular da serventia, ou seja, extinta a delegação, a qualquer título, o exercício da atividade retorna para o Estado. Outro motivo relevante para não aplicação da sucessão trabalhista é o fato de que a delegação é outorgada à pessoa física do titular, por concurso público, em caráter “originário”.

Ainda, o Notário e Registrador é sujeito passivo de obrigações tributárias (principais e acessórias) e, como empregador, deve cumprir com deveres de natureza trabalhista, o que lhe impõem a necessidade de contar com a assessoria de profissionais da área contábil, capacitado para formalizar os procedimentos relativos à Folha de Salários e demais incumbências burocráticas. Mas, como pessoa física que é, não está sujeito à contabilidade, considerando o sentido mais técnico do vocábulo.

As mudanças sociais e econômicas no tempo não têm feito senão reafirmar a razão de ser do notariado e dos registros públicos, mas ainda hoje, em que a idéia de troca parece ser característica determinante de toda sociedade, estão eles intimamente ligados ao progresso e à intercomunicação dos homens, continuando a oferecer perspectivas de atuações eficientes, contribuindo decisivamente ao equilíbrio, à solidariedade e à paz social. É uma realidade histórica, concreta, conseqüência de um consenso social, tanto no tempo como no espaço, porque no fundo as figuras dos notários e dos registradores são uniformes, não obstante a variedade dos distintos ordenamentos.

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Fonte: Site da ANOREG/BR - 09/07/2009.

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