* O autor é Registrador Imobiliário, mestre e doutorando em direito civil
(PUC-SP), professor de diversos cursos de pós-graduação em direito notarial
e registral.
1. Introdução.
A Lei Federal 8.935, de 18 de novembro de 1994, define, em seu artigo
primeiro, que "Serviços notariais e de registro são os de organização
técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade,
segurança e eficácia dos atos jurídicos".
Destes fins colimados pelo sistema registral, quais sejam, a publicidade, a
autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos, neste trabalho
queremos destacar a publicidade que, para nós, é mesmo a quintessência do
registro imobiliário, já que sua construção e operação só se justifica, em
nosso atual estágio de desenvolvimento sócio-jurídico, se o que consta dos
seus assentamentos destina-se a ser conhecido pela coletividade. Essa
possibilidade torna-se, segundo pensamos, conditio sine qua non da
concretude da função social da propriedade, consagrada no artigo 5º, XXIII,
da Carta Política de 1988 e, no âmbito do direito civil, enfatizada no
artigo 2.035, parágrafo único, do estatuto civilista de 2002. Esta afirmação
decorre, em fundamentação breve temporis, da circunstância de que a
clandestinidade, o oculto, conspiram contra a efetividade e objetivação da
função social da propriedade. É direito da sociedade, assim, conhecer a
extensão e os limites dos direitos reais sobre imóveis e eventuais outros
ônus sobre eles incidentes, seja para melhor embasar suas decisões de
praticar ou não determinado negócio jurídico, seja para municiar com
elementos robustos as instituições encarregadas de formular políticas
públicas ou exercer poder de polícia que direta ou reflexamente recaiam
sobre a propriedade imobiliária. Ademais, ao publicar o direito, protege-se
também o direito individual do proprietário, já que cria uma obrigação
negativa para todo o resto da coletividade de não embaraçar o livre
exercício desse direito por seu titular, dentro dos seus contornos legais.
Essa obrigação de respeitar a propriedade interessa também a toda a
sociedade e à manutenção da ordem jurídica, porque leva o cidadão à certeza
de que, se o Estado protegerá o proprietário contra ataques desautorizados
pela lei por parte de terceiros, também o protegerá quando, a seu turno, sua
propriedade estiver ameaçada.
Nesse sentido, o Registro de Imóveis tem por escopo concentrar as
informações acima referidas de sorte a proporcionar mecanismos de fácil
recuperação das mesmas, tendo, assim, a vocação de ser a longa manus da
função social da propriedade. De nada adiantaria realizar um trabalho com
extrema correção técnico-jurídica, tornando seus assentamentos um
repositório seguro a espelhar a situação da propriedade imobiliária na
coletividade, se essa informação não pudesse ser recuperada com eficiência e
segurança. Não se pode descurar que a expressão "publicidade registral" sai
do campo das idéias e da abstração e se concretiza ao se instrumentalizar a
informação na forma de uma "certidão", disciplinada nos artigos 16 a 21 da
Lei de Registros Públicos, no Capítulo V que, sugestivamente, leva a rubrica
"da publicidade". Esta singela peça sintetiza o clímax da atividade
registral-imobiliária: após percorrer todo o iter do negócio
jurídico-imobiliário, que passou pela confecção do título causal, ingresso e
qualificação no Registro de Imóveis, com o consequente registro, se em
termos, chega-se finalmente ao documento que prova e informa o direito.
Embora o direito tenha sido constituído ou declarado pelo ato registral em
si, ele seria inútil se não se destinasse ao conhecimento de todos os
interessados.
Pois bem. Quais são os instrumentos instituídos pela Lei de Registros
Públicos para permitir essa recuperação de informações? São os dois livros
conhecidos como "indicadores", previstos no artigo 173, respectivamente nos
incisos IV e V: os chamados Livro nº 4, denominado "Indicador Real", e Livro
nº 5, ou "Indicador Pessoal".
Pelo que ficou dito até aqui já se vislumbra a inafastável importância
desses dois livros no sistema registral-imobiliário vigente, colaboradores
que são no funcionamento dos livros principais, conforme assevera Miguel
Maria de Serpa Lopes [01]. Da sua
escorreita escrituração decorrerá o sucesso ou o fracasso dos fins
perseguidos pelo registro imobiliário. Ulisses da Silva afirma que "eles são
as portas abertas, no Registro de Imóveis, por onde entramos, em nossa
pesquisa, para chegarmos a uma matrícula ou um registro [...] Dada a
importância da função de tais livros, logo se vê a necessidade de bem
escriturá-los". [02]
Assim ressaltada a relevância do tema, examinemos em seguida os requisitos
da escrituração desses dois livros.
2. Abordagem legal e normativa.
Por primeiro, convém ressaltar que a atividade registral-imobiliária é
fortemente influenciada por disposições normativas emanadas dos órgãos
censório-fiscalizatórios, integrantes do Poder Judiciário, que têm a função
de discipliná-la. Essa atribuição decorre da própria lei. A já referida Lei
Federal 8.935/94, verdadeiro Estatuto dos Notários e Registradores,
determina no seu artigo 28, inciso XIV, ser dever destes últimos "observar
as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente". Tanto é assim que
deverá, também, "manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções,
provimentos, regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam
respeito à sua atividade" (inciso IV).
Não satisfeito, o mesmo diploma legal ainda elenca entre as infrações
disciplinares, que sujeitam os notários e os oficiais de registro às
penalidades previstas no mesmo, "a inobservância das prescrições legais ou
normativas" (art. 31, I).
O "juízo competente" é o estadual ou distrital (art. 37) e sua correta
identificação, portanto, dependerá das Leis de Organização Judiciária de
cada Estado-membro. No Estado de São Paulo, essa atribuição é dos chamados
"juízes corregedores permanentes" e, sobreposta hierarquicamente a eles, da
Corregedoria Geral da Justiça, formando assim duas instâncias
administrativas. É o que se depreende dos preceitos contidos nos artigos 50
a 52 do Decreto-Lei Complementar nº 3, de 27 de agosto de 1969 (Código
Judiciário do Estado de São Paulo), e do item 4, capítulo XIII, do
Provimento CG 58/89 (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do
Estado de São Paulo). Lembre-se quanto a isso que, com relação ao tema sub
exame, o Poder Judiciário não atua em sua função jurisdicional típica, mas
exerce atribuição administrativa anômala.
Há que se fazer referência também ao CNJ – Conselho Nacional da Justiça -,
criado pela Emenda Constitucional nº 45/04, que o incluiu como órgão
componente do Poder Judiciário, conforme se vê do artigo 92, inciso I-A, da
CF/88. Este Conselho, dentre outras atribuições, inclusive a de conhecer de
reclamações contra serviços notariais e de registro (art. 103-B; § 4º,
inciso III, CF/88), pode também, no zelo pela observância das amplas regras
contidas no artigo 37 da Carta Maior, desconstituir ou rever atos
administrativos praticados pelo Poder Judiciário. O alcance das atribuições
do CNJ permite entrever no mesmo – segundo pensamos – uma terceira instância
administrativa, ou, mais propriamente, uma instância de superposição, já que
pode conhecer diretamente dos temas aqui ventilados, até mesmo de ofício, ou
avocar procedimentos em curso, nos termos dos mesmos preceptivos
constitucionais citados.
Assim, ao notário e ao registrador não basta cumprir a lei stricto sensu:
deverá também atentar se há disposição normativa, emanada dos órgãos
aludidos, disciplinando cada fração de sua atividade.
No Estado de São Paulo, são amplamente conhecidas as chamadas "Normas de
Serviço da Corregedoria Geral da Justiça", atualmente consubstanciadas no
Provimento CG nº 58/89 e que – advirta-se – estão em fase de atualização por
parte daquele órgão.
Colocadas essas premissas, prosseguiremos o exame dos indicadores, sempre
atentando não só para a Lei de Registros Públicos, mas também para as
"Normas da Corregedoria".
3. O Livro 4: o indicador real.
O anterior diploma legal disciplinador do registro de imóveis, o Decreto nº
4.857, de 09 de novembro de 1939, já previa em seu artigo 186 a existência
do livro destinado ao indicador real, que sob sua égide recebia o número 6.
A sua escrituração era feita por lançamentos seqüenciais, embora o livro
devesse ser repartido, por igual, entre as circunscrições que compusessem a
"zona pertencente ao respectivo cartório".
Assim, todos os imóveis referidos direta ou indiretamente nos atos de
registro, termo esse usado aqui em sentido amplo, lançados nos Livros 2
(inscrição hipotecária), 3 (transcrição das Transmissões), 4 (Registros
Diversos) e 8 (Registro Especial), deveriam ser indicados no Livro 6, que
para tanto era dividido em cinco colunas, a saber: 1) denominação do imóvel,
se rural; 2) menção da rua e do número, se urbano; 3) nome do proprietário;
4) referências aos números de ordem e páginas dos demais livros, e 5)
anotações.
Por óbvio que simplesmente manter livros escriturados em seqüência de nada
adiantaria no momento de efetuar uma busca. Daí que o diploma anterior
previa, em seu artigo 189, que o registrador mantivesse um índice auxiliar,
que deveria ser organizado em ordem alfabética, o que se conclui da
circunstância do texto legal determinar a confecção do índice pelas ruas e
números de cada circunscrição, em se tratando de imóveis urbanos, e pelos
nomes e situações, se rurais. Não deveria, assim, ser organizado por número
de protocolo ou outro critério qualquer. O mesmo preceptivo legal autorizou
aos registradores a adotarem, sob sua exclusiva responsabilidade, o sistema
de fichas.
A Lei 6.015/73 reduziu os oito livros do sistema anterior para cinco,
conforme se vê do seu artigo 172, mantendo o Indicador Real, agora com o
número 4. A vigente lei manteve, em princípio, a regra de que os livros de
registro deveriam ser todos encadernados mas, para facilitar o serviço,
autorizou desde logo a adoção da escrituração mecânica, em folhas soltas
(art. 3º, parágrafo segundo), ou em fichas (art. 173, parágrafo único). Não
deixou, porém, em seu anexos, de prever um modelo para o Livro 4, com quatro
colunas para escrituração: 1) número de ordem; 2) identificação do imóvel;
3) referências aos demais livros e 4) anotações.
Não houve uma alteração substancial com relação ao Decreto 4.857/39. A Lei
6.015, em seu artigo 179, com a redação dada pela Lei 6.216/76, continuou
prevendo escrituração seqüencial, no caso de ser o livro encadernado, com o
livro-índice auxiliar, nos mesmos moldes da regra anterior. Na prática,
houve ampla adoção pelo sistema de fichas.
Em São Paulo, o Provimento CG 58/89, que instituiu as "Normas de Serviço" da
Corregedoria Geral da Justiça, determina no item 82 do capítulo XX que, se
adotado o sistema de fichas, deverão as mesmas ser arquivadas separadamente
para cada município que componha a circunscrição imobiliária e, se houverem
distritos e subdistritos, o arquivo deverá sofrer nova subdivisão. A ordem
de arquivamento é a alfabética, considerando-se o nome dos logradouros
[03].
A regra vale também para a escrituração em livros que, nesse caso, deverão
ter o número de suas folhas divididas pelo mesmo critério acima referido (um
certo número de folhas para cada Município, distrito e subdistrito).
O item 83 das Normas de Serviço traz uma regra importante, verbis: "na
escrituração do Livro nº 4 deverão ser observados critérios uniformes, para
evitar que imóveis assemelhados tenham indicações discrepantes". No Estado
de São Paulo, tal é a importância dada à observância desses critérios
uniformes que esse item consta expressamente do modelo de "Termo de
Correição" a ser utilizado pelos Juízes Corregedores Permanentes, conforme
se vê do Comunicado CG nº 1.179/2007.
Se esta regra já era salutar no sistema de livros ou fichas, ela ganha
especial importância em tempos de ampla informatização dos indicadores, com
a utilização de softwares que permitem a criação e manipulação de bancos de
dados eletrônicos. Como em regra as ferramentas de busca desses sistemas
pesquisam a seqüência de caracteres fornecidos como parâmetro, poderá ser
que a busca não retorne nomes de logradouros grafados com divergências
ortográficas, como nos exemplos clássicos de "Luiz", com "z" ou "s". Assim,
recomenda-se especial atenção aos critérios de escrituração, no que diz
respeito a esses nomes que aceitam grafias diferentes e, principalmente, nos
problemas atinentes a acentuação, cedilha e pontuação, já que se o nome do
logradouro contiver hífen, por exemplo, esse sinal deverá ser registrado sob
pena da pesquisa ser infrutífera ou ocasionar indesejáveis lançamentos em
duplicata, criando um novo registro quando já havia um anterior. Ambos
ficarão, assim, com dados apenas parciais: o que já existia não receberá os
dados inseridos por último, e o registro criado depois não conterá os
elementos constantes da primeva indicação.
Há sistemas informatizados que têm funções de buscas "fonéticas", ou que
façam automaticamente pesquisas por grafias assemelhadas, e ainda que
pesquisem "frações" dos nomes, em ordem a permitir, por exemplo, que uma rua
denominada "Imperador Dom Pedro Segundo" possa ser localizada fornecendo-se
uma seqüência qualquer de algumas letras componentes da denominação. Essas
ferramentas são altamente desejáveis para ter-se um sistema realmente
confiável e operacional.
Outro critério que me parece aconselhável é valer-se da vetusta parêmia quod
abundat non nocet, de sorte a serem realizados lançamentos que alberguem,
dentro do possível, todas as possibilidades de buscas futuras. Assim, uma
"Rua 06" poderia ser indicada como "Rua 06", "Rua 6", "Rua Zero Seis" e "Rua
seis". Penso ser mais adequado depurar a pesquisa no caso concreto,
descartando os lançamentos que não se identifiquem com a busca desejada, do
que correr o risco de, por inobservância do critério de lançamento, obter um
resultado falso negativo, o mais grave de todos, já que o falso positivo
ainda terá a vantagem de ser de fácil identificação, já que o equívoco da
busca surgirá ictu oculi.
Com o mesmo desiderato de proporcionar a maior amplitude possível na
pesquisa, as Normas paulistas disciplinam, ainda, no seu item 84, que os
imóveis localizados em esquina deverão receber indicações para todas as ruas
confluentes. Outra providência absolutamente salutar. Esse item também
mereceu referência expressa no "Termo de Correição" paulista, referido
alhures. Apenas observa-se que, se houver construção, a indicação da sua
numeração deverá ser feita apenas para a rua para qual o imóvel efetivamente
faz frente, sendo as demais indicadas sem referência à numeração, ou com
alguma nota de esclarecimento, como por exemplo "contém o prédio número 0 da
Rua A", em ordem a evitar confusões com outro prédio que eventualmente tenha
o mesmo número, mas com frente para a rua de confluência.
No item 85, as Normas de Serviço disciplinam ainda que se houver alteração
da denominação do logradouro, deverá ser feita nova indicação no Livro 4.
Caso se utilizem fichas, deve ser aberta uma para a nova denominação
conservando-se a anterior, com remissões recíprocas. Assim, v.g., na ficha
anterior da Rua A, lançar-se-á "atual Rua Imperador Dom Pedro II", e neste
consignar-se-á "antiga Rua A". A mesma regra deve ser aplicada aos sistemas
informatizados.
O mesmo raciocínio acima aplica-se, nos termos do aludido item 85, às
hipóteses de construção de prédio ou mudança da sua numeração.
Ad ultimum, de bom alvitre constar o número do cadastro municipal do imóvel,
abrindo indicação para o mesmo, o que é, em regra, facilmente obtido nos
sistemas informatizados.
Em seguida a normatização paulista aborda o problema dos imóveis rurais, que
apresentam, em regra, maior dificuldade para uma indicação eficaz. A Lei de
Registros Públicos, em seu artigo 179, parágrafo segundo, limitou-se a
prever como critérios de lançamentos os "nomes e situações" dos imóveis
rurais. Esses critérios podem não atender satisfatoriamente o escopo de uma
busca efetiva. Basta imaginar, dentre outros exemplos, o número de imóveis
rurais, situados no mesmo município, denominados "Nossa Senhora Aparecida".
Para amenizar essa dificuldade ínsita aos imóveis rurais, o item 86 das
Normas de Serviço determina que, além da denominação, deverão ser abertas
indicações separadas para quaisquer outros elementos disponíveis que
permitam a precisa localização do imóvel, sendo que o item 86.1 destaca os
acidentes geográficos conhecidos e mencionados nas matrículas. Elementos
frutos da ação humana evidentemente também merecerão indicação.
Nesse sentido, rios, montes, estradas, represas, lagos naturais ou
artificiais e outros deverão receber indicação própria, com remissões
recíprocas. Como os sistemas informatizados permitem vários parâmetros de
buscas, recomenda-se que o mesmo preveja a possibilidade de pesquisa por
confrontantes conhecidos. Assim, se o imóvel confrontar com uma "floresta
estadual fulano de tal", deve-se abrir indicação para a mesma, como
confrontante do imóvel em questão.
Outro elemento muito útil é o número de inscrição no cadastro do INCRA (CCIR).
Esse elemento é obrigatório em São Paulo (item 86.3 das Normas de Serviço) e
é facilitador das buscas, não há dúvida. Pelas mesmas razões, embora não
previsto nas Normas, recomenda-se a indicação do Número do Imóvel na Receita
Federal – NIRF. Quanto ao cadastro, comentando sobre as dificuldades de
indicar de forma segura os imóveis, não só os rurais mas, em alguns casos,
até mesmo os urbanos, Ulisses da Silva afirma que "cresce a importância do
número de inscrição territorial ou predial na Prefeitura Municipal ou do
código fornecido pelo INCRA, como elemento superior de identificação"
[04], posição esta secundada por Maria Helena Diniz
[05].
Por derradeiro, cumpre apontar a precisa observação de Walter Ceneviva, no
sentido de que "é da observância atenta das exigências pertinentes ao
indicador real, em conjunto com as decorrentes da matrícula, que o registro
imobiliário brasileiro acabará por ter a desejada segurança"
[06].
Assim, parece que Afranio de Carvalho, impressionado com o advento da
matrícula, vaticinou equivocadamente que o Livro 4 perderia ao menos
parcialmente a importância que tinha desde os tempos do Império. Para ele, a
manutenção do Livro 4 se justificaria quase que tão-somente para evitar o
manuseio das matrículas ao realizarem-se buscas, de sorte que estas
sofressem menos desgaste [07]. Contudo, a experiência mostrou que, bem longe disso, os dois
indicadores, na verdade, são peças indispensáveis no sistema registral atual
e, sem eles, seria virtualmente impossível operacionalizar esse sistema.
4. O Livro 5 – o Indicador Pessoal
Assim como se disse acerca do Indicador Real, o Indicador pessoal também era
previsto no Decreto 4.857/39, levando ali o número 7. Sob a forma de livro
encadernado, deveria ter trezentas folhas divididas alfabeticamente. Sob a
letra respectiva, deveria ser feita a indicação dos nomes de todas as
pessoas que, ativa ou passivamente, individual ou coletivamente, figurassem
nos livros de registro.
Nos termos do artigo 190 daquele diploma, a indicação deveria ser feita por
extenso, vedadas, portanto, quaisquer abreviações. Essa observação não é de
somenos importância, já que até hoje é possível encontrar nomes abreviados,
com todas as conseqüências negativas que essa prática traz para a eficácia
das pesquisas. Embora essa disposição não tenha sido repetida na atual Lei
de Registros Públicos, é forçoso reconhecer que continua prevalecendo como
princípio que decorre do sistema.
O livro deveria ter seis colunas, destinadas respectivamente a: 1) número de
ordem; 2) nomes das pessoas; 3) domicílio; 4) profissão; 5) referência aos
demais livros; 6) anotações.
Uma regra curiosa é que deveriam ser feitas no máximo oito indicações por
página.
Na coluna destinada às "anotações" deveriam ser lançados, em remissão
recíproca, os nomes das outras pessoas comparecentes ao ato jurídico objeto
do registro.
Mantendo basicamente a dicção do anterior diploma legal, a atual Lei de
Registros Públicos autorizou a utilização de fichas em seu artigo 180,
parágrafo único, com a redação dada pela Lei 6.216/75, que não estava
previsto expressamente no Decreto 4.857/39. Comentando sobre a escrituração
do Indicador Pessoal, se utilizando livros ou fichas, Regnoberto M. de Melo
Junior aduz que "a praxe demonstra que, em qualquer tipo de Serviço de
Registro Público, o uso de fichas (somente destas) para o Indicador Pessoal,
dispondo os nomes em ordem alfabética, é solução mais consentânea com a
finalidade do sistema da LRP" [08].
Já as "Normas de Serviço" da Corregedoria Geral da Justiça, em seu item 87,
ao repetir que as indicações deveriam ser feitas relativamente a todas as
pessoas que, individual ou coletivamente, ativa ou passivamente, direta ou
indiretamente figurassem nos livros de registro, introduziu expressão não
constante da Lei, qual seja: "inclusive os cônjuges". A explicitação não
deixa de ser salutar, em ordem a evitar dúvidas de que, de uma forma ou de
outra, negócios jurídicos envolvendo imóveis acabam por refletir-se na
esfera patrimonial dos cônjuges, quando menos por exigir vênia conjugal em
eventual alienação ou oneração, embora esta seja dispensável se tratar-se do
regime da separação convencional. Mas, por um ou outro fundamento, o fato é
que há determinação normativa de indicação do cônjuge, ainda que ele não
participe diretamente do negócio jurídico levado a registro.
Ainda tratando sobre os cônjuges, no item 90 do capítulo XX preceituam as
Normas paulistas que, após a averbação de casamento, caso a mulher adote o
patronímico do marido, deve ser aberta nova indicação, mantendo-se a
anterior, com remissão recíproca. Não se olvide que no atual sistema
constitucional e legal o marido também pode adotar o nome da mulher, seja em
face da igualdade proclamada pela Carta Constitucional entre os cônjuges
(art. 5º, I, CF/88), seja porque essa possibilidade é pressuposto lógico da
aplicabilidade do artigo 1.578 do Código Civil de 2002.
Em outras hipóteses em que ocorra também alteração do nome, como na adoção
(art. 1.627 do Código Civil), naquelas previstas nos artigos 56 e 57 da Lei
da Registros Públicos, e ainda no parágrafo segundo desse último artigo,
aplicável às uniões estáveis, segundo pensamos, desde que visto sob a
necessária lente constitucional, ou mesmo em casos de mera correção de
grafia, como se vê do artigo 110 do mesmo diploma legal, sempre dever-se-á
abrir nova indicação, com manutenção da anterior e remissões recíprocas.
As Normas também não se contentaram com a indicação do nome das partes,
disciplinando dever constar também o número de inscrição no Cadastro de
Pessoa Físicas, ou do Registro Geral da Cédula de Identidade, ou a filiação
respectiva, quando se tratar de pessoa física, ou o número de inscrição no
CNPJ/MF, quando pessoa jurídica, conforme se vê do item 89 do Capítulo XX.
Afranio de Carvalho chama esses elementos de "adjuntos nominais" que tornam
"possível, no caso de haver no livro várias pessoas com o mesmo nome,
discernir precisamente aquela em que cuja folha há de ser lançada a
referência ao ato registrado" [09], funcionando para ele, então, como uma prevenção contra homonímia.
Observe-se que a circunstância de haver sido utilizada no texto sob comento
a expressão "é recomendável" que o Oficial Registrador assim proceda pode
levar o leitor desavisado a concluir que trata-se de "mera" recomendação.
Tal, porém, não se dá quando tratamos de disposição normativa oriunda de
órgão censório-fiscalizatório no exercício de sua atribuição legal de emitir
normas técnicas (artigo 29, XIV, da Lei Federal 8.935/94). Uma recomendação
de tal órgão não pode ser ignorada e deve, portanto, ser cumprida. Aliás, no
Dicionário Eletrônico Houaiss encontramos que o verbo bitransitivo
"recomendar" tem, dentre outras acepções, também a de "ordenar"
[10]. Robustecendo essa tese, de se observar que esse item consta
expressamente do "Termo de Correição" divulgado pelo Comunicado CG nº
1.179/2007, publicado no DOJ de 27 de novembro de 2007.
De qualquer forma, a providência vem ao encontro do escopo da efetividade da
pesquisa. Com o auxílio das ferramentas da informática, robustece-se em
muito as buscas que possam contar, dentre outros parâmetros, com os números
do CPF/MF e do RG da pessoa pesquisada e, à falta de outros elementos, sua
filiação.
Não se olvide também que, malgrado o texto legal utilize o disjuntor "ou", a
Instrução Normativa nº 461/04 disciplina que é obrigatória a inscrição no
CPF/MF para qualquer tipo de operação imobiliária (art. 20, VI). A seu
turno, a Instrução Normativa RFB 748/07 também disciplina que todas as
pessoas jurídicas devem ter sua inscrição no CNPJ/MF, de sorte que para
estes cadastros não vale a aplicação disjuntiva da regra sobre comento: eles
são obrigatórios, até porque sem eles fica inviabilizada a expedição da
Declaração sobre Operação Imobiliária – DOI.
Vale lembrar novamente a advertência já feita quanto aos indicadores reais,
no que pertine à grafia dos nomes, notadamente em serviços informatizados,
como adverte Ulisses da Silva, aduzindo que "assim é que, na escrituração do
Indicador Pessoal, será utilizado, de preferência, um programa baseado na
fonética, de modo a obtermos pesquisa segura, sem problemas, a partir de um
nome dado com ou sem h inicial, i ou y, s ou z, q ou k, dois eles, dois cês,
dois esses, embora escritos com a grafia original. O programa facultará,
também, a pesquisa pelo sobrenome, pelo número da cédula de identidade ou do
CPF" [11].
Valter Ceneviva aduz que "embora a lei continue referindo livro-índice,
recomenda-se a vantagem da clareza e da rapidez da indexação do indicador
pessoal por meio de computador, uma vez provido da necessária capacidade,
nos serviços de grande movimento, e assegurados meios complementares de
arquivamento, denominado back-up, ou becape, na adaptação corrente, em
disquete ou disco compacto de gravação digital (CD-ROM)"
[12].
Já há outras técnicas de back-up disponíveis: o CD-ROM já foi substituído
pelo DVD-ROM. Há discos rígidos removíveis, que podem receber a cópia de
segurança e serem guardados em locais diversos da Serventia, e também os
chamados "servidores espelho", também situados em local diverso, que recebem
os mesmos dados do servidor principal em tempo real. Aqui também vale o
brocado quod abundat non nocet. Pelo máximo de segurança, recomenda-se uma
combinação de todas as técnicas disponíveis para confecção de cópias de
segurança.
5. O futuro
Tivemos intenção neste trabalho de expor o sistema atual de indicação no
Registro de Imóveis. Não temos pretensão de abordar a fundo questões
envolvendo a utilização das ferramentas informatizadas que já se vislumbram
no horizonte, notadamente as relacionadas ao uso da rede mundial conhecida
como "internet". Essa matéria tem diversos pontos polêmicos e ainda
demandará debates em círculos mais autorizados e doutos, notadamente em face
da discussão envolvendo guarda de base de dados, direito à privacidade, etc.
Contudo, de se notar que a Lei Federal 8.935/94 determinou em seu artigo 41
que "incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar,
independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários
à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de
computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução".
É inevitável – e também desejável – que os processos de arquivamento de
dados e recuperação dos mesmos se valham amplamente dos modernos recursos de
informática, conforme autorizado no texto acima citado.
Se dúvidas pudessem ainda haver sobre a possibilidade dos notários e
registradores adotarem amplamente os indicadores informatizados, tenho para
mim que restaram superadas pelo advento da Lei Federal nº 11.419/06, que
dispõe sobre a informatização do processo judicial. Esta lei traz importante
regra no seu artigo 16, verbis:
"Art. 16. Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder
Judiciário poderão ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico".
Será que esta regra aplica-se aos notários e registradores? Tenho que a
resposta é afirmativa, porque notários e registradores são "órgãos do Poder
Judiciário", na categoria de "serviços auxiliares", conforme se depreende do
artigo 103-B da Constituição Federal de 1988, parágrafo quarto, inciso III,
com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04. O Superior Tribunal
de Justiça, por sua vez, já teve oportunidade de enfatizar que notários e
registradores exercem função auxiliar do Poder Judiciário [13].
Claro que haverá que se ter todas as cautelas necessárias, até porque, como
enfatiza a Consolidação Notarial e Registral do Rio Grande do Sul, "a
responsabilidade por qualquer erro ou omissão do fichário será sempre do
Oficial [14]". Além disso, a Lei Federal 8.935/94 elenca entre os deveres
dos notários e registradores a adequada guarda e conservação das bases de
dados que lhes foram confiadas. Mas Regnoberto M. de Melo Junior, tecendo
considerações sobre o indicador real, averba que "na presentânea era da
informática, o registrador, profissional do Direito e oficial público, tem
critério e maturidade suficientes para manter organização que cumpra os fins
do artigo 179: localizar eficazmente o imóvel lançado no serviço imobiliário
ao seu encargo" [15]. O mesmo aplica-se sem dúvida ao indicador pessoal.
Há experiências promissoras em andamento, como o ofício eletrônico
[16],
operado pela Arisp, com link disponível também através do IRIB, na página
www.crsec.com.br. Certamente os anos vindouros trarão novidades quanto ao
tema, requerendo de notários, registradores e demais estudiosos da área
atenção e atualização constantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Afranio de. Registro de Imóveis, 3ª ed. Forense : Rio de Janeiro,
1982.
CENEVIVA, Valter. Lei dos Registros Públicos Comentada, 16ª ed. atual. São
Paulo : Saraiva, 2005.
Dicionário Eletrônico Houaiss, versão 2.0. Rio de Janeiro : Editora
Objetiva, s/d. CD-ROM.
DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis, 6ª ed. São Paulo :
Saraiva, 2006.
LOPES, Miguel Maria de Serpa. x, 6º ed. Brasília : Livraria e Editora
Brasília Jurídica, 1996, v. IV.
MELO Junior, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos Comentada. Rio
de Janeiro : Freitas Bastos, 2003.
SILVA, Ulisses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas
atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editora,
2008.
--------------------------------------------------------------------------------
Notas
[1] LOPES, Miguel Maria de Serpa. Tratado dos Registros Públicos, 6º ed.
Brasília : Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, v. IV, p. 291.
[2] SILVA, Ulisses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas
atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editora,
2008, p. 101.
[3] A mesma regra está presente na Consolidação Normativa Notarial e Registral do Rio Grande do Sul (Provimento 32/06- CGJ, art. 360).
[4] SILVA, Ulisses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas
atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editora,
2008, p. 104.
[5] DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis, 6ª ed. São Paulo
: Saraiva, 2006, p. 586.
[6] CENEVIVA, Valter. Lei dos Registros Públicos Comentada, 16ª ed. atual.
São Paulo : Saraiva, 2005, p. 401.
[7] CARVALHO, Afranio de. Registro de Imóveis, 3ª ed. Forense : Rio de
Janeiro, 1982, p. 369.
[8] MELO Junior, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos Comentada.
Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2003, p. 466.
[9] CARVALHO, Afranio de. Registro de Imóveis, 3ª ed. Forense : Rio de
Janeiro, 1982, p. 370.
[10] Dicionário Eletrônico Houaiss, versão 2.0, verbete "recomendar". Rio de
Janeiro : Editora Objetiva. s/d. CD-ROM.
[11] SILVA, Ulisses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas
atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editora,
2008, p. 103.
[12] CENEVIVA, Valter. Lei dos Registros Públicos Comentada, 16ª ed. atual.
São Paulo : Saraiva, 2005, p. 402.
[13] STJ. ROMS 15.315-SP, 3ª T. Rel. o Ministro Ari Pargendler, j.
13/05/2003.
[14] Artigo 362.
[15] MELO Junior, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos
Comentada. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2003, p. 464.
[16] Para informações sobre o ofício eletrônico, consulte www.arisp.org.br
ou www.ofícioeletronico.com.br.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT),
este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da
seguinte forma: PASSARELLI, Luciano Lopes. Os Livros 4 e 5 do registro
imobiliário. Os indicadores real e pessoal. Jus Navigandi, Teresina, ano 13,
n. 2013, 4 jan. 2009. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12125.
Acesso em: 05 jan. 2009.
|