Por Rafael dos Santos Sá.
Tema polêmico e ainda obscuro na doutrina e jurisprudência é a possibilidade
de Reconhecimento de União Estável quando um ou ambos os companheiros são
absolutamente incapazes, fato que, per si, seria um óbice quando se trata de
casamento, mas que na órbita civil não encontra nada que torne defeso
referido Reconhecimento.
O art. 226, § 3º da CRFB/88 reconhece o instituto da União Estável nos
seguintes termos:
Art. 226 [...]
§3º.Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
A União Estável, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, ganhou novos contornos, erigindo uma instituição que até então era
reconhecida pelos Tribunais, ampliando o conceito de família, como já
definido por JACQUES LACON citado por Rodrigues da Cunha Pereira, tratando o
conceito de família como hodiernamente é encarado, no qual a mesma, não se
forma apenas pelo homem, mulher e filhos, mas sim por meio de uma
estruturação psíquica, em que os membros que compõe a família se encontram
definidos em sua função e lugar, sem estarem ligados pelo vínculo
consangüíneo.
Ou seja, a finalidade da CRFB/88 foi justamente a preservação da família,
independentemente dos laços pelos quais os indivíduos estão ligados,
relevando o interesse do Estado na proteção e preservação daquela.
A lei 12.010/09, trouxe o conceito de família extensiva ou ampliada, que
seria aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade
do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou
adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
Nesse contexto, avulta a ansiedade do legislador em preservar os laços
familiares, independente da sua ligação, se por afinidade ou do mesmo
sangue.
Dentro deste aspecto surge a questão, como caracterizar o relacionamento
amoroso entre uma adolescente e um homem como União Estável.
O Código Civil é silente com relação a este fator, no entanto, há que ser
levado em consideração uma interpretação sistêmica, considerando o
ordenamento jurídico como um todo, no qual as normas se interpenetram para
fins de sua melhor interpretação, e mantendo uma coerência dentro do Direito
Pátrio.
Já foi visto que a CRFB/88 protege o instituto da União Estável, facilitando
a sua conversão em casamento. Pois bem, o Código Civil, em seu art. 1726, já
reconhece esta conversão, mediante simples pedido dos companheiros no
Cartório de Registro Civil competente, sendo que, para tanto, não devem
estar impedidos de casar.
Quanto ao casamento, há que se observar, alguns requisitos formais,
notadamente quanto à idade dos nubentes.
A idade núbil começa aos 16 anos, no entanto, para que seja exercida a
capacidade, torna-se necessário o consentimento dos pais, ex vi do disposto
no art. 1517 do Código Civil, sendo que, excepcionalmente, é admitido o
casamento para quem ainda não atingiu a idade núbil, em caso de gravidez, ou
para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal. Há que salientar, no
entanto, que esta última medida não mas tem guarida em nosso ordenamento,
uma vez que, a lei 11.106/05, aboliu do Código Penal a possibilidade de
extinção da punibilidade quando houvesse o casamento do sujeito ativo dos
crimes contra os costumes com a vítima.
Nessa seara, mesmo com a vigência do dispositivo penal, o Supremo Tribunal
Federal também não admitia a extensão desta extinção de punibilidade, quando
se tratava de União Estável, conforme ementa a seguir transcrita:
EMENTA: PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTUPRO. POSTERIOR CONVIVÊNCIA ENTRE
AUTOR E VÍTIMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM BASE NO ART. 107, VII, DO
CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA, NO CASO CONCRETO. ABSOLUTA INCAPACIDADE DE
AUTODETERMINAÇÃO DA VÍTIMA. RECURSO DESPROVIDO. O crime foi praticado contra
criança de nove anos de idade, absolutamente incapaz de se autodeterminar e
de expressar vontade livre e autônoma. Portanto, inviável a extinção da
punibilidade em razão do posterior convívio da vítima - a menor impúbere
violentada - com o autor do estupro. Convívio que não pode ser caracterizado
como união estável, nem mesmo para os fins do art. 226, § 3º, da
Constituição Republicana, que não protege a relação marital de uma criança
com seu opressor, sendo clara a inexistência de um consentimento válido,
neste caso. Solução que vai ao encontro da inovação legislativa promovida
pela Lei n° 11.106/2005 - embora esta seja inaplicável ao caso por ser lei
posterior aos fatos -, mas que dela prescinde, pois não considera
validamente existente a relação marital exigida pelo art. 107, VII, do
Código Penal. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido.(RE 418376,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA,
Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2006, DJ 23-03-2007 PP-00072 EMENT
VOL-02269-04 PP-00648).
Admitindo essas interpretações, reside a cizânia justamente na possibilidade
de se reconhecer exempli gratia a União Estável que teve início quando a
mulher era uma adolescente com 13 anos de idade e um jovem com 18 anos,
vindo esse relacionamento a ser dissolvido futuramente quando a mulher
atingir a maioridade e durante este relacionamento adquirir bens e obter
filhos em comum.
O art. 217-A do Código Penal, inserido pela lei 12015/09, trouxe a figura do
estupro de vulnerável, configurada pelo conjunção carnal ou ato libidinoso
praticado contra menor de 14 anos. Esta figura., nada mais fez que condensar
os artigos 213, 214 e 224 do Código Penal.
O crime se configura pela simples pratica da conjunção carnal ou ato
libidinoso contra menor de 14 anos, independente de violência ou grave ameça
a pessoa, elemento constitutivo do tipo básico do art. 213 do referido
diploma, pois, naquela situação, considera-se que há uma presunção de
violência, não havendo assim, margem para discricionariedade da adolescente
em aceitar ou não manter um relacionamento sexual com o parceiro adulto.
Nesse liame, como garantir um direito de partilha dos bens da adolescente,
agora mulher, frente a um relacionamento que desde o início configurava
crime.
A meu ver, a solução do caso, na esfera penal, antes do advento da lei
12.015/09, ficaria condicionada a uma renúncia ao direito de queixa por
parte da mulher, ou seja, se a ação foi ajuizada logo após ter completado os
18 anos de idade, seria necessária a renúncia expressa da querelante para,
só assim, pleitear os direitos advindos da União Estável, ou seja, na
própria inicial da ação declaratória, a mulher já renunciaria ao seu direito
de queixa, expurgando assim a punibilidade do crime frente ao seu
companheiro. No entanto, se a mesma já tinha 18 anos e 6 meses completos, já
não poderá mais exercer o seu direito de queixa, podendo a ação ser ajuizada
sem qualquer retaliação no âmbito penal ao companheiro da mulher, uma vez
que houve a extinção da punibilidade pela decadência.
Entretanto, com o advento da lei 12.015/09, a ação, que outrora era privada,
passou a ser pública incondicionada, ex vi do disposto no art. 225,
parágrafo único do Código Penal, razão pela qual, a solução supra citada,
não tem mais guarida, restando, assim, a configuração do crime.
Destarte, a União Estável não pode ser reconhecida, uma vez que a sua
declaração estaria pactuando com a prática criminosa, e colocando em
conflito as normas do ordenamento jurídico que, como já dito acima, devem
ser interpretadas como um sistema, ficando, nesta situação, a
obrigatoriedade do Ministério Público em promover a respectiva ação penal
para ser processado e julgado o crime de estupro de vulnerável.
Mas como garantir os direitos patrimoniais da mulher que se originaram com
esse relacionamento. A meu ver a partilha dos bens deve ser feita mediante a
propositura de Ação Indenizatória, para evitar justamente o enriquecimento
ilícito por parte do companheiro adulto. Destarte, se para fins de
responsabilidade civil, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, ex vi
do disposto no art. 928 do Código Civil, também terá ele direito de ser
ressarcido dos valores dispendidos para a aquisição do patrimônio advindo do
relacionamento amoroso. Assim sendo, deve ser levado em consideração um
marco divisório, para fins de indicar qual a presunção que deve ser levada
em consideração para atribuição do valor devido.
Quanto aos bens adquiridos antes da completude dos 14 anos, deve ser levado
em consideração o esforço de cada parte, ou seja, deve haver a comprovação
por parte da menor de que contribuiu financeiramente para a aquisição do
patrimônio, ao passo que para os bens adquiridos posteriormente à completude
dos seus 14 anos, devem ser avaliadas as regras patrimoniais atinentes à
União Estável, ou seja, haveria uma presunção de contribuição, independente
de participação financeira, considerando, para tanto, o dispêndio moral da
adolescente para a construção do acervo patrimonial da sociedade, exempli
gratia, as atividades laborativas exercidas no âmbito da família.
Destarte, deve-se deixar claro que a União Estável, caso fosse reconhecida,
somente poderia ter início a partir dos 14 anos de idade, uma vez que não há
regra que vede este reconhecimento, diferente do que ocorre no casamento,
mas deve-se salientar também que nunca poderá ser admitida antes dos 14 anos
de idade.
Referências Bibliográficas:
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável. 6ª ed. Rev. Atual. E
ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
Fonte: site Direito Net
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