A última reforma do Código de Processo Civil, ocorrida entre 2005 e 2006,
trouxe profundas mudanças no trâmite dos processos executivos cíveis. O foco
da reforma foi a abolição de mecanismos burocráticos supérfluos que apenas
alongavam o tempo entre o início e o fim dos processos de execução, além da
criação de meios para que o processo alcance a máxima efetividade. Noutras
palavras, buscou-se fazer com que o Judiciário torne-se menos moroso, e dê,
rapidamente, as soluções aos conflitos sociais. Afinal, esta é a nobre
missão outorgada pela Constituição aos magistrados.
Uma das novidades mais importantes da reforma processual, criada pela Lei
11.232, de 2005, foi a criação do artigo 615-A do Código de Processo Civil.
Referido dispositivo prevê a possibilidade de averbação, por parte do
credor, da propositura da ação executiva em órgãos como Cartórios de
Imóveis, de Títulos e Documentos, Detran, Bolsa de Valores etc. Este o teor
do artigo 615-A:
“Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão
comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e
valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de
veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto”.
A possibilidade outorgada pela lei ao exequente traz importância crucial
para o sucesso da cobrança de sua dívida. É que a praxe forense já vinha
demonstrando, ao longo do tempo, que uma das maiores dificuldades da
cobrança judicial da dívida residia no fato de que o devedor, tomando
ciência de ação proposta contra si (e, por consequência, da real
possibilidade ser obrigado a pagá-la), buscava rapidamente desmantelar seu
próprio patrimônio de modo fraudulento, alienando seus bens a “laranjas”.
A intenção era a de reduzir-se à insolvência, de sorte a, não possuindo
patrimônio, frustrar o crédito do exeqüente, muito embora fosse comum a
notícia de que o devedor ainda estivesse usufruindo seus bens normalmente,
estando eles apenas formalmente em poder de outrem.
Isso era possível porque, muito embora o Código de Processo Civil sempre
tenha previsto e condenado a fraude à execução (considerada esta, nos termos
do artigo 593, exatamente na alienação ou oneração de bens capaz de reduzir
o devedor à insolvência quando pender contra ele uma ação judicial),
determinando ser ela ineficaz contra o credor, na prática era muito difícil
identificar o engodo. Quando o devedor se via na situação desconfortável de
réu, tratava de “vender” seus bens mediante contratos fictícios, no mais das
vezes apresentados em data anterior à real, maquiando a verdade para dar-lhe
uma aparência de negócio lícito.
O artigo 615-A traz um antídoto para este mal. A partir dele, abre-se a
possibilidade de que, uma vez proposta a ação executiva (quando já se tem
certeza do direito pleiteado, restando apenas materializá-lo), o credor
possa gravar os bens do devedor que estejam registrados em entidades como
Banco Central, Cartórios, Detran, Bolsa de Valores etc. Com efeito, de posse
da certidão de propositura da ação, discriminando parte e valor da causa, o
exeqüente poderá deixar claro a todos os possíveis adquirentes dos bens do
executado que sobre aquele patrimônio recai uma séria ameaça. O objetivo,
conforme explicita o § 3º do art. 615-A é evitar a fraude à execução:
“§ 3o Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens
efetuada após a averbação (art. 593).”
Com isso, tem-se um significativo ganho para a satisfação da execução: o
devedor não poderá desfazer-se fraudulentamente de seus bens sem deixar
rastros. Afinal, se o devedor possui, por exemplo, um automóvel que pode ser
usado para pagar sua dívida, basta ao credor dirigir-se ao Detran local e
comunicar a propositura da execução para que, a partir daquele momento,
qualquer tentativa de alienação do bem seja considerada fraude à execução,
e, portanto, ineficaz perante o exeqüente. Isso vale também para imóveis,
navios, aeronaves, valores mobiliários, aplicações financeiras e toda sorte
de bens que possam futuramente ser usados para pagar a dívida cobrada em
Juízo.
Cria-se, pois, uma “vacina” contra o devedor fraudador, pois a sua intenção
de frustrar a execução forçada da dívida sofre um considerável abalo.
Entendo que, indo além da interpretação literal da lei, o credor tem direito
a fazer a averbação mesmo quando interpuser ação de conhecimento. Afinal, se
o objetivo do dispositivo é o de evitar a fraude à execução, estabelecendo
um “marco zero” da fraude, e considerando que esta pode ocorrer mesmo em
hipótese de ação cognitiva, nada obsta que o credor (ou autor da ação)
preserve desde logo o seu possível direito creditício contra o réu.
Tal medida possibilitaria que mesmo na ações de conhecimento o crédito
possivelmente constituído ao seu final já fosse de logo destacado dos demais
bens do réu, impedindo a sua alienação com o fim de frustrar a futura
execução. Isso é deveras importante quando se tem em mente que o Judiciário
moroso do Brasil muitas vezes impede a satisfação do direito dos
jurisdicionados não pela falta de instrumentos legais para tanto, mas pela
sua demora em utilizar as ferramentas postas à sua disposição. É dizer: há
arcabouço jurídico-processual que impeça a fraude à execução, mas a lentidão
do Judiciário em acioná-lo, possibilitando a movimentação mais rápida do
réu-devedor, pode fazer a diferença entre a satisfação e a frustração do
crédito.
Por todas estas razões, o artigo 615-A do Código de Processo Civil, incluído
pela última reforma processual, traz uma ferramenta de vital importância
para a efetividade das decisões judiciais sobre dívidas, em pecúnia ou não.
Ao possibilitar que o credor, maior interessado em ver a sua dívida
satisfeita, possa ter instrumentos hábeis a dificultar a fraude do seu
devedor, a lei processual deu um grande passo na direção da garantia da
eficácia do Direito, razão de ser do Poder Judiciário. Resta aos
jurisdicionados, magistrados e demais envolvidos com esta ferramenta
(notadamente os dirigentes de órgãos aptos a fazer a averbação tratada pelo
artigo 615-A do CPC) dar a devida importância a esta novidade legislativa.
Se bem utilizada, ela pode iniciar uma revolução no combate às fraudes
processuais.
Quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
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