Vetado o PLC 86/96, referente à aposentadoria dos notários e registradores brasileiros

Despachos do Presidente da República - Mensagem Nº 1.414, de 20 de dezembro de 2001 

Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição Federal, decidi vetar, integralmente, por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 86 de 1996 (nº 1.536/96 na Câmara dos Deputados), que "Altera o § 1º do art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre os serviços notariais e de registro".
(Diário Oficial da União 21.12.01- Seção I)

Razões do Veto do PLC 86/96:
Ouvidos, os Ministérios da Justiça e da Previdência e Assistência Social assim se manifestaram: 
"A proposição legislativa em exame objetiva alterar o § 1º do art. 39 da Lei nº 1536/96, com o fito de explicitar as normas da legislação providenciaria federal aplicáveis à aposentadoria dos notários e registradores, afastada a regra da aposentadoria compulsória destes por implemento de idade. 
A Constituição de 1988 estabeleceu que os serviços notariais e de registro são função pública a ser exercida em caráter privado, por delegação do Poder Público. Estabeleceu, ainda, a forma de ingresso na atividade notarial e de registro, mediante concurso público de provas e títulos, e determinou que lei ordinária, atual Lei nº 8935/94, disciplinasse a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, a responsabilidade civil e criminal dos notários dos oficiais de registro e de seus prepostos e a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. 
De fato, a nova ordem constitucional trouxe acentuada transformação da matéria, que logo refletiu na doutrina e jurisprudência, na medida em que criou um sistema híbrido que apresenta características tanto do setor privado quanto do setor público. Contudo, no que se refere à matéria em exame, o Supremo Tribunal Federal, guardião e intérprete da Constituição, assentou em sua jurisprudência, a partir do julgamento, pelo Pleno, do RE nº 178.236-RJ Rel. Min. Octávio Gallotti, que os tabeliães e os oficiais registradores sujeitam-se ao mesmo regime constitucional de aposentadoria por implemento de idade, assim ementado: 
"Titular de Ofício de Notas da Comarca do Rio de Janeiro. 
Sendo ocupantes de cargo público criado por lei, submetido à permanente fiscalização do Estado e diretamente remunerado à conta de receita pública (custas e emolumentos fixados em lei), bem como provido por concurso público - estão os serventuários de notas e registro sujeitos à aposentadoria por implemento de idade (artigos 40, II e 236, e seus parágrafos, da Constituição Federal de 1988) 
Recurso de que se conhece pela letra c, mas a que, por maioria de votos, nega-se provimento." 
Segundo a orientação acima transcrita, é inegável que a atividade notarial e registral, ainda que delegada ao particular, constitui função eminentemente pública, vez que revestida de estatalidade, "consistente no exercício do poder certificante, destinado a atestar a veracidade e a legitimidade de determinados fatos e atos jurídicos. (RE nº 234.935, Rel. Min. Celso de Melo, julgado em 24/06/99). 
Também esse foi o fundamento preconizado pelo Min. Celso de Mello ao voto em que proferiu no RE 178.236-RJ: "o próprio exame do vigente texto constitucional permite concluir pela estatalidade dos serviços notariais e registrais, autorizando, ainda, o reconhecimento de que os Serventuários incumbidos do desempenho dessas relevantes funções qualificaria-se como típicos servidores públicos, pois (a) só podem exercer as atividades em questão por delegação do Poder Público (CF, art. 236, caput), (b) estão sujeitos, no desempenho de suas atribuições funcionais, à permanente fiscalização do Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º) e (c) dependem, para o ingresso em concurso público de provas e títulos (CF, art. 236, § 3º), que constitui, no magistério da doutrina, o instrumento destinado à seleção de "quem se empenha a ingressar nos quadros do serviço público..." (José Cretella júnior, "Comentários à Constituição de 1988, vol. IX/4626, 1993, Forense Universitária)". 
É certo que a decisão prelecionada foi julgada com arrimo ao texto constitucional anterior à mencionada Emenda Constitucional nº 20/98 que imprimiu nova redação ao art. 40 da CF/88. Contudo, ante a nova ordem, ainda que em decisão monocrática, o Supremo manteve a orientação reiterada em diversos pronunciamentos plenários anteriores. 
Neste sentido é a decisão prolatada no SS nº 1941 PE, Min. Rel. Carlos Velloso, publicada no DJU de 19/02/2001, que utilizou como razões de decidir a jurisprudência assentada naquela Corte a partir do julgamento do RE n 178.236-RJ, Rel. Min. Octávio Gallotti: "Convém salientar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os tabeliães são servidores públicos e estão sujeitos à aposentadoria por implemento de idade (artigos 40, II e 236 e seus parágrafos, da Constituição Federal ). (RE 178.236-RJ, Gallotti, Plenário 07.03.96, RTJ 162/773; RE 189.741-SP, Velloso, 2º Turma, 25.11.97). Em 24.06.99, após, portanto, à E.C. 20/98, o eminente Ministro Celso de Mello, deu aplicação à mencionada jurisprudência (RE 234.935-SP, "DJ" de 09.8.00). 
É certo que o Eminente Ministro assim se posicionou em sede não cognitiva de mérito. Mas, houve por bem ressaltar a decisão proferida, após as alterações trazidas pela EC nº 20/98, no RE 234.925-SP, DJ 09.08.99, Rel. Min. Celso de Melo, julgada em 24.06.99, da qual se destaca a seguinte passagem: "Os serventuários extrajudiciais, portanto, exercem função eminentemente pública e, considerados os elementos que emergem da norma inscrita no art. 236 da Casa Política, são suscetíveis, no plano estritamente jurídico-administrativo, de qualificação formal como servidores públicos (RE 189.736-SP - Rel. Min. Moreira Alves), na linha do próprio entendimento que tem prevalecido, desde o regime constitucional anterior, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RDA 54/281 - RTJ 68/283 - RTJ 126/772-773)." 
Nota-se que a lei vigente é omissa acerca da questão da aposentadoria compulsória, estabelecendo, tão-somente, que os notários e registradores submetem-se às regras de aposentação providenciaria, o que torna claro que são será a lei ordinária o instrumento capaz de afastar a norma de aposentadoria compulsória por implemento de idade, uma vez que sua aplicação decorre de disposição constitucional. 
Em que pese não ter o STF enfrentado a matéria, em exame, em sede cognitiva de mérito, após a alteração trazida pela EC n 20/98 ao artigo 40 da CF, o que se depreende de suas decisões monocráticas é a permanência do posicionamento anterior, reiterado em diversos pronunciamentos plenários. Ademais, a questão da aposentação compulsória por implemento de idade deverá sempre ser dirimida por interpretação constitucional e não por legislação ordinária. 
Pelas razões expostas, e ante reiterada jurisprudência assentada pela Suprema Corte, que define os notários e registradores como servidores públicos que desempenham função pública, resta inviável a proposta sub examine, que pretende excluir a aposentadoria compulsória daqueles agentes públicos". 
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. 

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO 
Aluízio Nunes Ferreira 


Fonte: Informativo Eletrônico da ANOREG-BR nº 54/55 - 21/12/2001