Apelação Cível - Ação de usucapião extraordinário - Imóvel registrado em nome de menor absolutamente incapaz - Suspensão do prazo prescricional aquisitiva - Lapso temporal não implementado

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ - SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL AQUISITIVA - LAPSO TEMPORAL NÃO IMPLEMENTADO

- Estando o imóvel usucapiendo registrado em nome de menor absolutamente incapaz, suspende-se o prazo prescricional da pretensão aquisitiva. Não preenchido o requisito temporal, é de se rejeitar a pretensão inicial.

Apelação Cível nº 1.0342.08.108467-1/001 - Comarca de Ituiutaba - Apelantes: Euclides Moraes Villela e outro, Maria José da Silva - Apelada: Marisa Malfer de Morais - Relator: Des. Estevão Lucchesi

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 26 de abril de 2012. - Estevão Lucchesi - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. ESTEVÃO LUCCHESI - Cuida-se de recurso de apelação interposto por Euclides Moraes Vilela e Maria José da Silva contra a r. sentença proferida nos autos da ação de usucapião que move contra Marisa Malfer de Morais, que julgou improcedente o pleito inicial pelo não preenchimento dos requisitos para aquisição da propriedade pelo usucapião (lapso temporal), tendo em vista a existência de causa suspensiva da prescrição aquisitiva (menoridade da ré).

Sustentam os apelantes, em suas razões recursais, ser aplicável à espécie o disposto no art. 2.029 das disposições finais e transitórias do Código Civil e o disposto no parágrafo único do art. 1.238, que reduz o prazo da prescrição aquisitiva para dez anos se o possuidor tiver estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou nele realizado serviços e obras de caráter produtivo. Arrematam, dizendo que, conjugando os dois dispositivos legais, ter-se-ia o prazo de 12 anos para aquisição da posse, o que foi demonstrado nos autos, conforme constou da sentença recorrida. Pugnou pelo provimento do apelo para julgar procedente seu pedido.

Contrarrazões às f. 119/124.

Manifestação da procuradoria de Justiça à f. 136.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida-se de ação de usucapião ajuizada com fincas no art. 550 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.238 do atual código), c/c art. 2.028 das disposições finais e transitórias do Código Civil de 2002, ao final julgada improcedente, tendo em vista o não implemento do prazo estabelecido nos referidos dispositivos legais ante a existência de condição suspensiva da prescrição aquisitiva.

Considerando que o atual Código Civil reduziu os prazos prescricionais para aquisição da propriedade, deve-se aplicar o disposto no art. 2.028 das disposições finais e transitórias, e não o disposto no art. 2.029, como pretendido pelos apelantes, tendo em vista que o imóvel objeto da ação não era utilizado para morada habitual e nele não foram realizadas obras ou serviços de caráter produtivo, conforme se infere dos depoimentos testemunhais, senão vejamos:

"Que fazia a limpeza dos terrenos do autor, sendo que inclusive plantou bananeira no local [...] que eram colocadas toras no terreno, e posteriormente é que houve as plantações [...]" (f. 87).

"Que há trinta e tantos anos o depoente trabalha para o autor, zelando do terreno usucapiendo; que antes era colocada madeira no local, e posteriormente o local foi plantado; que no local eram plantadas mandiocas e atualmente tem bananeiras" (f. 88).

Assim, comprovado que o imóvel não se destinava a habitual residência dos apelantes e nem tinha destinação, bem como que com o advento do Código Civil de 2002 já havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional, deverá ser considerado o prazo de 20 anos previsto no art. 550 do Código Civil/1916, e não o prazo previsto no art. 1.238 e parágrafo único do Código Civil de 2002.

Fixadas tais premissas, é cediço, a usucapião pode ser definida como "modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais" (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006).

Orlando Gomes, ao tratar do tema, nos ensina que:

"a posse que conduz à usucapião deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente", esclarecendo o tratadista que: "a) O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse [...]. b) A posse deve ser mansa e pacífica, isto é, exercida sem oposição. O possuidor tem de se comportar como dono da coisa, possuindo-a tranquilamente. A vontade de conduzir-se como proprietário do bem carece ser traduzida por atos inequívocos. Posse mansa e pacífica é, numa palavra, a que não está viciada de equívoco. Na aparência, oferece a certeza de que o possuidor é proprietário. c) Além de pacífica, a posse precisa ser contínua" (Direitos reais, p. 155).

No mesmo sentido é o escólio do ilustre Professor Caio Mário da Silva Pereira:

"Não é qualquer posse, repetimos; não basta o comportamento exterior do agente em face da coisa, em atitude análoga à do proprietário; não é suficiente a gerar aquisição, que se patenteie a visibilidade do domínio. A posse ad usucapionem, assim nas fontes como no direito moderno, há de ser rodeada de elementos, que nem por serem acidentais deixam de ter a mais profunda significação, pois a lei a requer contínua, pacífica ou incontestada, por todo o tempo estipulado, e com intenção de dono [...]. Requer-se, ainda, a ausência de contestação à posse, não para significar que ninguém possa ter dúvida sobre a conditio do possuidor, ou ninguém possa pô-la em dúvida, mas para assentar que a contestação a que se alude é a de quem tenha legítimo interesse, ou seja, da parte do proprietário contra quem se visa a usucapir. A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com intenção de dono - cum animo domini. Esse requisito psíquico de tal maneira se integra na posse que adquire tônus de essencialidade" (Instituições de direito civil, v. IV, p. 105).

E Benedito Silvério Ribeiro complementa:

"O animus domini, constituindo requisito da prescrição aquisitiva, deverá ser rigorosamente perquirido. O possuidor precisa mostrar-se imbuído da convicção de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi). A expressão possuir como seu ostenta significado de posse do bem com ânimo de dono, isto é, com a ideia e a convicção de ser sua a coisa, sem reconhecimento de outro dominus" (Tratado de usucapião. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 698 e 671).

Na espécie, não obstante a comprovação da posse dos apelantes com animus domini sobre o bem, não restou comprovado o decurso do prazo hábil para aquisição da propriedade (vinte anos), tendo em vista a existência de causa suspensiva do prazo prescricional, qual seja a incapacidade da pessoa em cujo nome está registrado o imóvel.

Conforme ressaltado pela douta Julgadora, o imóvel em litígio foi adquirido pela apelada em 13.12.1988, quando a posse dos apelantes somava cerca de 10 (dez) anos e esta contava com apenas um ano de idade, sendo, pois, absolutamente incapaz, verificando-se aí a suspensão do prazo prescricional, nos termos do art. 198 do Código Civil.

Assim, considerando que o prazo prescricional então suspenso voltou a fluir em 13.12.2003, quando a apelada completou 16 (dezesseis) anos de idade, bem como que a ação foi ajuizada em julho de 2008, chega-se ao tempo da posse consolidado em aproximadamente 15 (quinze) anos, computando-se o prazo decorrido anteriormente, o que afasta a pretensão aquisitiva dos apelantes, para a qual se exige o prazo de vinte anos, conforme dito alhures.

Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados:

"Apelação - Ação de usucapião extraordinário - Ausência de comprovação dos requisitos prescritos no artigo 1.238 do Código Civil - Improcedência - Sentença confirmada. - Para a declaração da usucapião extraordinária prevista nos arts. 1.238 do Código Civil, é necessária a demonstração inequívoca da posse mansa, pacífica e ininterrupta durante o período temporal legalmente exigido, pelo que, não logrando a parte autora comprovar suas alegações, inviável o acolhimento da pretensão" (TJMG, Ap. Cível nº 1.0024.07.596705-9/001, 11ª C. Cível, Rel. Des. Wanderley Paiva, j. em 16.11.2011).

"Apelação - Ação de usucapião - Absolutamente incapaz - Suspensão do prazo prescricional aquisitivo - Não implementação do lapso temporal exigido - Carência de ação - Inteligência do art. 267, VI, do CPC - Recurso desprovido. - Não se computa, para fins de prescrição aquisitiva de imóvel por usucapião, o período em que a posse do mesmo envolva interesse de menor absolutamente incapaz, por constituir tal menoridade fator impeditivo da contagem do prazo prescricional. - A ausência de implemento temporal suficiente para obtenção do usucapião implica mera carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido, de molde a não impedir o reingresso da ação quando consubstanciado o lapso temporal" (Ap. Cível nº 2.0000.00.512402-5/000, 16ª C. Cível, Rel. Des. Mauro Soares de Freitas, DJ de 30.11.2005).

"Civil e processual civil - Apelação - Ação de usucapião - Ausência de justo título - Usucapião extraordinário - Prazo vintenário - Interesse de menor - Suspensão da prescrição - Cômputo final - Requisito temporal de vinte anos não atendido - Pedido improcedente - Recurso conhecido e não provido. - Em não havendo justo título, possível apenas o pleito de aquisição por usucapião extraordinário, em que o autor deve provar a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com ânimo de dono, por vinte anos, sobre o imóvel. Ausente o requisito temporal, haja vista a ocorrência de suspensão do prazo prescricional em razão de interesse de menor, é de se rejeitar a pretensão inicial. Recurso conhecido e não provido" (TJMG, Ap. Cível nº 1.0704.01.004689-1/001, Rel. Des.ª Márcia De Paoli Balbino, j. em 10.06.2008).

Deste modo, uma vez não implementado o prazo para aquisição da propriedade pela usucapião, deve-se confirmar a sentença guerreada que julgou improcedente a pretensão dos apelantes.

Por todo o exposto, nego provimento à apelação mantendo incólume a bem-lançada primeva.

Custas recursais, pelos apelantes, ficando suspensa a exigibilidade por se encontrarem sob o pálio da gratuidade de justiça (art. 12 da Lei 1.060/50).

É o meu voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Valdez Leite Machado e Evangelina Castilho Duarte.

Súmula - RECURSO NÃO PROVIDO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de Minas Gerais - 10/09/2012.

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