Alagoas inaugura primeiro cartório dentro de uma maternidade; 30% dos bebês do Estado não têm registro

Carlos Madeiro
Especial para o UOL Notícias
Em Maceió

Com quase um terço da população sem possuir o registro civil de nascimento, Alagoas lançou um projeto-piloto para tentar reduzir o índice alarmante de sub-registro (denominação dada pelo IBGE aos cidadãos que não possuem certidão de nascimento). Nesta quarta-feira (20), um cartório foi inaugurado dentro do Hospital São Rafael, que abriga uma das maiores maternidades públicas de Maceió. A meta do governo estadual é instalar outras 25 unidades dentro das maiores maternidades do Estado, sendo cinco delas na capital e 20 no interior.

Pequena cidadã

Sandrielly Delmiro da Silva, nascida na tarde de ontem, foi a primeira criança registrada pelo novo cartório. A certidão de nascimento foi entregue na enfermaria onde está internada a mãe dela, Jacicleide Zufino da Silva, pela presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas

Em Alagoas, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), o número de pessoas sem certidão de nascimento atinge 30,3% dos nascidos vivos. O índice é quase três vezes maior que a média nacional de 12,2%. Os dados são referentes ao ano de 2007.

O número também é elevado se comparado à média dos Estados do Nordeste, que ficou em 21,7%. Os três Estados que fazem divisa com Alagoas - Pernambuco (21,4%), Sergipe (23,8%) e Bahia (24,5%) - apresentam números também menores que os registrados em Alagoas. No Paraná, onde é encontrada a menor taxa do Brasil, esse índice não passa de 0,6%.

Sem a certidão de nascimento, o cidadão fica sem direito a qualquer documento e não pode ter acesso às políticas públicas, como o ensino, atendimento médico ou programas sociais, como o Bolsa Família. "Na prática, ela deixa de ser cidadã, pois não tem acesso a nenhum serviço público, não vota. Ela sequer existe para o poder público", explica o advogado César Galvão.

A ideia de levar o cartório à maternidade faz parte do Programa "Meu Registro, Minha Cidadania", que inclui um conjunto de ações para erradicar o sub-registro de nascimento em Alagoas. Um Comitê Gestor pela Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do acesso à Documentação Básica foi criado há dois meses para definir políticas públicas para reduzir esse índice.

O cartório inaugurado hoje deve atender apenas às mães que tiverem os filhos na maternidade. Durante o lançamento, a pequena Sandrielly Delmiro da Silva, nascida na tarde de ontem (19), foi a primeira criança registrada pelo programa. A certidão de nascimento foi entregue na enfermaria onde está internada a mãe dela, Jacicleide Zufino da Silva, pela presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Elizabeth Carvalho.

Meta é reduzir sub-registro a 5%
A secretária de Estado da Assistência Social e coordenadora do Comitê Gestor, Solange Jurema, afirma que a meta do Estado é reduzir o índice de sub-registro para 17,6% ainda este ano e alcançar 5% em 2010. "Essa instalação de cartórios nas maternidades faz parte de um plano que consiste em mais duas ações: a realização de 20 mutirões até 2010 nos locais onde os índices são maiores, e trabalhar diretamente com os municípios, capacitando os funcionários da assistência social, já que são eles que lidam diretamente com as pessoas da baixa renda", explica.

Falta de registro civil


Segundo ela, um Termo de Compromisso foi firmado em março pelo governador Teotonio Vilela Filho (PSDB) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Vamos realizar um trabalho em conjunto com os municípios, com várias secretarias do Estado e com instituições, como o Tribunal de Justiça (TJ). Será um trabalho integrado", ressaltou Solange.

A secretária ressalta que o índice de 30,3%, apresentado pelo IBGE, é contestado pelo TJ/AL. "Eles dizem que não deve passar de 20%. Mas acho que o importante não é discutir qual a taxa, nem devemos ficar olhando para o passado. Devemos é nos focar para alcançarmos os 5% acordados", afirma.

Cartório é fechado meia hora depois de inaugurado
Embora inaugurado com direito a festa e discursos, bastou as autoridades deixarem a maternidade e, menos de meia hora depois do lançamento, a reportagem do UOL encontrou o cartório fechado. Na porta do local nada indicava para o horário de funcionamento ou mesmo que o local se tratava de um cartório para atender aos pais dos recém-nascidos - apenas estava colado um cartaz do programa.

A explicação para o cadeado na grade, segundo a oficial do 6º Distrito de Registro Civil de Maceió, Maria Rosinete Rodrigues, é que o local só deve funcionar nos horários de visita da maternidade. "Deve abrir por volta das 9h30 e fechar entre 11h e 11h30. À tarde, devermos abrir por volta das 14h30. Preciso conhecer melhor a realidade dos horários da maternidade para definir isso", justificou Rodrigues, sem saber precisar a hora exata para abertura e fechamento do local.

A oficial diz apoiar a iniciativa do governo de abrir cartórios nas maternidades, mas alega que o registro de nascimento é dado gratuitamente e os custos com a nova unidade serão bancados pela própria instituição. "Vou gastar com um funcionário e com o deslocamento da sede do meu cartório até aqui. O governo não disponibiliza nenhum recurso para cobrir esses custos. Ainda não avaliei os custos, mas acho que essa é uma ação importante, pois precisamos reduzir esses índices no nosso Estado", alegou Maria Rosinete, que será responsável pelo cartório.

"Eu só existo para Deus", diz moradora sem registro
Enquanto o governo se esforça para reduzir o índice de sub-registro, a população alagoana ainda sofre com a falta de uma certidão de nascimento e sua consequente "inexistência" para o poder público. No maior bairro de Maceió, o Benedito Bentes, há milhares de moradores sem registro.

Um exemplo é Maria Soares Barbosa, 44. Ela e três dos quatro filhos não possuem certidão de nascimento. "Se um deles adoece, não tenho como levar para o médico. Eu só existo pra Deus, porque para o povo da terra não existo", lamenta a dona-de-casa.

Com dois filhos, Vilma Bernardino dos Santos alega que os dois filhos não têm registro porque não tem dinheiro para pagar a passagem de ônibus e ir até um cartório. O mais velho dos filhos, Matheus, de oito anos, deveria ter começado a estudar no ano passado. "Meu sonho é registrá-lo e colocá-lo numa escola. Mas não tive dinheiro para ir buscar o documento", justifica.


Fonte: Site do UOL Notícias - 20/05/2009.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.