Agravo de instrumento - Sentença condenatória - Execução - Bem doado com cláusulas restritivas - Consilium fraudis - Configuração - Decisão reformada

- Resta inegável o consilium fraudis, caracterizando fraude à execução, na doação de pai para filho, com cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade, se o donatário já era devedor, sem possuir outros bens para levar à penhora e garantir a execução.

- Ao proferir seu julgamento, além de levar em conta regras e princípios jurídicos, não pode o juiz olvidar as regras da experiência comum, decorrentes daquilo que normalmente acontece (art. 335 do CPC).

Agravo de Instrumento n° 1.0435.06.000763-8/001 - Comarca de Morada Nova de Minas - Agravantes: I.R.A. e outro - Agravado: W.M.S.F. - Relator: Des. Mauro Soares de Freitas

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.

Belo Horizonte, 20 de agosto de 2009. - Mauro Soares de Freitas - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. MAURO SOARES DE FREITAS - Trata-se de agravo de instrumento interposto por I.R.A. e outros em face de W.M.S.F. contra r. decisão que julgou procedente a impugnação e determinou a desconstituição do auto de penhora, avaliação e depósito.

Inconformados, recorrem os agravantes, pugnando pela reforma da decisão para que se mantenha a penhora realizada, ao argumento de que houve fraude à execução, pois após a sentença condenatória do agravado foi que seus pais doaram o imóvel, antes penhorado, gravado com cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade, com a justificativa de proteger o filho inválido. Em sendo assim, pugnam pelo provimento do recurso.

Efeito suspensivo indeferido.

Decisão mantida em primeira instância.

Contraminuta às f. 133/137, em óbvia infirmação.

Parecer ministerial opinando pelo desprovimento do recurso.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Revelam os autos ter o agravado, W.M.S.F., assassinado o marido e pai dos agravantes, condenado penal e civilmente, já que estes ajuizaram ação indenizatória. Tal sentença está sendo executada, tendo o agravado indicado bem à penhora, mas, depois de realizada, afirmou ser o bem impenhorável, já que seus pais lhe doaram com cláusulas restritivas. Entendendo o Julgador que o bem é realmente impenhorável, deferiu o pedido de desconstituição da penhora, gerando o presente recurso.

Os agravantes insistem em dizer que houve fraude à execução na doação realizada, uma vez que esta ocorreu anos após a condenação civil do agravado, ou seja, estes já estavam cientes do valor a ser pago aos recorrentes. Ocorre que os pais do agravado justificam a doação, afirmando acerca da necessidade do filho, já que inválido.

O eminente Des. Armando Freire, em julgamento análogo a este (AP. 2.0000.00.412425-6/000), dispôs o seguinte:

"No direito moderno, não se busca, apenas, o julgamento pelas regras simples, deixando os princípios como reserva, para aplicá-los na ausência da lei. O direito possui normas, divididas em princípios e regras, os quais se equivalem. Portanto, as regras devem ser aplicadas em consonância com os princípios jurídicos.

Tanto isso é verdade que o novo Código Civil, além das regras, estabeleceu uma série de princípios norteadores para aplicação simultânea com as regras, e não como norma supletiva às regras.

Assim é que, ao proferir seu julgamento, não deve o juiz olvidar as regras da experiência comum, decorrentes daquilo que normalmente acontece (art. 335 do CPC).

Se alguém está prestes a receber bens de herança, em virtude de estado de saúde precário de seu ascendente, e tem ciência de que seu quinhão será penhorado, porque não há outros bens a garantir seu débito, não há como concluir que a doação foi feita, com cláusula de impenhorabilidade, por vontade exclusiva do doador, sem a participação do donatário.

Essa é a lógica da vida que, no caso, caracteriza o consilium fraudis".

O caso em exame é praticamente o mesmo, com a única diferença de que os pais do agravado não se encontram enfermos, mas justificaram a doação pela invalidez do filho.

Portanto, sendo a doação, gravada com restrições, realizada alguns anos após a sentença indenizatória condenatória e sabendo tanto os doadores como o donatário que aquele seria o único bem deste existente, configurada está a fraude à execução.

Em sendo assim, conforme citação acima, não se pode analisar o fato como um todo legal, e sim esmiuçar todos os pequenos fatos relacionados ao caso, além da intenção de cada parte.

Ante tais considerações, dou provimento ao recurso para reformar a decisão e manter a penhora realizada nos autos da execução.

Custas, na forma da lei.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Barros Levenhagen e Maria Elza.

Súmula - DERAM PROVIMENTO.


Fonte: Boletim do Judiciário Eletrônico do TJMG - 15/04/2010.

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