Ação de ressarcimento - Apelação - Terceiro interessado - Usufruto - Cláusula de extensão do direito do usufrutuário sobrevivente - Validade

AÇÃO DE RESSARCIMENTO - RECURSO DE APELAÇÃO - TERCEIRO INTERESSADO - LEGITIMIDADE - USUFRUTO SOBRE IMÓVEL - CLÁUSULA EXPRESSA DE EXTENSÃO DO DIREITO AO USUFRUTUÁRIO SOBREVIVENTE - VALIDADE

- Demonstrados o interesse e a legitimidade do terceiro para recorrer, deve ser recebido o recurso de apelação por ele interposto.

- Não há que falar em vedação legal, quando o art. 740 do CC/16, vigente à época da doação, permitia a extensão expressa do usufruto à parte sobrevivente, que difere do usufruto de segunda geração ("sucessivo").

Apelação Cível n° 1.0024.03.058606-9/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Terezinha Martins de Oliveira - Apelada: Deise Martins Alves de Sousa e outros - Litisconsorte: Escritórios de Advocacia Gomes Pereira S/C Ltda. e outros - Relator: Des. Valdez Leite Machado

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Valdez Leite Machado, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminar e dar provimento.

Belo Horizonte, 24 de junho de 2010. - Valdez Leite Machado - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. VALDEZ LEITE MACHADO - Cuida-se de recurso de apelação interposto por Terezinha Martins de Oliveira, qualificada nos autos, contra a sentença proferida em ação ordinária de ressarcimento que move Deise Martins Alves de Sousa, Iara Martins de Sousa Castro e Maria de Lourdes Martins Alves de Sousa em face de Escritórios de Advocacia Gomes Pereira S/C Ltda., Raul Gomes Pereira e Eloá Soares Gomes Pereira.

As autoras alegaram, em síntese na inicial, que, junto aos demais irmãos, um total de nove, são proprietários de um imóvel residencial e comercial que foi doado em vida pelos pais, que reservaram para si o usufruto vitalício, figurando os nove irmãos na condição de nus proprietários.

Asseveraram que, com o falecimento do pai, as autoras e seus irmãos passaram à condição de coproprietários de metade do imóvel, sendo que a outra metade ainda continua com a genitora, Sra. Teresinha Martins de Oliveira, sendo cientificados de que a empresa locatária paga os alugueres aos réus.

Entendendo presentes os requisitos legais, requereram a concessão da antecipação dos efeitos da tutela que lhes possibilitem receber a quota-parte dos aluguéis e, ao final, sejam os requeridos condenados a ressarcir à parte autora os valores recebidos indevidamente.

Deferida a gratuidade, foram os réus citados, apresentando conjuntamente a defesa de f. 165-168, requerendo nomeação à autoria da Sra. Teresinha Martins de Oliveira.

Asseveraram que a doação do imóvel foi gravada com a reserva de usufruto vitalício e sucessivo aos doadores; e, assim, com o falecimento do Sr. José Alves de Sousa, a outra usufrutuária passou a receber todos os rendimentos advindos do bem, devendo o pedido inicial ser totalmente julgado improcedente.

À f. 187, foi deferida a litisdenunciação, sendo essa decisão objeto de recurso de agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento nos termos do acórdão de f. 240-247.

Sobreveio a sentença de f. 279-283, que julgou procedente o pedido inicial, condenando os requeridos ao pagamento de 1/9 para cada uma das autoras de 50% de todos os aluguéis recebidos referente ao imóvel alugado à Café e Tabacaria Sabiá Ltda., desde 08.07.00, corrigido de acordo com os índices da tabela da CGJ, acrescidos de juros legais de 1% ao mês, devidos a partir da citação.

Condenou os requeridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação.

Terezinha Martins de Oliveira, na qualidade de terceira interessada, interpôs o recurso de apelação de f. 284-290, asseverando que a decisão se pautou no registro do imóvel, e não na escritura.

Afirmou que, na escritura de doação, constou expressamente o usufruto vitalício e sucessivo do imóvel, que demonstra a vontade das partes de que, falecendo uma delas, a outra teria o usufruto total do imóvel até que ocorresse também a sua morte.

Ressaltou que não há falar em restituição de 50% do valor recebido a título de pagamento de locação do imóvel em litígio, uma vez que a interveniente é legítima usufrutuária do bem, tendo direito ao recebimento de seus frutos.

Juntou documentos.

As autoras apresentaram as contrarrazões de f. 305-315, alegando a preliminar de ilegitimidade para interpor recurso, e, no mais, pugnaram pela manutenção da sentença recorrida.

Inicialmente cumpre analisar a preliminar de não conhecimento do recurso em razão de se tratar de parte ilegítima para interpô-lo, pois foi na qualidade de terceira interessada que a ora apelante pediu a reforma da sentença.

Ora, dispõe o art. 499 do Código de Processo Civil:

"Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.

§ 1º Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial".

Da leitura do citado dispositivo legal, extrai-se que o recurso somente pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público, mas, quando interposto pelo denominado terceiro prejudicado ou interessado, incumbe a este
fazer prova, por mínima que seja, de algum gravame que experimente em razão da decisão recorrida, assim demonstrando seu interesse na causa.

Na hipótese, conforme se depreende dos autos, foi deferido na sentença o direito das autoras ao recebimento das respectivas quotas-partes do valor do aluguel do imóvel descrito na inicial, imóvel sobre o qual a ora recorrente diz possuir o usufruto de não apenas 50%, mas sim de sua totalidade, tendo em vista o falecimento de seu marido.

Como se vê, restou comprovado o interesse da apelante na interposição do recurso de apelação, na medida em que alega ter o usufruto sobre a totalidade do bem imóvel, o que afastaria o direito das autoras ao recebimento dos aluguéis da quotaparte a que teriam direito em razão do falecimento de seu pai.

Tratando do tema, leciona Humberto Theodoro Junior:

"Embora não seja vencido, por não ser parte no processo, o terceiro pode vir a sofrer prejuízo em decorrência da sentença. Isto se dá quando ocorre 'o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial' (art. 499, § 1º).

Para que o terceiro interfira no processo através do recurso, é necessário demonstrar, portanto, uma relação jurídica com o vencido que sofra prejuízo, em decorrência da sentença. Seu interesse para recorrer 'seria resultante do nexo entre as duas relações jurídicas: de um lado, a que é objeto do processo, e, de outro, a de que é titular, ou de que se diz titular o terceiro'" (in Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. I, p. 615).

Nesse sentido:

"Processual civil - Agravo de instrumento - Execução de encargos condominiais - Preliminares - Ilegitimidade ativa ad causam de terceiro - Potencial prejuízo - Verificação - Art. 499 do CPC - Rejeitado - Deserção - Inocorrência - Pedido de justiça gratuita em fase recursal - Deferimento - Não cabimento do recurso na forma de instrumento - Verificação de risco de lesão imediata - Cabimento - Venda pública de imóvel penhorado - Avaliação remota - Necessidade de atualização - Recurso parcialmente provido. - O terceiro que não é parte no processo, desde que a decisão represente para ele potencial prejuízo, tem interesse e legitimidade para interposição de recurso, conforme art. 499 do CPC. - O pedido de justiça gratuita pode ser feito e deferido em qualquer momento do processo, não podendo se falar em deserção. - O recurso de agravo na modalidade de instrumento é adequado sempre que presente potencial prejuízo à parte. - A venda pública de imóvel deve ter contado com avaliação próxima ou no máximo há um ano. - Recurso conhecido e parcialmente provido". (TJMG, AC nº 1.0024.04.383588-3/001, 17ª Câmara Cível, Rel.ª Des.ª Márcia De Paoli Balbino, j. em 31.07.2008).

"Agravo de instrumento - Terceiro prejudicado - Admissibilidade - Liminar de caráter cautelar em ação de cobrança - Ausência de requisitos - Revogação - Inexistência de relação entre bem em poder de comodatário, o qual pretende seja decretada sua indisponibilidade, e o objeto da lide - Impossibilidade de adiantar garantia de processo de execução antes mesmo de estar constituído título judicial, com prolação de sentença - Litigância de má-fé - Não configuração - Ausência de conduta maliciosa intencional. - O Código de Processo Civil, em seu art. 499, admite a interposição de recurso por terceiro interessado, desde que comprove que a decisão recorrida lhe causou prejuízo. - A pretensão, em caráter cautelar, de tornar indisponível bem em poder de comodatário, sob o fundamento de ser o único bem passível de garantia, em caso de futura execução de eventual sentença favorável, não deve prevalecer em face da inexistência de relação entre o bem dado em comodato e o objeto da ação de cobrança, bem como não há como pretender tornar indisponível um bem para garantir futura execução cujo título judicial que sequer foi constituído, com a prolação de sentença condenatória. - Para os fins do art. 17 do CPC, é preciso que o litigante adote intencionalmente conduta maliciosa e desleal" (TJMG, AI nº 2.0000.00.468206-0/000, 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Pedro Bernardes, j. em 12.04.2005).

Assim, demonstrado o interesse e a legitimidade da apelante para recorrer da sentença de f. 279-283 e, ainda, presentes os demais requisitos legais, conheço o recurso de apelação.

Compulsando os autos, verifico que o pai das autoras, Sr. José Alves de Sousa, faleceu em 09.07.00 (f. 26), sendo usufrutuário do imóvel registrado sob a Matrícula nº 71713 (f. 28-29), não constando no registro tratar-se de usufruto "sucessivo".

Com o recurso de apelação, foram juntados aos autos os documentos de f. 292 e de f. 293, que são certidões da escritura de doação do imóvel descrito na inicial, ficando pactuado que:

"Os outorgantes doadores reservaram para si o usufruto vitalício e sucessivo sobre o referido imóvel que foi inscrito sob o n. 2745, livro 4-D, neste Cartório, inclusive das futuras benfeitorias, que se consolidará integralmente no cônjuge sobrevivente, ficando ainda o imóvel gravado com as cláusulas de impenhorabilidade e inalienabilidade, esta conforme averbação n. 1, à margem desta transcrição, até que o mais novo de seus filhos complete 21 anos de idade".

Consta ainda dos autos que foi na Vara de Registros Públicos julgada improcedente a dúvida do Sr. Oficial do 6º Serviço de Registro de Imóveis da Capital em desfavor de Terezinha Martins de Oliveira, sendo por esta protocolizado para registro uma escritura de doação lançada a expressão "usufruto vitalício e sucessivo", recomendando ao Oficial que proceda ao registro pretendido, uma vez que o documento apresentado preenche os requisitos legais.

Restou esclarecido na referida decisão proferida na Vara de Registros Públicos que (f. 324):

"o nosso direito prevê uma sucessão anômala: é aquela situação em que se atribui o direito de usufruto a mais do que uma pessoa, mas de forma expressa também se permite que, na falta de um usufrutuário, ou seja, extinto um deles, consolide inteiramente o direito na pessoa do sobrevivente. Extingue-se a comunhão e há, a despeito da regra contrária, uma espécie de sucessão".

Assim, a meu ver, dos documentos carreados aos autos, verifico que, ainda que o Oficial do Cartório tenha anteriormente constado no registro do imóvel somente a existência de usufruto vitalício, constou na escritura de doação que este também se fazia sucessivo entre as partes doadoras, ou seja, na morte de um deles, metade do usufruto seria transferida à parte sobrevivente.

Cumpre ressaltar que tal condição não era proibida quando realizada a transcrição da doação gravada com o ônus de usufruto, em 17.04.74 (f. 292), pois vigia o Código Civil de 1916, que preconizava:

"Art. 740 - Constituído o usufruto em favor de dois ou mais indivíduos, extinguir-se-á parte a parte, em relação a cada um dos que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber aos sobreviventes".

Ora, restou claro na escritura pública de doação que ao usufrutuário sobrevivente ficaria o usufruto da parte do falecido, sendo pelos doadores denominado de "usufruto sucessivo", que não se confunde com o usufruto de segunda geração, recebido em razão de herança.

Sobre a possibilidade de pactuar o direito de o usufrutuário sobrevivente permanecer com o usufruto em sua totalidade, leciona o mestre Caio Mário:

"Sendo dois ou mais usufrutuários, extingue-se em relação aos que falecerem, subsistindo pro parte em proporção aos sobreviventes (art. 1.411). Mas, se o título estabelece a sua indivisibilidade, ou expressamente estipula o direito de acrescer entre os usufrutuários, subsiste íntegro a irredutível até que todos venham a falecer" (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. IV, p. 303).

Nesse sentido colaciono:

"Ementa: Promessa de doação. - É válida, e plenamente eficaz e exigível, a promessa de doação de bens imóveis em favor de filhos, acordada pelos progenitores quando da separação consensual. Usufruto sucessivo. - O direito brasileiro proíbe é o usufruto herdável, não o usufruto sucessivo, pois pode o proprietário instituir usufruto em favor de a. E, verificada condição resolutiva, sucessivamente em favor de b. A cláusula relativa à eficácia do usufruto de alguém depender da extinção do usufruto de outrem sobre o mesmo bem não encontra obstáculo legal. Sentença confirmada” (Apelação Cível nº 584032999, Primeira Câmara Cível, TJRS, Rel. Athos Gusmão Carneiro, j. em 06.08.85).

Ante o exposto, rejeito a preliminar e dou provimento ao recurso de apelação, para reformar a sentença atacada, julgando improcedente o pedido inicial.

As custas, inclusive recursais, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), deverão ficar a cargo da parte autora, suspensa a exigibilidade em razão do disposto no art. 12 da Lei nº 1060/50.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Evangelina Castilho Duarte e Hilda Teixeira da Costa.

Súmula - REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 03/12/2010.

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