Ação Civil Pública - Limitação da construção desordenada em bairros

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMITAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DESORDENADA EM BAIRROS - POSSIBILIDADE - ILEGALIDADE - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PRECEITOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DO ESTATUTO DA CIDADE - ANULAÇÃO DAS LICENÇAS DE CONSTRUÇÃO

- A Lei 7.347/85, em seu art. 1º, rege as ações de responsabilidade pelos danos causados, dentre outros, ao meio ambiente, aos interesses difusos e coletivos e à ordem urbanística.

- Não se desconhece a natureza jurídica da licença para construir, que, uma vez concedida, dá efetividade ao direito de propriedade. Contudo, tal como todo ato administrativo, a licença para construir somente será válida se atendidas as exigências legais.

- Mesmo que ainda não sancionada lei municipal específica proibindo expressamente a concessão de licença de construção em determinado bairro, demonstrado que as autorizações/licenças foram todas deferidas nos dias 17 e 18 de dezembro de 2003, um e dois dias antes da sanção, esta em 19 de dezembro de 2003, por consequência a alegada "legalidade" restou duvidosa e, pois, cede preferência à moralidade. Ainda, devem ser observados pela Administração Municipal os preceitos do art. 182 da Constituição da República e da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade).

- Revela-se ilegal a construção de edifícios em área tipicamente residencial, em flagrante afronta às características do bairro Cariru, levando-se em conta, também, que a cidade de Ipatinga foi construída dentro de um planejamento urbano específico.

Apelação Cível/Reexame Necessário n° 1.0313.04.131422-7/007 - Comarca de Ipatinga - Remetente: Juiz de Direito da Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Ipatinga - 1º apelante: Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. - 2ºs apelantes: Cléber Lage Guerra e outros - Apelada: Associação dos Moradores do Bairro Cariru - Litisconsorte: Município de Ipatinga, Afonso Henrique Pinto - Relator: Des. Geraldo Augusto

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em confirmar a sentença no reexame necessário, prejudicados os recursos voluntários.

Belo Horizonte, 31 de março de 2009. - Geraldo Augusto - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Proferiram sustentações orais, pelo primeiro apelante, o Dr. Raimundo Cândido Júnior, e, pelo segundo apelante, o Dr. Alexandre Olavo Carvalho de Oliveira

DES. GERALDO AUGUSTO - Sr. Presidente. Diante da manifestação dos ilustres patronos envolvendo matéria de fato, peço vista dos autos.

Súmula - PEDIU VISTA O RELATOR, APÓS SUSTENTAÇÕS ORAIS.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Assistiram ao julgamento, pelos 1º e 2º apelantes, os Drs. Olan Cardoso e Alexandre Olavo Carvalho de Oliveira, respectivamente.

DES. PRESIDENTE (EDUARDO ANDRADE) - O julgamento deste feito foi adiado na sessão do dia 17.03.09, a pedido do Relator, após sustentações orais.

Com a palavra o Des. Geraldo Augusto.

DES. GERALDO AUGUSTO - Conhece-se do reexame necessário, presentes os requisitos à sua admissibilidade.

Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Associação dos Moradores do Bairro Cariru - AMBC em face do Município de Ipatinga, Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda., Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Wesley Brandão Machado, Afonso Henrique Pinto e Lauriciano Alves Ferreira, pretendendo a cassação das licenças expedidas aos réus para construção de edifícios no bairro Cariru, no Município de Ipatinga.

A sentença julgou procedente o pedido, para anular as licenças de construção expedidas em favor dos réus, conforme os Processos Administrativos de nº 016.0016.2003/01002, 016.001.2003/01622, 016.001.2003/01650, 016.001.2003/01665, 016.001.2003/01702, 016.001.2003/01703 e 016.001.2003/01724, determinando a demolição das obras eventualmente implementadas no bairro Cariru, condenando os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor da causa, isento o Município de Ipatinga das custas (f. 1.395/1.409).

Inconformada com a decisão, recorre a ré Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. às f. 1.413/1.420, alegando, em apertada síntese, que, tendo em vista a entrada em vigor da Lei 2.035, em 19.12.2003, e que o processo administrativo requerido pela apelante junto ao Município teve início em 03.11.2003 e fim em 17.12.2003, resta o direito da apelante de construir o prédio, uma vez que a aprovação do processo foi feita com base na Lei 419/73.

Irresignados, recorrem os réus Cléber Lage Guerra e outros (f. 1.422/1.438), aduzindo, em breve resumo, que todo o procedimento administrativo de aprovação de seus projetos e a respectiva edição do licenciamento para construir foram feitos dentro do que determinava a Lei Municipal 419/73, afigurando-se o direito adquirido dos apelantes, bem como o ato jurídico perfeito; que a apelada não trouxe aos autos prova de que as construções são nocivas ao meio ambiente; que não se pode impedir a construção de prédios cujos projetos foram aprovados antes da lei que determina tal proibição, baseando-se no que dispõe o art. 182 da CR.

Examina-se o recurso necessário.

De início, cumpre asseverar que a Lei da Ação Civil Pública - Lei 7.347/85, em seu art. 1º, rege as ações de responsabilidade pelos danos causados, dentre outros, ao meio ambiente, aos interesses difusos e coletivos, e à ordem urbanística; motivo pelo qual adequada a presente ação, através da qual se pretende a anulação dos atos supostamente causadores de dano ao meio ambiente urbano e à ordem urbanística.

Não se desconhece a natureza jurídica da licença para construir, que, uma vez concedida, dá efetividade ao direito de propriedade. Contudo, tal como todo ato administrativo, a licença para construir somente será válida se atendidas as exigências legais.

E, como cediço, incumbe ao Poder Judiciário apenas a análise do ato administrativo no que se refere ao seu aspecto de legalidade, não lhe sendo concedida a prerrogativa de adentrar o mérito do ato administrativo quando seu conteúdo decorre do exercício do poder discricionário atribuído à Administração.

Conforme se infere dos autos, antes da Lei Municipal 2.035, de 19.12.2003, não havia norma disciplinando, expressamente, a utilização do solo urbano no bairro Cariru, localizado no Município de Ipatinga.

Devido à inexistência de norma anterior, o Município concedeu licenças de construção de edifícios no referido bairro, dentre elas aquelas concedidas aos requeridos, ora impugnadas - Processos Administrativos nº 016.0016.2003/01002, 016.001.2003/01622, 016.001.2003/01650, 016.001.2003/01665, 016.001.2003/01702, 016.001.2003/01703 e 016.001.2003/01724 (f.271/505).

Da análise dos referidos processos, infere-se que as licenças, curiosamente, foram concedidas em 17.12.2003 e em 18.12.2003, às vésperas da limitação administrativa (19.12.2003), e os respectivos procedimentos duraram tão somente 10 dias.

Com efeito, a Lei 2.035/03 estabeleceu limitações para edificações nos bairros Cariru, Castelo e das Águas, determinando que as edificações não poderiam ter mais de dois pavimentos acima do passeio (f. 115).

Sustentam os requeridos que as licenças de construção lhes foram concedidas sob a égide da Lei Municipal 419/73 - Código Municipal de Obras -, época em que não havia limitação quanto ao número de pavimentos para as edificações no bairro de Cariru, razão pela qual os licenciamentos concedidos seriam juridicamente perfeitos.

Contudo, não obstante a ausência de expressa vedação na Lei Municipal 419/73, referida norma deve ser interpretada à luz da Constituição da República, notadamente o seu art. 182, regulamentado, juntamente com o art. 183, pelo Estatuto da Cidade - Lei 10.257/01. Dispõe o art. 182:

"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes".

Cumpre aqui transcrever trecho do voto proferido pelo eminente Des. Jarbas Ladeira, nos autos do Agravo de Instrumento nº 1.0313.04.131422-7/002, julgado em 16.08.2005:

"A Carta de 1988, em seu artigo 182, prevê e recepciona as políticas de desenvolvimento urbano, com o objetivo de promover o crescimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes. É de se lembrar que, antes de se falar em política urbana, a função social da propriedade foi prevista no rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXIII, da CF/88), um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Para se cumprir o estabelecido na Constituição, é obrigatória, nas cidades com população superior a 20 mil habitantes, a elaboração de plano diretor, para que o desenvolvimento urbano equitativo e impessoal possa ser promovido.

Pelo que se sabe, o Município de Ipatinga, à margem da Constituição Federal, não providenciou a implementação de um plano diretor, ou de uma lei orgânica, com o fim de proporcionar um crescimento urbano equilibrado, objetivando o bem da coletividade ipatinguense. Ante a ausência de tal ordenamento, os particulares usam e abusam de seu direito de propriedade, construindo de forma desordenada, sem respeitar as características urbanísticas e habitacionais dos bairros, bem como os moradores locais. Assim, frente à inércia do poder público em providenciar a lei orgânica municipal, nada obsta que associações de moradores possam sair em defesa de interesses difusos, afeitos a toda a comunidade, em detrimento de projetos privados".

Com efeito, ainda que inexistente lei local proibindo expressamente a concessão das licenças em questão, deveriam ter sido observados pela Administração Municipal os preceitos da Constituição da República e do Estatuto da Cidade.

Deve ser levado em consideração o parecer técnico elaborado pela Prof.ª Dr.ª Auxiliadora Maria Moura Santi, do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Ouro Preto, juntado às f. 1.235/1.250 pelo Ministério Público, que aponta os efetivos prejuízos à saúde, ao meio ambiente e ao meio urbano que a construção das edificações pode causar.

Diante do exposto, revela-se ilegal, além de imoral, a construção de edifícios em área tipicamente residencial, em flagrante afronta às características do bairro Cariru, levando-se em conta, também, que a cidade de Ipatinga foi construída dentro de um planejamento urbano específico (f. 1.001/1.042).

Cumpre, ademais, destacar parte da criteriosa decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito a quo, no sentido de que, "se o Município de Ipatinga não reconhece esta realidade urbana, verdadeiro patrimônio da Municipalidade e dos cidadãos, não pode o Poder Judiciário permitir o vilipêndio deste patrimônio, mas sim impor limites à especulação financeira, até que a sensatez faça o Município de Ipatinga, por seus membros do Executivo e do Legislativo criarem norma local, para proteger o bem urbano que inspirou a criação dos primeiros bairros do Município" (f. 1.407).

Portanto, diante de todo o exposto, impõe-se a anulação das licenças de construção expedidas em favor dos réus, conforme os Processos Administrativos nºs 016.0016.2003/01002, 016.001.2003/01622, 016.001.2003/01650, 016.001.2003/01665, 016.001.2003/01702, 016.001.2003/01703 e 016.001.2003/01724, e, por consequência, tendo em vista o efeito ex tunc da anulação, a demolição das obras eventualmente edificadas no bairro Cariru.

Tendo em vista a excelência dos fundamentos jurídicos, aliados à perfeita aplicação do direito ao caso/fato concreto, à atualidade do tema e sua repercussão social/ambiental, recomendo a publicação da sentença da lavra do eminente Juiz de Direito Dr. Fábio Torres de Sousa, da Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Ipatinga.

Com tais razões, em reexame necessário, confirma-se a sentença. prejudicados os recursos voluntários.

DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - Sr. Presidente. Voto de acordo com o Relator e recomendo não só a publicação da sentença proferida pelo douto e culto Juiz Dr. Fábio Torres de Souza, pela sua relevância, como também a publicação do acórdão, visto que ambos contemplam o pleno exercício da cidadania, já que o direito de cada cidadão termina onde começa o do outro, o que é muito bem fundamentado na moldura firme do princípio da moralidade.

Com o Relator.

DES. ARMANDO FREIRE - Sr. Presidente. Havia feito algumas anotações na sessão anterior, quando e após as sustentações orais que os ilustres advogados empreenderam naquela oportunidade.

Como não me foi possível examinar os autos à luz das anotações no decorrer destes dias, estou me permitindo pedir vista para fazê-lo, trazendo meu voto na próxima sessão.

Súmula - PEDIU VISTA O VOGAL, APÓS VOTAREM O RELATOR E A REVISORA NEGANDO PROVIMENTO.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Assistiram ao julgamento, pelo primeiro apelante, o Dr. Alexandre Olavo Carvalho de Oliveira e, pelo segundo apelante, o Dr. Ronan Cardoso Neto.

DES. PRESIDENTE (EDUARDO ANDRADE) - O julgamento deste feito foi adiado na sessão do dia 17.03.09, a pedido do Relator, após sustentação oral.

Em 24.03.09, foi novamente adiado, a pedido do Vogal, após votarem o Relator e a Revisora, negando provimento.

Com a palavra o Des. Armando Freire:

DES. ARMANDO FREIRE - Sr. Presidente. Inicialmente, registro, e o faço para que sejam tomadas as providências devidas, no sentido de ser acostado aos autos, por linha, um memorial acompanhado de duas certidões, encaminhados ontem, pelo menos chegou às minhas mãos nessa data, pela Associação dos Moradores do Bairro Cariru.

Registro ainda que a referida peça não gerou qualquer interferência na formação do meu convencimento, para fins do voto, e a determinação da juntada por linha é apenas em consideração ao registro de protocolo que a acompanha.

As aprovações de projetos e respectivos licenciamentos, em sede de processo administrativo, para construção de 7 (sete) edifícios no bairro Cariru, em Ipatinga, deram-se com base na Lei nº 419, de 19 de fevereiro de 1973 (Código Municipal de Obras).

Os correspondentes atos administrativos que são impugnados pela AMBC - Associação dos Moradores do Bairro Cariru na presente ação civil pública contém datas anteriores à Lei Municipal nº 2.035, de 19.12.2003, ou seja, quando inexistia norma legal do Município de Ipatinga disciplinando a utilização do solo urbano no bairro Cariru e estipulando, especificamente, que as edificações não poderiam ter mais de 2 (dois) pavimentos acima do passeio. Tal Lei Municipal nº 2.035/2003, que estabelece limitações para as edificações no bairro Cariru, em Ipatinga, encontra-se em pleno vigor.

"Curiosamente", na expressão utilizada pelo eminente Relator, as licenças para edificação foram concedidas às vésperas dessa limitação administrativa (Lei Municipal nº 2.035/2003). Além disso, os respectivos procedimentos administrativos que duraram "tão somente" menos de 10 (dez) dias. Inclusive, o douto Magistrado registrou, na sentença, que, segundo a prova testemunhal, "teria ocorrido uma reunião realizada na Prefeitura Municipal, ficando acordado que seriam aprovados os projetos e, após, sancionada a lei" (f. 1.402).

De fato, tal como ponderado no r. parecer da PGJ:

"os atos administrativos praticados pelo ilustre Prefeito Municipal de Ipatinga à época, nos procedimentos de licenciamento em questão, não atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, vez que restou comprovado nos autos que os licenciamentos para construir foram deferidos após a aprovação na Câmara Municipal do Projeto de Lei que disciplina o limite das construções no Bairro Cariru, quando tal lei aguardava sanção do chefe do Executivo" (f. 1.493-TJMG).

As licenças foram concedidas, portanto, em meio a tais "estranhas" circunstâncias, que muito chamam a atenção.

Ademais, não há como desconsiderar a existência de provas e evidências indicando que as construções provocariam impactos negativos de natureza ambiental, urbanística e arquitetônica no local, além de colidirem com a história e a cultura do bairro (vide comentários do Ministério Público nas duas Instâncias acerca do modelo urbanístico moderno, baseado na Escola Progressista de Le Corbusier, f. 1.476 e f. 1.494/1.495-TJMG).

Importa ao julgamento a percepção lógico-racional, contextual e histórica de que as licenças concedidas, sob a égide do Código Municipal de Obras, não se conformam com as modernas diretrizes constitucionais e infraconstitucionais às políticas de desenvolvimento urbano. Cumpre dizer, o trabalho hermenêutico de elaboração do sentido das normas aplicáveis ao caso concreto deve consideração às diretrizes da Constituição da República de 1988 e às normas contidas no Estatuto da Cidade de 2001, frente às questões ambientais, urbanas, arquitetônicas contemporâneas que englobam o tema tratado no processo.

À luz do exposto, também acompanho o entendimento do eminente Relator, na presente ação civil pública.

É o meu voto.

Súmula - CONFIRMARAM A SENTENÇA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADOS OS RECURSOS VOLUNTÁRIOS.

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SENTENÇA

Processo 131422-7

Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Ipatinga

Ação Civil Pública

Vistos, etc.

Associação dos Moradores do Bairro Cariru - AMBC ajuizou a presente ação civil pública em face do Município de Ipatinga, Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda., Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Wesley Brandão Machado, Afonso Henrique Pinto e Lauriciano Alves Ferreira.

O autor fez um breve relato histórico, do seu ponto de vista, das primeiras ocupações até os dias de hoje na área territorial atual do Município de Ipatinga. Frisou que, desde o início da implantação da cidade, houve uma preocupação com a utilização e parcelamento do solo urbano, sendo que, com o passar dos anos, as normas de urbanização ficaram obsoletas devido à falta de atualização. Salientou que vários bairros da cidade sofreram severa ocupação desordenada, sendo que o bairro Cariru passou a ser visado para o mesmo fim (ocupação desordenada), sendo iniciadas diversas construções de edifícios. Preocupados com isso, os moradores do bairro colheram mais de 700 assinaturas com o objetivo de impedir tais construções, levando ao conhecimento do Prefeito em exercício pedido de alteração da legislação urbanística, sendo tal pedido acatado e editada nova lei municipal regulamentando a questão. Asseverou que a referida lei demorou 22 dias para ser sancionada pelo Prefeito e que, nesse período, 7 projetos de edificações no bairro, de 5 a 17 pavimentos, foram oportunamente aprovados. Informou que tais aprovações não observaram o devido processo administrativo, previsto no Código de Obras municipal. Suscitou que as aprovações afrontaram a determinação do art. 182 da CR/88, visto que não observaram o bem-estar da população interessada (moradores do bairro). Aduziu que as autorizações infringiram os princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade. Relata, ainda, que a licenças foram concedidas sem o devido estudo de impacto de vizinhança, previsto na Lei 10.257/2007 (Estatuto da Cidade). Pleiteou a cassação dos alvarás de construção.

Juntou os documentos de f. 27/145.

Foi concedida a liminar às f. 148/149.

Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto e Lauriciano Alves Ferreira formularam pedido de suas habilitações como assistentes do réu, sendo o mesmo deferido à f. 509.

Juntaram os documentos de f. 154/239.

Os assistentes informaram nos autos que interpuseram agravo de instrumento, anexando à petição cópia da minuta do recurso, f. 243/247.

O Ministério Público se manifestou às f. 250/262, opinando pela inclusão de todos os titulares dos alvarás de construção, objeto da presente demanda, no pólo passivo da ação, visto que o caso é de litisconsórcio passivo necessário. Opinou para que fossem tomadas medidas de regularização processual e de reapreciação do pedido liminar.

O Município de Ipatinga apresentou contestação às f. 265/269, questionando a adequação da ação civil pública para o fim de anular ato administrativo perfeito e que não lesa interesses coletivos. Argumentou que as licenças de construção foram expedidas sob a égide da Lei 419/73. Suscitou que houve invasão do Judiciário no mérito do exercício de seu poder discricionário. Acrescentou que os projetos de construção foram devidamente analisados e estavam regulares. Aduziu que sua conduta, ao conceder as licenças, observou estritamente a legalidade. Pleiteou a improcedência da ação.

Juntou os documentos de f. 270/506.

Foi acostada às f. 507/508 decisão proferida pelo Relator no recebimento do agravo.

Foi deferido o pedido de assistência, sendo também estendidos aos assistentes os efeitos da liminar, f. 509.

A autora promoveu a citação dos demais réus às f. 516/517.

Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. apresentou contestação às f. 530/537, aduzindo que a licença de construção do prédio situado no lote 01 da quadra 52, na avenida Itália, no bairro Cariru, expedida em 17.12.2003, observou a legalidade da norma que regia a matéria na data de sua expedição. Dessa forma, o ato seria juridicamente perfeito. Argumentou que a nova lei que estabeleceu limitação à construção no referido bairro entrou em vigência apenas em 19.12.2003. Pleiteou a improcedência da ação.

Juntou os documentos de f. 538/584.

Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Lauriciano Alves Ferreira e Wesley Brandão Machado apresentaram contestação às f. 586/594, suscitando inadequação da via eleita, visto que não houve qualquer lesão a interesse difuso ou coletivo ou ao meio ambiente. No mérito, afirmaram que as licenças de construção foram concedidas sob a égide da Lei 419/73, sendo que foram observadas todas as exigências da referida norma. Afirmaram que possuem direito adquirido de construir e que o ato (concessão da licença) foi juridicamente perfeito.

Juntaram os documentos de f. 595/638.

A autora apresentou impugnação às contestações às f. 642/647.

Manifestação do RMP às f. 649/650, requerendo medidas de regularização do processo.

Decisão interlocutória às f. 655, estendendo os efeitos da liminar aos demais réus.

O réu Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. informou que interpôs agravo de instrumento às f. 659, anexando, às f. 660/669, cópia da minuta do recurso.

Ofício do TJMG requerendo informações às f. 674/675.

Informações do agravo às f. 677/679.

Wesley Brandão Machado apresentou nova contestação às f. 684/696, suscitando inadequação da via eleita visto que não houve qualquer lesão a interesse difuso ou coletivo ou ao meio ambiente. No mérito, afirmou que a licença de construção foi concedida sob a égide da Lei 419/73, sendo que foram observadas todas as exigências da referida norma. Afirmou que possui direito adquirido de construir e que o ato (concessão da licença) foi juridicamente perfeito. Aduziu que o abaixo-assinado não representa a vontade da maioria dos moradores do bairro Cariru e não pode ser levado em consideração. Por fim, realça que o Estatuto da Cidade não é aplicável ao caso.

Juntou os documentos de f. 697/722.

Foi acostada, às f. 725/730, cópia do acórdão proferido no agravo de instrumento interposto pela ré Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Foram acostadas cópias de agravos de instrumentos interpostos pelo Ministério Público (f. 746/779) e pela autora (f. 780/790).

Foi proferida decisão interlocutória à f. 795, retratando-se o MM. Juiz que atuava no feito acerca da decisão agravada.

O Município de Ipatinga informou à f. 803 que interpôs agravo de instrumento acostando às f. 804/809 a minuta do recurso.

Foram prestadas informações às f. 815/817.

O réu Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. informou a interposição de novo agravo de instrumento à f. 824, anexando cópia da minuta do recurso às f. 825/839.

A autora impugnou a contestação do réu Wesley Brandão Machado às f. 840/842.

Foi acostado ofício do TJMG, acompanhado da decisão que indeferiu o pedido de efeito suspensivo do agravo e requereu informações às f. 846/847.

Informações prestadas às f. 849/851.

Os réus Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Lauriciano Alves Ferreira e Wesley Brandão Machado acostaram novos documentos às f. 864/867 e 871/874.

Manifestação do RMP às f. 876/884.

Decisão saneadora à f. 886.

Foi acostada cópia do acórdão proferido no agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público às f. 889/894.

Os réus Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Lauriciano Alves Ferreira e Wesley Brandão Machado informaram a interposição de agravo de instrumento à f. 896, acostando cópia da minuta do recurso às f. 897/901.

Foi acostado ofício do TJMG, acompanhado da decisão que indeferiu o pedido de efeito suspensivo do agravo e requereu informações às f. 906/907.

Informações prestadas às f. 908/911.

Decisão interlocutória às f. 912/919.

Foi acostada cópia do acórdão proferido no agravo de instrumento interposto pela ré Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. às f. 940/948.

Foram acostados ofícios expedidos pelo Município de Ipatinga às f. 950/956.

Foi acostada cópia do acórdão proferido no outro agravo de instrumento interposto pela ré Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. às f. 960/968.

Foi acostado ofício do Registro de Imóveis de Ipatinga às f. 969/981 e 1.065/1.069.

Foi acostada manifestação em resposta ao ofício encaminhado à Usiminas às f. 999/1.042.

Foi acostada cópia do acórdão proferido no agravo de instrumento interposto pelo réu Município de Ipatinga às f. 1.073/1.079.

Os réus Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Lauriciano Alves Ferreira e Wesley Brandão Machado se manifestaram, inoportunamente, às f. 1.091/1.112.

Foi realizada audiência à f. 1.113, momento em que o Ministério Público juntou os documentos de f. 1.114/1.179.

Os réus Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Lauriciano Alves Ferreira e Wesley Brandão Machado acostaram os documentos de f. 1.182/1.194.

A autora acostou aos autos o TAC de f. 1.197/1.208.

Foi acostada cópia do acórdão proferido no agravo de instrumento interposto pelos réus Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Lauriciano Alves Ferreira e Wesley Brandão Machado às f. 1.212/1.216.

Foi deferida a produção de prova pericial à f. 1.224.

Quesitos e indicação de assistente técnico pelos réus Cléber Lage Guerra, Daniel Antunes Neto, Lauriciano Alves Ferreira e Wesley Brandão Machado às f. 1.227/1.230.

O Ministério Público acostou novos documentos às f. 1.235/1.269.

Foi proferida decisão às f. 1.317 cancelando a realização de perícia, ante a dispensa da realização da prova informada pela parte.

Foi realizada AIJ à f. 1.331, sendo ouvidas duas testemunhas, conforme termos de depoimentos de f. 1.332/1.333.

Memorial do autor à f. 1.334.

Memorial da ré Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda. às f. 1.335/1.340.

Memorial do Ministério Público às f. 1.343/1.364.

É o relatório.

Passo a decidir.

Sentenciado além do prazo legal ante a complexidade do feito e do elevado volume de processos conclusos para despacho e sentença, além da cooperação em sentenças nas varas Cíveis e 2ª. Vara Criminal.

Trata-se de ação civil pública em que se pretende a cassação das licenças expedidas aos réus para efetuar construções de edifícios no bairro Cariru ante a inconveniência das construções perante a característica eminentemente residencial do bairro Cariru.

Passo à análise da preliminar de inadequação da via eleita suscitada pelos réus.

Argumentaram os réus que a ação civil pública não seria a via adequada para discutir a legalidade dos atos administrativos (licenças de construção), tendo em vista que não houve qualquer lesão a interesse difuso ou coletivo ou ao meio ambiente.

Dispõe a Lei 7.347/85:

"Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio ambiente;

II - ao consumidor;

III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V - por infração da ordem econômica e da economia popular;

VI - à ordem urbanística''.

A ação civil pública, no conceito do saudoso Hely Lopes Meirelles,

"é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e por infrações da ordem econômica, protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade" (Mandado de segurança. 25. ed. São Paulo: Malheiros, p. 161/162).

Conforme disposto na Lei da Ação Civil Pública, serão regidas por ela as ações de responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, aos interesses difusos ou coletivos e à ordem urbanística, dentre outros.

A alegação da autora é justamente de que as licenças concedidas pelo Município aos demais réus causam dano ao meio ambiente (urbano) e à ordem urbanística.

Ademais, a matéria discutida nos autos revela-se de interesse eminentemente difuso, visto que diz respeito a um número indefinido de pessoas (todas as pessoas que moram e que transitam pelo bairro).

Cito, parte do voto do Rel. Jarbas Ladeira, no Agravo nº 1.0313.04.131422-7/002, destes autos:

"Ante a ausência de tal ordenamento, os particulares usam e abusam de seu direito de propriedade, construindo de forma desordenada, sem respeitar as características urbanísticas e habitacionais dos bairros, bem como os moradores locais. Assim, frente à inércia do poder público em providenciar a lei orgânica municipal, nada obsta que associações de moradores possam sair em defesa de interesses difusos, afeitos a toda a comunidade em detrimento de projetos privados''.

De igual forma anotou o il. Des. Jarbas Ladeira, no Agravo nº 1.0313.04.131422-7/005, destes autos:

"Como a ação civil pública ajuizada visa à proteção do patrimônio cultural e histórico do bairro Cariru, a associação de moradores do referido bairro, como representante das pessoas residentes naquela área, é parte ativa legítima para promover o ajuizamento da dita ação, como bem dispõe o art. 5º, I e II, da Lei da Ação Civil Pública, sendo que sua legitimidade independe de abaixo-assinado firmado pelos moradores do bairro''.

Assim, não se mostra inadequada a ação civil pública que almeja anular atos que supostamente causam dano ao meio ambiente (urbano) e à ordem urbanística, como no presente caso, sendo, ainda, de interesse difuso.

Rejeito a preliminar.

Passo à análise do mérito.

Inicialmente, cumpre manifestar que não se discute nos autos a oportunidade e a conveniência das licenças de construção.

Diferentemente do argumentado pelo Município de Ipatinga em sua contestação, a discussão acerca das licenças restringe-se à legalidade e moralidade ou não dos atos.

Dessa forma, a atuação do Judiciário não está ultrapassando ou adentrando na discricionariedade da Administração Pública, mas sim analisando se os atos emanados por ela observaram os necessários requisitos de validade.

A jurisprudência é pacífica acerca da possibilidade de o Judiciário revisar (e anular, se for o caso) os atos discricionários eivados de ilegalidade:

"Ação ordinária - Revogação de homologação de concurso público - Ato discricionário da Administração - Homologação que não pode ser imposta ao Poder Executivo. - Em pedido de anulação de ato administrativo, ao Poder Judiciário cabe apenas analisar se é ilegal ou se foi praticado com abuso de poder, não se admitindo o exame do mérito. [...]'' (Apelação Cível/Reexame Necessário nº 1.0024.03.892595-4/001, 7ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Wander Marotta. j. em 27.09.2005, unân., p. em 25.10.2005).

"Constitucional/processual civil - Ato discricionário - Análise pelo Judiciário da presença da razoabilidade e proporcionalidade - Produção de prova pericial - Possibilidade. - Cabe ao Judiciário analisar se presentes no ato administrativo discricionário, além dos seus elementos, a sua razoabilidade, sem o que se tornará ilegal, devendo-se, portanto, possibilitar a produção de prova pericial com este intuito'' (Agravo nº 1.0433.04.140852-0/001, 3ª Câmara Cível -TJMG, Montes Claros, Rel. Manuel Saramago, j. em 22.09.2005, unân., p. em 04.10.2005).

Logo, constatando-se vício de legalidade no ato, não haveria óbice a que o Judiciário o reconhecesse e assim o declarasse, cessando, por consequência, seus efeitos.

Em suma, nada impede que se avalie a legalidade das licenças, o que se passa a fazer neste momento.

A questão debatida nos autos resume-se ao fato de que até 19.12.2003 não havia lei local que disciplinava, expressamente, a utilização do solo urbano no bairro Cariru.

Assim, ante a inexistência de norma específica, o Município concedeu diversas licenças de construção de edifícios no bairro, inclusive algumas na véspera de o Prefeito Municipal sancionar nova lei dispondo sobre a matéria.

A nova lei ficou assim redigida:

"Lei nº 2035 de 19.12.2003 - Estabelece limitações para as edificações nos Bairros Cariru, Castelo e das Águas.

O Prefeito Municipal de Ipatinga.

Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica estabelecido que, nos Bairros Cariru, Castelo e das Águas, as edificações não poderão ter mais de 2 (dois) pavimentos acima da cota altimétrica média do passeio lindeiro do respectivo alinhamento.


Parágrafo único. Para os fins deste artigo, não serão consideradas pavimentos as áreas de terraço e caixas d'água.

Art. 2º A Prefeitura Municipal tomará as providências fiscalizadoras, para o fiel cumprimento desta Lei.

Parágrafo único. O descumprimento desta Lei sujeita o infrator às sanções previstas na legislação municipal aplicáveis.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Prefeitura Municipal de Ipatinga, aos 19 de dezembro de 2003''.

Verifica-se que ficou determinado que as construções no bairro Cariru, dentre outros, estariam limitadas à altura de dois pavimentos (térreo e primeiro andar), entrando a lei em vigor na data de sua publicação (19.12.2003).

Logo, após a vigência da norma, não há discussão acerca da impossibilidade de construir edifício no bairro. A dúvida surge exatamente quanto às licenças concedidas anteriormente à vigência da lei.

Nos autos, constatam-se sete casos em que as licenças de construção de edifícios foram concedidas antes da vigência da Lei 2.035/2003, a saber:

1 - Processo Administrativo 016.001.2003/01002 (f. 271 a 308), que teve como beneficiária Bom Jesus Empreendimentos Imobiliários Ltda., cujo início da tramitação foi em 03.11.2003, sendo o alvará expedido em 17.12.2003 (f. 295);

2 - Processo Administrativo 016.001.2003/01622 (f. 309 a 342), que teve como beneficiário Afonso Henrique Pinto, cujo início da tramitação foi em 27.11.2003, sendo o alvará expedido em 18.12.2003 (f. 330);

3 - Processo Administrativo 016.001.2003/01650 (f. 343 a 370), que teve como beneficiário Lauriciano Alves Ferreira, cujo início da tramitação foi em 28.11.2003, sendo o alvará expedido em 17.12.2003 (f. 362);

4 - Processo Administrativo 016.001.2003/01665 (f. 371 a 402), que teve como beneficiário Daniel Antunes Neto, cujo início da tramitação foi em 01.12.2003, sendo o alvará expedido em 17.12.2003 (f. 387);

5 - Processo Administrativo 016.001.2003/01702 (f. 403 a 436), que teve como beneficiário Cléber Lage Guerra, cujo início da tramitação foi em 04.12.2003, sendo o alvará expedido em 17.12.2003 (f. 424);

6 - Processo Administrativo 016.001.2003/01703 (f. 440 a 474), que teve como beneficiário Cléber Lage Guerra, cujo início da tramitação foi em 04.12.2003, sendo o alvará expedido em 17.12.2003 (f. 459) e;

7 - Processo Administrativo 016.001.2003/01724 (f. 475 a 505), que teve como beneficiário Wesley Brandão Machado, cujo início da tramitação foi em 08.12.2003, sendo o alvará expedido em 17.12.2003 (f. 491).

Interessante frisar que, das sete licenças ora impugnadas, seis foram concedidas no dia 17.12.2003 e uma no dia 18.12.2003, vigendo a limitação administrativa local a partir de 19.12.2003.

Tal fato, por si só, denota-se intrigante.

Houve procedimento de obtenção de licença que, entre seu início e a expedição do alvará durou exatos e, até inacreditáveis, dez dias corridos (nº 7), considerando-se os dias de início e fim.

A respeito, ainda, da tramitação e aprovação destas licenças, interessantes e oportunos os depoimentos das testemunhas colhidos às f. 1.332/1.333, pelos quais se verifica que teria ocorrido uma reunião realizada na Prefeitura Municipal, ficando acordado que seriam aprovados os projetos e, após, sancionada a lei. Apesar da ausência de outras provas quanto ao fato, isso explicaria a rápida aprovação dos projetos e a imediata sanção da Lei 2.035/03.

Obviamente que tal fato foi explicitado apenas a título de informação, não constituindo motivo (jurídico) determinante da decisão, motivo pelo qual se passa, neste momento, à fundamentação jurídica.

Sustentam os réus que lhes foram concedidas as licenças de construção sob a égide da Lei Municipal 419/73, motivo pelo qual os atos autorizativos seriam juridicamente perfeitos, visto que à época não havia limitação para o número de pavimentos das construções feitas no bairro Cariru.

Contudo, não prospera o argumento.

Embora não haja vedação expressa na norma de 1973 ao implemento de construções com mais de 2 pavimentos no bairro Cariru, a referida lei deve ser interpretada à luz da Carta de 1988, sendo que, havendo incompatibilidade com esta, as disposições daquela deverão ser consideradas não recepcionadas, sendo, portanto, inaplicáveis. O mesmo ocorre com a interpretação, a qual deve ser em conformidade com os novos ditames constitucionais.

Nessa linha de raciocínio, interessante verificar o que ficou determinado no texto constitucional:

"Capítulo II - Da política urbana

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Este artigo (e o art. 183) foi regulamentado pela Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), podendo-se extrair alguns artigos interessantes ao deslinde da demanda:

"Art. 1º Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...)

IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; [...]

I - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana; [...]

Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: [...]

III - planejamento municipal, em especial: [...]

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; [...]

V - institutos jurídicos e políticos: [...]

c) limitações administrativas; [...]

VI - estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

§ 1º Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta Lei''.

O próprio Código Civil brasileiro, aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que traçou os contornos do direito de propriedade, da mesma forma que fazia o Código Civil de 1916, prevê que esse direito possibilita o uso, gozo e disposição dos bens. Inovou, no entanto, no § 1º desse artigo ao mostrar a necessidade de proteção ao meio ambiente, nos seguintes termos:

"Art. 1228. [...] §1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas''.

Todos esses dispositivos fazem parte da política urbana traçada pela Constituição, os quais deveriam ser observados pela norma local que disciplinasse a matéria, como já ponderou o TJMG, em voto do Rel. Jarbas Ladeira, no Agravo nº 1.0313.04.131422-7/002, destes autos:

"A Carta de 1988, em seu artigo 182, prevê e recepciona as políticas de desenvolvimento urbano, com o objetivo de promover o crescimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes. É de se lembrar que, antes de se falar em política urbana, a função social da propriedade foi prevista no rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXIII, da CF/88), um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Para se cumprir o estabelecido na Constituição, é obrigatória, nas cidades com população superior a 20 mil habitantes, a elaboração de plano diretor, para que o desenvolvimento urbano equitativo e impessoal possa ser promovido.

Pelo que se sabe, o Município de Ipatinga, à margem da Constituição Federal, não providenciou a implementação de um plano diretor, ou de uma lei orgânica, com o fim de proporcionar um crescimento urbano equilibrado, objetivando o bem da coletividade ipatinguense. Ante a ausência de tal ordenamento, os particulares usam e abusam de seu direito de propriedade, construindo de forma desordenada, sem respeitar as características urbanísticas e habitacionais dos bairros, bem como os moradores locais. Assim, frente à inércia do Poder Público em providenciar a lei orgânica municipal, nada obsta que associações de moradores possam sair em defesa de interesses difusos, afeitos a toda a comunidade, em detrimento de projetos privados.

Assim, mesmo antes da promulgação tardia da Lei 2.035/2004, conforme aludido, não há que se falar em ausência de norma a permitir as construções em questão''.

Já ponderou o Min. Francisco Peçanha Martins:

"o uso do solo urbano submete-se aos princípios gerais disciplinadores da função social da propriedade, evidenciando a defesa do meio ambiente e do bem-estar comum da sociedade'' (STJ - RMS 13.252/PR, Rel., Segunda Turma, j. em 19.08.2003, DJe de 03.11.2003 p. 285).

O correto (e também desejável) seria que existisse lei local regulamentando a utilização do solo urbano, pelo menos desde a época da vigência da Lei 10.257/2001, mas, pelo simples fato de sua inexistência, não se pode aceitar que determinados atos afrontem as disposições programáticas da política urbana previstas na Constituição e no Estatuto.

Acerca da política urbana pondera José dos Santos Carvalho Filho que:

"A concepção pura de urbanismo, como vimos, implica modernamente não apenas o embelezamento da cidade, como pensavam os clássicos, mas sim a necessidade de propiciar o pleno desenvolvimento de suas funções sociais e garantir o bem-estar dos cidadãos. Daí por que deve ser tido como ciência, técnica e arte, com o objetivo de tornar possível a convivência sem perda da integridade física, mental, espiritual do ser humano [...]. Para alcançar tais objetivos, todavia, é mister que várias ações, programas, projetos e planos sejam implementados pelo Estado e pela coletividade, irmanados em inafastável elo de cooperação. Não obstante, se é inegável a importância do papel desempenhado pelos indivíduos nesse processo, isoladamente ou representados por entidades da sociedade civil, com muito maior razão será preponderante a função exercida pelo Poder Público, porque este, além de poder instituir regras de condutas de modo coercitivo a todas as pessoas, possui todas as condições de solucionar os litígios que eventualmente possam surgir entre titulares de interesses contrapostos. É nesse ponto que se torna cabível exigir do Poder Público a observância do postulado segundo o qual em cada caso de conflito entre o interesse público e o privado é aquele que deve prevalecer [...]'' (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 11-12).

Asseverando especificamente acerca das diretrizes relativas ao solo urbano, o referido autor anota que:

"Entre as diretrizes gerais da política urbana não se poderia deixar de disciplinar aspectos relativos ao solo urbano. Na verdade, não há falar em política urbana sem atentar para os graves problemas que podem advir da indevida ocupação do solo urbano'' (ob. cit. p. 45).

Cito, ainda, Nathália Arruda Guimarães, ao citar a lição de Fernando Garrido Falla (Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madri: Tecnos, 1978, v. II):

"Para o referido jurista, a escassez do solo, como a escassez de qualquer recurso natural, justifica a ordenação jurídica do seu uso e consumo. Assim, o planejamento do uso do solo é necessário para conseguir um equilíbrio entre a demanda e a oferta.

A qualidade de vida pode, ainda, efetivamente ver-se deteriorada pela concentração populacional em determinados lugares. A busca pela qualidade de vida é, então, justificativa para que se ditem medidas limitadoras da densidade máxima de edificações por área, volume por superfície, entre outras.

A proteção do meio ambiente, intimamente ligada ao elemento anterior, também representa forte argumento para a regulamentação do solo. Desta feita, não só os habitantes atuais, mas para as gerações futuras devem ser, desde já, protegidas de um meio ambiente degradado.

No que concerne, ainda, às medidas de aproveitamento e utilização do solo, estas estão inspiradas na finalidade de combater a especulação e proteger o usuário do solo, uma vez que este se trata de bem primário para a construção da vida do cidadão.

As justificativas elencadas, segundo o ensinamento do Professor Falla, coadunam-se, em nossa avaliação, com os princípios constitucionais do Estado Brasileiro e reafirmam-se na vontade do legislador constituinte'' (O direito urbanístico e a disciplina da propriedade - site jus navigandi (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4884).

Como já dito, o argumento dos réus é o de que, quando as licenças foram concedidas, não havia lei local limitando as construções à altura de 2 pavimentos.

Em verdade, não se pode fechar os olhos às determinações do texto constitucional e do Estatuto da Cidade. Também não se observou o Plano Habitacional, que determinou a construção do bairro.

Em outras palavras, ainda que inexistente lei local vedando expressamente a concessão das licenças, a Administração Pública deveria observar as normas hierarquicamente superiores aplicáveis à espécie, que traçam as regras gerais que deveriam ser observadas pelas normas locais.

Não foi, contudo, este o caminho adotado na concessão dos alvarás atacados nestes autos.

No caso dos autos, as autorizações concedias aos réus não observaram as diretrizes de política urbana traçadas pela Constituição e pelo Estatuto da Cidade.

O referido autor, supracitado, cita um exemplo pode ser considerado para o deslinde do caso:

"Se determinada área foi ocupada, por exemplo, por estabelecimentos industriais, conforme previsto no plano de zoneamento da cidade, faz parte da política urbana evitar que determinados imóveis, na mesma área, sejam usados para asilos de idosos ou para escolas de ensino fundamental'' (ob. cit. p. 47).

Obviamente este foi só um exemplo de ocupação incompatível, sendo que cada caso deve ser avaliado separadamente.

Lembro que, ao lado do princípio da legalidade, a Administração deve agir dentro do princípio da moralidade, a fim de que seus atos não sejam revistos quando questionados na Justiça. Destaco que não há dúvida de que o Poder Judiciário deve coibir a imoralidade, a fim de que se criem padrões objetivos de sua incidência, a partir do conjunto de princípios, de concepções doutrinárias, jurisprudenciais e hermenêuticas do sistema constitucional brasileiro, sob pena de negar-se vigência ao art. 37 da Constituição Federal.

No presente caso, a construção de edifícios altos em área tipicamente residencial denota-se imoral, inconveniente, inapropriada e ilegal, ante a afronta às características preponderantes do bairro.

A uma, porque, no aspecto de garantia do bem-estar dos moradores do bairro, conforme conceito contido na Constituição Federal, não se pode olvidar os efeitos das construções no meio ambiente do local.

O laudo acostado pelo MP, de f. 1.235/1.249, elaborado pela Prof.ª Auxiliadora Maria Moura Santi, do Departamento de Engenharia Civil da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) é claro ao demonstrar os efeitos maléficos das construções como autorizados pelo Município de Ipatinga nos alvarás atacados. As respostas de f. 1.246/1.248 apontam os prejuízos à saúde, ao meio ambiente e meio urbano que as construções podem provocar.

Assim, além da norma municipal, a preocupação jurídica se transmuta para todo arcabouço jurídico, o qual, fundado na Constituição Federal, deve ser observado para a análise deste processo.

Não se olvida o direito de construção. Não se olvida que o sistema econômico fincado na Carta Magna seja capitalista e de livre iniciativa, mas não se pode olvidar, de igual forma que, ao disciplinar a ordem econômica, a Carta de 1988 fixou como seus princípios, no art. 170, VI, a defesa do meio ambiente. Dessa forma, qualquer empreendimento que não obedeça a esse parâmetro viola expresso texto constitucional.

A duas, porque, no que tange à violação ao plano urbanístico do bairro Cariru, não se pode deixar de reconhecer que a cidade de Ipatinga foi construída dentro de um planejamento urbano específico. Isso fica claro, com as informações prestadas pela Usiminas, informando o Plano da Vila de Operários (f. 1.001/1.022), de 20.12.1985, elaborado pelos arquitetos Raphael Bardy Filho e Marcelo Bhering, e o Plano Habitacional de f. 1024/1042.

Esses documentos atestam a preocupação dos urbanistas da cidade de Ipatinga em elaborar um plano urbano determinado, com características específicas, áreas residenciais e comerciais, bairros planejados. Enfim, demonstra todo um legado urbano e técnico que não pode ser olvidado pela Justiça, ainda mais quando se encontra na Constituição Federal toda a garantia para a preservação deste patrimônio urbano.

Destaco, à guisa de informação, que, às f. 1.036, no art. 16, o plano da Vila de Operários disciplinou a forma de construção das residências coletivas:

"Art. 16 - Nas superquadras e lotes junto aos centros comerciais do bairro, no cãs de habitação coletiva, o coeficiente de aproveitamento (IAC = índice de área construída) não poderá ser superior a 2.

§ - Em qualquer hipótese, a altura máxima é a largura da rua mais o afastamento em relação a via pública''.

Dessa forma, resta claro que o conjunto urbano do bairro Cariru não é mero aglomerado habitacional. Assim como os bairros iniciais de Ipatinga, trata-se de patrimônio urbano, planejado no mesmo período da construção de Brasília, mantendo características similares à Capital Federal, pelo que as preocupações urbanísticas e de bem-estar que foram impostas pelos arquitetos que planejaram o bairro devem ser mantidas, ainda mais que amparadas por normas constitucionais e pelo Estatuto das Cidades.

Destaco que se o Município de Ipatinga não reconhece essa realidade urbana, verdadeiro patrimônio da municipalidade e dos cidadãos, não pode o Poder Judiciário permitir o vilipêndio desse patrimônio, mas sim impor limites à especulação financeira até que a sensatez faça o Município de Ipatinga, pelos membros do Executivo e do Legislativo, criar norma local para proteger o bem urbano que inspirou a criação dos primeiros bairros do Município.

Por isso, destaco a lição do Ministro Luiz Fux:

"a Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população'' (STJ - REsp 448.216/SP, Primeira Turma, j. em 14.10.2003, DJ de 17.11.2003, p. 204).

Eis por que o Município, quando da apreciação dos pedidos de licença para construções pelos réus, deveria ter se atentado não somente para a norma local, mas, de igual forma, levado em consideração as diretrizes traçadas pela Constituição, o que ensejaria a negativa dos pedidos como formulados.

Anoto que a rejeição ao pedido dos réus, quando da liberação do alvará, não determinaria violação ao direito de propriedade dos mesmos. Cito jurisprudência do STF, atestando a limitação da propriedade:

"O direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade [...]'' (RE 178.836, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 08.06.99, DJ de 20.08.99).

"O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, visto que sobre ele pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República [...]'' (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 04.04.02, DJ de 23.04.04).

Assim, sendo clara a ilegalidade, por violar preceito contido na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e no Código Civil e a incompatibilidade dos atos (licenças) com as normas de política urbana, gerando a imoralidade administrativa, devem eles ser anulados.

Por consequência da anulação, que possui efeitos ex tunc, por questão de lógica e a fim de dar efetividade à decisão, é necessário que se determine a demolição das obras eventualmente iniciadas e que atentem às normas urbanas planejadas para o bairro Cariru.

Acerca dos efeitos da anulação do ato administrativo é pacífica a jurisprudência:

"Administrativo. Servidor público estadual. Demissão. Ocupante de cargo efetivo e função comissionada. Anulação. Reintegração. Efeitos financeiros. restabelecimento do status quo ante. Recebimento dos valores do cargo efetivo e da função comissionada. Possibilidade.

1. A declaração de nulidade de um determinado ato deve operar efeitos ex tunc, ou seja, deve restabelecer exatamente o status quo ante, de modo a preservar todos os direitos do indivíduo atingido pela ilegalidade. [...]

3. Agravo regimental desprovido'' (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 499312/MS (2002/0174289-9), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Laurita Vaz. j. em 03.08.2004, unân., DJ de 30.08.2004).

"Administrativo. Decisão transitada em julgado. Anulação do ato e reintegração do autor no cargo efetivo. Efeito ex tunc. - Se o ato administrativo que afastou o autor de seu cargo efetivo foi anulado por decisão judicial transitada em julgado, tem ele direito à recomposição integral de seus direitos, já que aquela decisão possui efeitos ex tunc. Se, afastado, o servidor ocupou cargo comissionado durante o período de afastamento do cargo efetivo, tem direito à diferença entre os respectivos cargos (Apelação Cível nº 1.0180.04.022243-2/001, 7ª Câmara Cível / TJMG, Congonhas, Rel. Wander Marotta, j. em 21.03.2006, unân., p. em 20.04.2006).

"Direito administrativo. Ação declaratória cumulada com indenização - Adicional de produtividade - Portaria - Ato administrativo nulo - Imprescritibilidade - Devolução - Admissibilidade - Dano moral não caracterizado. [...]

2. A anulação do ato administrativo gera efeitos ex tunc, desconstituindo as relações jurídicas subjacentes, a obstaculizar o direito almejado pelos autores, ante a nulidade das portarias que dispuseram sobre o adicional de produtividade, viciadas na sua própria origem. [...]'' (Apelação Cível nº 1.0702.03.092537-5/001, 4ª Câmara Cível / TJMG, Uberlândia, Rel. Célio César Paduani. j. em 24.11.2005, maioria, p. em 17.01.2006).

Vê-se, pois, que é procedente a pretensão deduzida pela parte autora, devendo-se anular as licenças de construção concedidas a favor dos réus.

Por todo o exposto, julgo procedente a demanda para anular as licenças de construção expedidas em favor dos réus conforme os Processos Administrativos 016.001.2003/01002, 016.001.2003/01622, 016.001.2003/01650, 016.001.2003/01665, 016.001.2003/01702, 016.001.2003/01703 e 016.001.2003/01724. Por consequência, determino a demolição das obras eventualmente implementadas no bairro Cariru, com base nos atos ora anulados.

Custas e honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da causa, pelos réus, isentando o Município de Ipatinga do pagamento de sua parte das custas processuais ante o disposto na Lei 14.939/03.

Decisão sujeita ao reexame necessário nos termos do art. 475, I, do CPC.

Transitada em julgado, remetam-se os autos ao TJMG com nossas homenagens.

P.R.I.

Ipatinga, 2 de julho de 2009.

Fábio Torres de Sousa - Juiz de Direito


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico do TJMG - 01/07/2009.

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