JURISPRUDÊNCIA (Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul)
•Apelação cível – Ação de cancelamento de protesto – Indenização – Dano
moral – Ilegitimidade de parte – Demanda proposta em face de tabelionato,
que sequer possui personalidade jurídica para figurar no pólo passivo da
lide – Inviável o ajuizamento de ação contra quem não detém legitimidade
para figurar no pólo passivo de demanda que visa ao cancelamento de registro
em banco de dados – Serviço notarial e registral não-dotado de personalidade
jurídica – CPC, art. 267, VI – Recurso desprovido. (Nota da Redação INR:
ementa oficial)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO. INDENIZAÇÃO. DANO
MORAL. ILEGITIMIDADE DE PARTE. DEMANDA PROPOSTA EM FACE DE TABELIONATO, QUE
SEQUER POSSUI PERSONALIDADE JURÍDICA PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA LIDE.
Inviável o ajuizamento de ação contra quem não detém legitimidade para
figurar no pólo passivo de demanda que visa ao cancelamento de registro em
banco de dados. Serviço Notarial e Registral não-dotado de personalidade
jurídica. CPC, art. 267, VI. RECURSO DESPROVIDO. (TJRS – Aci nº
70025661984 – Caxias do Sul – 20ª Câm. Cível – Rel. Des. José Aquino Flôres
de Camargo – DJ. 21.01.2009).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES.
RUBEM DUARTE (PRESIDENTE) E DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN.
Porto Alegre, 03 de dezembro de 2008.
DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO, Relator.
RELATÓRIO
DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (RELATOR)
ÂNGELA MARIA MONTEMEZZO interpôs recurso de apelação da sentença que, nos
autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE PROTESTO CUMULADA COM PEDIDO DE
DANO MORAL E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA SUSTAÇÃO DE PROTESTO manejada contra
TABELIONATO DE PROTESTO DE LETRAS E TÍTULOS DO CARTÓRIO LAMPERTI, extinguiu
o processo sem o julgamento do mérito, com fundamento no inc. VI do art. 267
do CPC (fls. 48-52).
Opostos embargos de declaração (fls. 56-61), foram desacolhidos (fl. 63).
Em suas razões, a recorrente afirmou que, embora a sentença tenha
reconhecido o caráter indevido do protesto, não se manifestou sobre sua
anulação. De resto, disse ser evidente a responsabilidade do Tabelionato, na
medida em que não foi procedida à análise de aspectos formais do título de
crédito antes do aponte. Referiu, então, que não há como deixar de
reconhecer o dever de o Tabelionato ressarcir os prejuízos que lhe foram
causados, pois deveria ter devolvido o título ao apresentante. Nesses
termos, pugnou pelo provimento do recurso (fls. 65-70).
Apresentadas as contra-razões (fls. 74-75), subiram os autos a esta Corte e,
por distribuição, vieram-me conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (RELATOR)
Como se vê dos autos, embora a ação tenha sido proposta em face do Tabelião
de Protesto de Letras e Títulos do Cartório Lamperti, na própria petição
inicial foi requerida a citação do respectivo Tabelionato. Basta, para a
constatação, a leitura de seu item n. 05 (fl. 12).
E, ainda que tenha ocorrido equívoco da parte autora, certo é que a ação
tramitou em face do Tabelionato. A propósito, o documento anexado na fl.
35v. evidencia que foi procedida à citação do Tabelionato de Protesto de
Letras e Títulos do Cartório Lamperti na pessoa de seu representante legal.
Tanto que a contestação, embora subscrita pelo Tabelião Henrique Joaquim
Lamperti, foi apresentada pelo próprio Tabelionato de Protesto de Letras e
Títulos da Comarca de Sorocaba/SP (fls. 36-37).
E , como sabido, não possui, o Ofício, legitimidade para responder a
presente ação, na medida em que o Tabelião exerce, em nome pessoal e por
delegação, serviços de caráter privado, conforme disciplina o art. 236 da
Constituição da República. Além disso, sua responsabilidade é regulada pelos
arts. 22 da Lei n. 8.935/1994, e 38 da Lei n. 9.432/1997.
Com efeito, a Lei n. 8.935/1994, que regula os serviços notariais e de
registro, limita-se a dispor sobre a responsabilidade pessoal dos titulares
de serviços notariais e de registro, não reconhecendo qualquer personalidade
jurídica aos ofícios. A questão, inclusive, já foi objeto de análise pelo
Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp n. 545.613.
Na oportunidade, o Relator, Ministro Cesar Asfor Rocha, referiu o seguinte:
“[...] a responsabilidade dos titulares é pessoal, em função da delegação
dos serviços que é feita em seu nome, mediante aprovação em concurso
público. Ao contrário do afirmado pelo v. acórdão atacado, o cartório não
detém personalidade jurídica, mas resume-se à localização, onde o tabelião
executa seu munus público. Nesse sentido, Ivan Ricardo Garisio Sartori:
‘Ainda no tocante à parte civil, oportuno lembrar que o cartório não tem
personalidade jurídica e, portanto, não pode ser parte em ação judicial, mas
sim o próprio titular dos serviços’ (Responsabilidade civil e penal dos
notários e registradores. In Revista de Direito Imobiliário, n. 53, Ano 25,
jul-dez/2002, p. 108).
[...] De fato, as pessoas formais amparadas no art. 12 do Código de Processo
Civil constituem, no mínimo, uma universalização de bens, como o espólio e
as heranças jacentes e vacante. No caso, o cartório não possui qualquer
direito, dever ou bem capaz de ensejar a ocorrência de personalidade
judiciária.
A teor do art. 21 da Lei n. 8.935/94, ‘o gerenciamento administrativo e
financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade
exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas
de custeio, investimento e pessoal’. Dessa forma, tanto as relações laborais
(art. 20 da mencionada lei), como os equipamentos e mesmo o aluguel do
cartório são arcados diretamente pelo tabelião, que assume todas as
obrigações e direitos pessoalmente.
Ao titular do tabelionato pertencem todos os bem ali existentes, que não são
transmitidos no caso de extinção da delegação [...].
Somente os documentos do cartório são transmitidos ao sucessor, que
inclusive deve providenciar adequados instalação, investimentos e
funcionários custeando tudo pessoalmente [...].
Dessarte, o cartório não possui capacidade processual, uma vez que todas as
relações estão concentradas na pessoa do tabelião, que detém completa
responsabilidade sobre os serviços.”
Incorreta, assim, a propositura da ação contra o recorrido, já que o
Tabelionato de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Sorocaba/SP sequer
detém personalidade jurídica para figurar no pólo passivo da ação. Desse
modo, ainda que eventualmente comprovado erro na efetivação do protesto, a
responsabilidade não seria do Ofício, mas do Tabelião titular.
Nesses termos, transcrevo os seguintes precedentes:
“AÇÃO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO E DE REGISTRO EM CADASTROS DE CLIENTES
INADIMPLENTES. AÇÃO AJUIZADA CONTRA TABELIONATO DE PROTESTO DE TÍTULOS.
ILEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA. Descabe o ajuizamento de ação contra quem
não detém legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda que visa o
cancelamento de protesto de título de crédito e de registro em cadastros de
clientes inadimplentes. Ente não dotado de personalidade jurídica.
Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Precedentes jurisprudenciais. [...].
Processo extinto, de ofício, em relação ao Tabelionato de Protesto de
Títulos. Primeira apelação prejudicada. Segunda apelação a que se nega
seguimento” (Apelação Cível n. 70012680666, 17ª Câmara Cível, TJRGS, Rel.
Des. Jorge Luís Dall’agnol, julgado monocraticamente em 08.09.2006).
“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO TABELIONATO. O
Tabelionato não tem legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda que
visa a sua responsabilização por divulgação do protesto após o pagamento da
dívida, porquanto desprovido de personalidade jurídica e judiciária.
Aplicação do art. 236 da CF, em consonância com o art. 22 da Lei nº 8935/94
e o art. 38 da Lei nº 9.492/97. Apelo desprovido” (Apelação Cível n. 70 010
051 209, 5ª Câmara Cível, TJRGS, Rel. Des. Leo Lima, julgada em 23.12.2004).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. ARTIGO 273 DO CPC. CANCELAMENTO
DE PROTESTO EM BANCO DE DADOS. O Tabelionato de Protestos não detém
personalidade jurídica. Extinção, de ofício, da ação proposta (artigo 267,
VI, § 3º, do CPC). Precedente jurisprudencial. Extinção de ofício, sem o
julgamento do mérito da ação proposta. Agravo de instrumento prejudicado”
(Agravo de Instrumento n. 70 008 371 254, 6ª Câmara Cível, TJRGS, Rel. Des.
Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, julgado em 09.06.2004).
Ainda que tenha havido equívoco da parte autora, que intentava, em
realidade, propor ação em face do Tabelião, fato é que o processo tramitou
contra o Ofício, sem que houvesse insurgência de qualquer das partes durante
a tramitação do feito.
Equívoco que não pode, agora, ser sanado. A legitimidade das partes é
questão de ordem pública, suscetível de ser argüida em qualquer fase do
processo, sendo de ser acolhida de ofício.
Diante desse quadro, em sendo declarada a ilegitimidade passiva do apelante,
deve ser extinto o presente feito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, uma
vez que não possui, o réu, personalidade jurídica, o que torna inviável sua
inclusão no pólo passivo da demanda. De modo que não há razão para modificar
o decisum hostilizado.
Nego, pois, provimento ao recurso.
É o voto.
DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (REVISOR) - De acordo.
DES. RUBEM DUARTE (PRESIDENTE) - De acordo.
DES. RUBEM DUARTE - Presidente - Apelação Cível nº 70025661984, Comarca de
Caxias do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
|