Civil e Processual Civil - Apelação - Ação anulatória de aval - Ausência de outorga uxória - Nulidade - Prova do benefício da família - Recurso provido

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE AVAL PRESTADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA - NULIDADE - PROVA DO BENEFÍCIO DA FAMÍLIA - IRRELEVÂNCIA - PEDIDO INICIAL PROCEDENTE - REFORMA DA SENTENÇA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO

- Após o Código Civil de 2002, é imprescindível que o aval conte com a outorga uxória, nos termos do art. 1.647, III, sob pena de nulidade, a partir de cuja disposição legal, que contém norma cogente e objetiva, tornou-se sem relevância a indagação do proveito ou benefício ou não para a família.

Recurso conhecido e provido.

Apelação Cível n° 1.0024.08.056441-2/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Willia Moterani Antunes, espólio de - Apelado: Banco Bradesco S.A. - Relatora: Des.ª Márcia De Paoli Balbino

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Mariné da Cunha, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 14 de outubro de 2010. - Márcia De Paoli Balbino - Relatora.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES.ª MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - Relatório.

Willia Moterani Antunes ajuizou ação anulatória de aval contra Banco Bradesco S.A., alegando que, em 18.011.2005, seu marido, Olavo Antunes da Silva, assumiu condição de avalista em cédula de crédito bancário emitida por Agropecuária Minas Rancho Ltda. em favor da ré, para obtenção de empréstimo de R$ 87.000,00. Sustentou que não tinha conhecimento do aval nem o autorizou e informou que é casada sob o regime de comunhão universal de bens. Asseverou que a ré executou a cédula contra o avalista, seu marido, pretendendo o recebimento da dívida de R$ 92.569,54. Alegou que o aval é ato anulável, nos termos do art. 1.647, III, do CCB e da Súmula 332 do STJ. Requereu a concessão da gratuidade judiciária e a anulação do aval. Juntou documentos.

O MM. Juiz concedeu a gratuidade judiciária em favor da autora (f. 33).

A ré contestou (f. 38/43), pugnando pela improcedência do pedido inicial, ao argumento de que a garantia foi prestada em benefício de toda a família da autora, tendo em vista que o avalista é sócio administrador da empresa avalizada, assim como a própria autora, e que todos usufruíram do crédito obtido pelo contrato de cédula bancária. Sustentou que a autora não comprovou que sua família não se beneficiou do crédito, razão pela qual entende não ser possível a anulação do aval. Afirmou que há penhora de bem da empresa avalizada na ação de execução, não havendo como entender que o aval causará desfalque ao patrimônio da autora. Juntou documentos.

A autora apresentou réplica (f. 57/58), refutando os argumentos de defesa da ré e afirmando que a empresa não se confunde com as pessoas dos sócios, não tendo sua família se beneficiado do empréstimo.

Intimadas as partes para especificação de provas (f. 67), ambas as partes pediram o julgamento da lide (f. 69/70 e 71).

Na sentença (f. 74/76), o MM. Juiz concluiu que não restou comprovado nos autos que a família da autora não se beneficiou do empréstimo, razão pela qual julgou improcedente o pedido inicial.

Constou do dispositivo (f. 76):

"Isto posto, julgo improcedentes os pedidos.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no montante de 20% do valor da causa.

Suspendo a exigibilidade do pagamento, tendo em vista que a autora se encontra sob assistência judiciária".

A autora apelou (f. 78/83), pedindo a reforma da sentença, ao argumento de que houve violação às regras dos arts. 1.647, III, e 1.649 do CCB. Alternativamente, pediu a redução dos honorários advocatícios sucumbenciais.

A ré contra-arrazoou (f. 86/92), pugnando pelo não provimento do apelo da parte ex adversa.

À f. 101, foi informado nos autos o falecimento da autora/apelante, tendo sido nomeado o viúvo como seu inventariante. Foi pedida a habilitação do espólio na lide.

É o relatório.

Juízo de admissibilidade.

Conheço do recurso da autora porque próprio, tempestivo e isento de preparo, visto que a recorrente litiga sob o pálio da gratuidade judiciária, conforme decisão de f. 33.

Preliminar.

Não foram arguidas preliminares no presente recurso.

Mérito.

A autora recorreu da sentença pela qual foi julgado improcedente seu pedido de anulação do aval prestado por seu marido em cédula de crédito bancário emitida em favor da instituição financeira ré.

A tese da apelante é a de que a sentença violou os arts. 1.647, III, e 1.649 do CCB. Alternativamente, pediu a redução dos honorários advocatícios sucumbenciais.

Examinando tudo o que dos autos consta, tenho que assiste razão à apelante. Vejamos.

Willia Moterani Antunes, agora substituída por seu espólio, ajuizou ação contra Banco Bradesco S.A., pretendendo a anulação do aval dado por seu marido em 18.11.2005, em cédula de crédito bancário emitida por Agropecuária Minas Rancho Ltda., em favor da ré, para obtenção de empréstimo de R$ 87.000,00.

Sobre o aval leciona Gladston Mamede (em Títulos de crédito. São Paulo: Atlas, 2003, p. 133):

"O aval é um instituto jurídico próprio do Direito Cambiário e constitui uma declaração unilateral, prestada por terceiro a favor de qualquer um dos obrigados no título de crédito, que garante ao credor que saldará o débito caso seu garantidor não o faça. É fundamento do instituto, e guarda coerência com os princípios do Direito Cambiário, sua natureza de ato jurídico; dele extrai-se apenas a afirmação de seu autor, o avalista, de que saldará o débito na hipótese de inadimplência do avalizado, independentemente de qualquer outro elemento, tais como condições, modos, etc. que, destarte, devem ser tidos como não escritos, por não haver espaço para tanto".

Antes da vigência do NCC, a validade do aval prestado pelo marido não dependia da outorga uxória, conforme arts. 14 e 15 do Decreto 2.044/1908 e arts. 30 a 32 do Decreto 57.663/66.

Na vigência do Código Civil de 1916, a exigência da outorga uxória era somente para a fiança, mas não para o aval (art. 235, III, do CC/1916). Este era o ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho à época:

``O ato de garantia de efeitos não cambiais é a fiança, que se distingue do aval quanto aos seguintes aspectos:

a) para a validade da fiança, a outorga uxória ou a autorização do marido são indispensáveis, nos temos dos arts. 235, III, e 242, I, do CC. Uma fiança a que falte este requisito é nula, ao passo que o aval sem a anuência do cônjuge é plenamente válido, embora esteja resguardada a meação destes nos termos da Lei 4.121/62 [...]'' (Manual de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 229/230).

Contudo, após a vigência do Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico passou a exigir a outorga uxória para a validade do aval, conforme disposto no art. 1.647, III, do CCB, in verbis:

"Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: [...]

III - prestar fiança ou aval; [...]".

Trata-se de norma que contém ordem cogente e objetiva, e regra especial cambial, que, por ser posterior à legislação comercial até então vigente, deve ser aplicada para exigir a anuência do cônjuge para a validade do aval.

Sobre o tema leciona a doutrina:

1) "Garantia típica cambiária, o aval sofrerá agora a limitação da outorga marital ou uxória, sendo o avalista casado, exceto se o regime do casamento for o de separação absoluta (art. 1.647, III, do novo Código). Na espécie, a nova disposição vai sobressair, já que a Lei Uniforme e demais normas especiais não trataram do assunto, isto é: não deram ao aval tal caráter, de obrigação vinculada à autorização do outro cônjuge, como ocorria com a fiança.

[...]

A partir do novo Código Civil, ocorre limitação expressa do aval dado sem o consentimento do outro cônjuge, exceto quando o regime do casamento for o de separação absoluta. Ocorrendo o aval isolado de um dos cônjuges, não sendo o regime de casamento o da separação absoluta, o marido, quanto a mulher, pode livremente demandar a invalidação do aval realizado com infração do disposto no inciso III do art. 1.647. Esta ação compete ao cônjuge prejudicado e a seus herdeiros, ou seja: a decretação da invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento do outro cônjuge ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros (art. 1.650 do novo Código Civil)" (COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 28/29).

2) "O dispositivo (art. 1.647 do CCB), nas vedações mantidas, tem em vista preservar o patrimônio familiar, de modo que, em casamentos celebrados em regime que não seja o da separação absoluta de bens, faz-se necessária a anuência conjugal na alienação ou gravame de ônus real sobre bens imóveis, no pleito, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos, na prestação de fiança ou aval e na realização de doação, não sendo remuneratória, de bens comuns ou daqueles que possam integrar futura meação, tendo em vista esta última hipótese o regime de participação final dos aquestos" (SILVA, Regina Beatriz Tavares da. In: FIÚZA, Ricardo (Coord.). Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.460).

Tornou-se irrelevante, portanto, após a vigência do Código Civil de 2002, se o aval foi ou não em benefício da família ou do cônjuge, sendo nulo se firmado a partir do NCC sem anuência do cônjuge, ou seja, sem outorga uxória.

Nesse sentido:

1) "Recurso especial - Ação anulatória de aval - Outorga conjugal para cônjuges casados sob o regime da separação obrigatória de bens - Necessidade - Recurso provido.

1. É necessária a vênia conjugal para a prestação de aval por pessoa casada sob o regime da separação obrigatória de bens, à luz do art. 1647, III, do Código Civil.

2. A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no art. 1.647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento.

3. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula nº 377/STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no art. 1.647 da lei civil.

4. Recurso especial provido" (REsp 1163074/PB, 3ª Turma/STJ, Rel. Min. Massami Uyeda, j. em 15.12.2009, DJ de 04.02.2010).

2) "Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Cédula de produto rural. Ação ajuizada contra a emitente e os avalistas. Exceção de pré-executividade. Incidente ajuizado pelos avalistas e pelos cônjuges prejudicados. Aval. Ausência de outorga uxória. Invalidade da garantia. Inteligência dos arts. 1.647, III, e 1.649 do novo Código Civil. Exclusão dos avalistas do polo passivo da execução. - O novo Código Civil é expresso no sentido de que a invalidade do aval por ausência de outorga uxória pode ser aventada pelo cônjuge prejudicado. Se a nota promissória foi emitida após a vigência do novo Código Civil, indispensável a outorga uxória do cônjuge do avalista. Ausente o assentimento, inválida é a garantia. Recurso não provido" (Ag Instr 416733-9; Ac. 8470, 15ª CCível/TJPR, Rel. Des. Hamilton Mussi Correa, j. em 04.07.2007, DJPR de 13.07.2007) (publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

In casu, o documento de f. 08 certifica que a apelante se casou com Olavo Antunes da Silva no regime de comunhão de bens.

Na cédula de crédito bancário de f. 10/17, firmada em 18.11.2005, consta a assinatura do marido da autora/apelante, Olavo Antunes da Silva, como avalista de Agropecuária Minas Rancho Ltda.

Na cédula de crédito bancário, não consta assinatura de Willia Moterani Antunes, ora apelante, mas o avalista, cônjuge da recorrente, também anuiu em seu nome ao aval, por suposta procuração, conforme f. 17, constando assinatura por procuração da apelante, firmada pelo avalista, seu marido.

Para validade do aval, diante da obrigatoriedade da outorga uxória a partir da vigência do Código Civil de 2002, cabia à instituição financeira apelada, nos termos do art. 333, II, do CPC, a prova de que o avalista realmente possuía procuração de sua mulher, ora apelante, para que ele assinasse a anuência do aval em seu nome.

Contudo, a apelada não provou a existência de tal procuração nem de que exigiu sua apresentação no ato da assinatura do contrato.

Tal prova é documental e seria de fácil produção, mas a apelada não a produziu, pedindo o julgamento antecipado da lide quando intimada para tanto (f. 69/70).

Assim sendo, na falta de outorga uxória, o aval realmente não se mostra válido.

As razões recursais apresentadas pela autora, portanto, merecem ser acolhidas.

Dispositivo.

Isso posto, dou provimento à apelação para reformar a sentença, julgando procedente o pedido inicial para declarar nulo o aval prestado pelo cônjuge da autora em favor da ré, sem a sua anuência, e condenando a ré a pagar as custas, inclusive recursais, e honorários advocatícios sucumbenciais no percentual já arbitrado na sentença.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Lucas Pereira e Eduardo Mariné da Cunha.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 29/06/2011.

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