TJSP - Apelação – Indenização – Demissão sem justa causa ajuizada contra Ofício de Notas – Impossibilidade – Ausência de personalidade jurídica – Sentença reformada

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Apelação cível – Indenização – Ação por demissão sem justa causa ajuizada contra Ofício de Notas – Impossibilidade – O cartório não detém personalidade jurídica e portanto obrigação alguma contra ele é dirigida para que suponha deva ele algo – Se não detém personalidade jurídica, o seu Titular não assume função assemelhada a diretor ou gerente de empresa, para que se suponha presente uma sucessão na responsabilidade trabalhista – Se a autora era auxiliar do Tabelião Waldomiro, seu pai e posteriormente de seu marido, e não fora contratada regular ou irregularmente pela atual delegada, deve contra eles e não contra esta ajuizar a ação que entender compatível para indenizar-se de eventuais práticas abusivas que tenham sido cometidas
pelo anterior delegado – Sentença reformada – Recurso provido para julgar a autora carecedora de ação contra a requerida e condená-la no pagamento da taxa judiciária despendida e de honorários de advogado arbitrados em R$ 20.000,00. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO – Ação por demissão sem justa causa ajuizada contra Ofício de Notas – Impossibilidade – O Cartório não detém personalidade jurídica e portanto obrigação alguma contra ele é dirigida para que suponha deva ele algo – Se não detém personalidade jurídica, o seu titular não assume função assemelhada a diretor ou gerente de empresa, para que se suponha presente uma sucessão na responsabilidade trabalhista – Se a autora era auxiliar do tabelião Waldomiro, seu pai e posteriormente de seu marido, e não fora contratada regular ou irregularmente pela atual delegada, deve contra eles e não contra esta ajuizar a ação que entender compatível para indenizar-se de eventuais práticas abusivas que tenham sido cometidas
pelo anterior delegado – Sentença reformada – Recurso provido para julgar a autora carecedora de ação contra a requerida e condená-la no pagamento da taxa judiciária despendida e de honorários de advogado arbitrados em R$20.000,00. (TJSP – Apelação Cível nº 0029603-97.2005.8.26.0405 – Osasco – 8ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Helio Faria – DJ 29.08.2012)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0029603-97.2005.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que são apelantes QUARTA TABELIÃ DE NOTAS DE OSASCO e ELZA DE FARIA RODRIGUES, é apelada MARIA HELENA ROCHA BIAGIGO.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, CONTRA O VOTO DO 3° JUIZ, QUE DECLARA.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente) e RIBEIRO DA SILVA.

São Paulo, 1 de agosto de 2012.

HELIO FARIA – Relator.

RELATÓRIO

Processo redistribuído conforme despacho proferido pelo Presidente da Seção de Direito Privado no Exp. 177/2011.

Trata-se de apelo contra sentença que julgou parcialmente procedente ação indenizatória proposta contra a Quarta Tabeliã de Notas de Osasco Sra. Elza de Faria Rodrigues, impondo-lhe condenação no pagamento à autora de indenização de férias e licenças prêmio não gozadas, de um terço de férias, de quinquênios, décimo-terceiro salário, não pagos e devidos pelo Quarto Tabelionato até o dia 16/05/2005, valores que
seriam apurados em liquidação (grifo nosso).

A Sra. Tabeliã apelou apontando a ilegitimidade passiva, porque sua investidura na delegação é originária e não se assume responsabilidade por sucessão trabalhista em quaisquer relações de empregos anteriores, a qual persiste como dirigida ao anterior delegado.

Recurso tempestivo, preparado e respondido.

Relatei.

VOTO

A despeito do entendimento manifestado pelo juízo de origem, deve-se registrar que a sentença apresenta duas impropriedades básicas, ambas correlatas à ilegitimidade passiva.

De um lado porque supõe a existência de uma pessoa jurídica – não há.

Como minuciosamente adverte o Ministro SIDNEI BENETI, na delegação do serviço cartorário o Estado atribui uma função pública a um delegado aprovado por concurso público para que ele exerça em seu nome uma atividade delegada (RECURSO ESPECIAL N° 1.177.372 – RJ (2010/0016191-3).

Como tal o Cartório nada mais é que o espaço físico organizado pelo titular investido da delegação, consoante as normas de serviço emanadas da Corregedoria Geral da Justiça, para que o público receba prestação continua de serviços notariais e registrais.

O Cartório não detém personalidade jurídica e portanto obrigação alguma contra ele é dirigida para que se suponha deva ele algo.

Se não detém personalidade jurídica, o seu titular não assume função assemelhada a diretor ou gerente de empresa, para que se suponha presente uma sucessão na responsabilidade trabalhista.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO DE FIRMA MEDIANTE ASSINATURA FALSIFICADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFÍCIO DE NOTAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA E JUDICIÁRIA.

1. Consoante as regras do art. 22 da Lei 8.935/94 e do art. 38 da Lei n. 9.492/97, a responsabilidade civil por dano decorrente da má prestação de serviço cartório é pessoal do titular da serventia à época do fato, em razão da delegação do serviço que lhe é conferida pelo Poder Público em seu nome.

2. Os cartórios ou serventias não possuem legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda indenizatória, pois são desprovidos de personalidade jurídica e judiciária, representado, apenas, o espaço físico onde é exercida a função pública delegada consistente na atividade notarial ou registral. 3. Ilegitimidade passiva do atual titular do serviço notarial ou registral pelo pagamento de débitos atrasados do antigo titular.

4. Doutrina e jurisprudência acerca do tema, especialmente precedentes específicos desta Corte. 5. Recurso especial provido.

Do mesmo aresto extrai-se a lição de Carlos Roberto Teixeira Guimarães, verbis:

“A serventia nada mais é do que o espaço físico de uma repartição pública, onde, se presta um tipo de serviço público essencial à inserção do indivíduo na ordem jurídica, para o efetivo exercício de determinados interesses tutelados, ou, para a expressão documental da personalidade”.

E complementa o Ministro:

“Ademais, não podem também a serventia ser classificada como ente despersonalizado detentor de capacidade processual (como a massa falida, a sociedade de fato, o espólio, a herança jacente ou vacante e o condomínio – exvi do art. 12 do CPC), pois não é sujeito de direitos, tampouco constitui uma universalidade de bens de conteúdo econômico imediato.

Vale ressaltar que o acervo cartorial contém, além de outros bens, documentos os quais ostentam natureza de arquivo público, não podendo, portanto, ser comercializado; somente gerenciado, por meio de delegação prevista constitucionalmente”.

E assim Carlos Roberto Teixeira Guimarães sintetiza:

Aqui identificamos uma espécie de ausência de responsabilidade civil, seja pelo regime ordinário, ou pelo regime extraordinário, pois, à serventia, a repartição pública cartorial, não se empresta personalidade civil, porque não é pessoa titular de direitos e deveres na ordem jurídica, privada ou pública. O cartório não atende ao artigo 1° da Lei n° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

O acervo cartorial é um arquivo, um composto de bens singulares sem conteúdo econômico imediato, mas de interesse que repercute em toda nação. Ali se tem parte da história do Brasil.

Assim é que, muito menos, à serventia extrajudicial notarial e de registro é pertinente a personalidade tratada no art. 2°, e o restante do art. 41, bem como, aquilo estampado no art. 45 (...)

(...) Isto quer dizer que a serventia não é o sujeito de direito, motivo pelo qual, no máximo poderia ser encarada como objeto de direito, que também não o é, pois, somente a mobília é bem móvel objeto de direito real ou pessoal; e os documentos oriundos do serviço têm natureza de arquivo público.

Destarte, o arquivo público está fora do comércio jurídico de direito privado, tanto que, só se defere seu gerenciamento, pela delegação constitucional dos serviços notariais e de registros públicos. Esta delegação transfere a estabilidade no gerenciamento do foro extrajudicial.

Por isso, não há relação jurídica entre o cartório e qualquer pessoa.

A invenção do constituinte na delegação constitucional não tirou da serventia a natureza de mera repartição pública, pois, a preocupação maior do legislador é com a eficiência no serviço pela desestatização.

No regime ordinário temos a descentralização na pessoa do particular, daí porque é esta a pessoa que ordinariamente responde por tudo no cartório, enquanto, no regime extraordinário, a responsabilidade pelo cartório é do Estado (...)

A personalidade vem de personalidade e como tal, o cartório, só é um arquivo público gerenciado por particular, daí porque, a serventia, ou o serviço não responderem por quaisquer débitos. (...)

O tabelião público ou o oficial público registrador não são, certamente, empresários muito menos, profissionais liberais”, Suas “serventias são arquivos públicos de todos do povo.

Portanto, por não se tratar de unidade econômica, muito menos por não ter responsabilidade jurídica, ao cartório não se empresta responsabilidade civil por débitos de quaisquer natureza, inclusive por direitos do trabalhador.

Todos os danos ou débitos ou dívidas e créditos ocorrentes no espaço e no tempo da repartição cartorial, se devem aos seus responsáveis e nunca a serventia em si mesma, que não é personagem na ordem jurídica. (In: A Responsabilidade Civil Cartorária Extrajudicial, Rio de Janeiro: Senai/RJ, 2005, p. 50-53 e 129-131 – os grifos não são do original).

De outro lado, se a autora era auxiliar do tabelião Waldomiro, seu pai e posteriormente de seu marido, e não fora contratada regular ou irregularmente pela atual delegada, deve contra eles e não contra esta ajuizar a ação que entender compatível para indenizar-se de eventuais práticas abusivas que tenham sido cometidas pelo anterior delegado.

Pode-se então concluir que: “Há ilegitimidade de partes entre atuais e futuros titulares, da mesma serventia, em caso de sucessão trabalhista, civil, previdenciária ou penal” (Márcia Rosália Schwarzer Curso de Direito Notarial e Registral: da origem à responsabilidade civil, penal e trabalhista. Porto Alegre: 2008, p. 218).

Pelo voto, dá-se provimento ao apelo para julgar a autora carecedora de ação contra a requerida e de condená-la no pagamento da taxa judiciária despendida e de honorários de advogado que arbitro em R$20.000,00, aqui considerando o grau de zelo exigido aos prepostos dos litigantes, o lapso de tempo exigido para o acompanhamento processual, com desdobramento em mais de uma esfera jurisdicional e da complexidade da matéria.

HELIO FARIA – Relator.

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

Em que pese o entendimento da douta maioria, dela ouso divergir apenas quanto à verba honorária.

Nas causas de pequeno valor inestimável, bem como naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das letras “a” a “c” do parágrafo anterior”.

Assim, em atenção aos critérios ali delineados, fixo os honorários advocatícios em R$3.000,00.

RIBEIRO DA SILVA – 3° juiz.


Fonte: Boletim Eletrônico INR 5480 - 27/09/2012.

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