MS – Existência de Averbação de Indisponibilidade de Bens – Posterior apresentação de Carta de Arrematação para Registro – Possibilidade

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, QUE NEGOU PROVIMENTO A RECURSO ADMINISTRATIVO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO DO JUIZ CORREGEDOR DO REGISTRO DE IMÓVEIS DE SANTO ANDRÉ, QUE NEGOU REGISTRO A CARTA DE ARREMATAÇÃO, POR HAVER AVERBAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE BEM IMÓVEL, NA FORMA DO ART. 53, §1º, DA LEI 8.212/91. ILEGALIDADE. PRECEDENTES. NÃO PODE SER RECUSADO O REGISTRO DE CARTA DE ARREMATAÇÃO, AINDA QUE HAJA SIDO PRECEDENTEMENTE AVERBADA A INDISPONIBILIDADE DO BEM ARREMATADO. TAL INDISPONIBILIDADE TEM POR FINALIDADE IMPEDIR A ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA DO IMÓVEL, MAS NÃO É IMPEDIDA DO REGISTRO DE CARTA DE ARREMATAÇÃO, QUE EXPRESSA ATO DE IMPÉRIO DO ESTADO-JUIZ. PRECEDENTES. SEGURANÇA CONCEDIDA. (TJSP – Mandado de Segurança nº 0243697-10.2011.8.26.0000 – São Paulo – Órgão Especial – Rel. Des. Campos Mello – DJ 04.07.2012)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº 0243697-10.2011.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante JOSÉ CARLOS RODRIGUES DE SOUZA sendo impetrado CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA.

Acordam, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “CONCEDERAM A SEGURANÇA. V.U. FARÁ DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR O EXMO. SR. DES. ENIO ZULIANI. IMPEDIDOS OS EXMOS. SRS. DES. IVAN SARTORI, GONZAGA FRANCESCHINI, CORRÊA VIANNA E RENATO NALINI. JULGAMENTO PRESIDIDO PELO EXMO. SR. DES. LUIZ PANTALEÃO.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIZ PANTALEÃO (Presidente), DE SANTI RIBEIRO, GUERRIERI REZENDE, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ARTUR MARQUES, CAUDURO PADIN, GUILHERME G. STRENGER, RUY COPPOLA, ROBERTO MAC CRACKEN, KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI (com declaração), LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RIBEIRO DA SILVA, FERRAZ DE ARRUDA e FRANÇA CARVALHO.

São Paulo, 23 de maio de 2012.

CAMPOS MELLO– Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato de Conselho Superior da Magistratura, que negou provimento a recurso interposto contra recusa de registro de carta de arrematação de imóveis expedida em favor do impetrante, em razão de penhoras existentes em execuções ajuizadas pela Fazenda Nacional e na Justiça do Trabalho.

Alega o impetrante que a recusa é ilegal, visto que o art. 53, §1º, da Lei 8.212/91 apenas veda a alienação voluntária de bem indisponível, mas não a arrematação judicial. Além disso, o valor depositado permaneceu à disposição do juízo da execução, para pagamento dos outros débitos. Pediu liminar e a concessão da segurança, para que seja registrado seu título. Juntou os documentos a fls. 18/33.

Indeferida a tutela de urgência, vieram as informações e o parecer da Procuradoria Geral de Justiça foi no sentido da concessão da segurança.

É o relatório.

VOTO

É caso de concessão da segurança.

A indisponibilidade do bem penhorado em execução da dívida ativa da União, prevista no art. 53, §1º, da Lei 8.212/91, diz respeito à impossibilidade de alienação voluntária do bem pelo devedor. Não é impeditiva de arrematação, que é ato de império. A alienação coativa, promovida pelo Estado-Juiz, deve prevalecer, de modo que não é possível impedir o registro da respectiva Carta de Arrematação.

Tanto é assim que é reiterada a jurisprudência de que, após a expedição da Carta de Arremetação, nem mesmo o juiz que a expediu tem o poder de decretar a anulação ou declarar a nulidade do ato judicial, ainda que haja ocorrido precedente preterição de alguma formalidade legal. É necessário o ajuizamento de demanda autônoma anulatória (STJ – AgRg no Rec. Esp. 1.137.761/CE, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 7.12.2011, RMS 22.286/PR, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 4.6.2007, Rec. Esp. 755.155/PR, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.8.2007, Rec. Esp. 855.863/RS, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJ 4.10.2006).

Isso decorre da sistemática legal. Com efeito, mesmo que existia o registro de outra penhora, levada a cabo em outra execução, nada obsta que ela seja cancelada, para que se proceda ao registro da arrematação (RT 657/113)

A mesma razão deve presidir o exame de registro de Carta de Arrematação em caso de haver averbação da indisponibilidade prevista no art.53, §1º, da Lei 8.212/91. Ela tem por finalidade impedir que o devedor de tributos federais ou contribuições previdenciárias, ou de qualquer outro débito inscrito na dívida ativa na União, suas autarquias ou fundações, venha a se desfazer de seu patrimônio por ato voluntário. Mas essa constrição deve cair diante da Carta de Arrematação e, assim, como os outros credores, esse outro exeqüente deve postular o que entender cabível na defesa de seu direito no juízo da execução em que fora expedida a Carta de Arrematação, visto que a garantia passa a ser o numerário correspondente ao valor da arrematação, que estará depositado naquele juízo. Lá é que será definida a preferência para o levantamento.

Releva notar que a Segunda Seção do Tribunal de Justiça já decidiu que o Juiz Corregedor, em atividade administrativa, não pode recusar cumprimento de mandado expedido por Juiz no exercício de sua jurisdição, sob pena de invadir-lhe a competência (CC 30.820/RO, v.u., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 20.10.2001). E há outros precedentes no mesmo sentido (RMS 193-0/SP, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 21.9.1992, CC 14.750/RS, 2ª Seção, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 3.6.1996), com ênfase na circunstância de que tal recusa vulnera o devido processo legal.

O mesmo princípio deve ser aplicado no caso em tela, certo que assim já se decidiu nesta Corte em caso similar. Aqui ficou assentado com precisão: “O entendimento que se deve adotar, no caso, é o de que a indisponibilidade prevista no sinalado §1º, do art. 53, da Lei 9212/91, que também está expressa no art. 185-A do Código Tributário Nacional, não pode impedir o exercício da arrematação pelo credor. É que não se há confundir bem indisponível com bem impenhorável. O conceito de indisponibilidade tem pertinência ao titular do domínio, isto é, o proprietário, que detém o jus disponendi. Mas o registro de carta de arrematação é coisa diversa, visto que decorrente de expropriação forçada do Estado e não de ato voluntário...” (Ag. Inst. 0099703-60.2007.8.26.0000, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Silvério Ribeiro, julg. Em 6.8.2008, decisão trazida à colação no parecer da Procuradoria Geral de Justiça). E no Superior Tribunal de Justiça também foi externado o entendimento de que tal indisponibilidade tem o condão de invalidar a alienação voluntária (Rec. Esp. 512.397/SP, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, DJ 22.3.2004).

Em resumo, a averbação de indisponibilidade ou de penhora não pode obstar o registro da Carta de Arrematação apresentada pelo impetrante.

Pelo exposto, concedo a segurança, para afastar o óbice que fora reconhecido pelo e. Conselho Superior da Magistratura e permitir o registro pretendido pelo impetrante. Custas na forma da lei.

CAMPOS MELLO – Desembargador Relator.

VOTO CONVERGENTE

Vistos.

Não será possível transpor para o papel as mesmas palavras que proferi quando da sessão de conferência de votos e, para cumprir sugestão do decano sobre necessidade de exteriorizar meu raciocínio, tentarei fazê-lo com a máxima fidelidade. Recorde-se que fiz, na ocasião, uma exposição sobre os acertos do voto do digno Relator, Desembargador CAMPOS MELLO, cuja fundamentação dispensaria complementos.

A primeira observação versada foi sobre a possibilidade de manejo do mandado de segurança (art. 5º, II, da Leo 12016/2009) e reafirmei a incidência do writ, por não considerar como insuscetível de recurso decisão do Conselho Superior da Magistratura. O acesso à ordem jurídica, tal como previsto no art. 5º, XXXV, da CF, permite que se autorize a abertura da cognição especial para exame do caso. Também comentei que embora o mandado de segurança tenha vocação de combate ao abuso, arbitrariedade e ilegalidades, não poderia ser admitido esse conceito diante do Conselho Superior da Magistratura que, pela sua história de dedicação em prol das causas da Justiça e do Tribunal, não poderia ser classificados como colegiado de prática de tais desatinos, pois o que os autos revelam consiste em equívoco de interpretação sobre questão complexa,o que é natural da jurisdição.

Sobre a questão de fundo, endossei a proposição do eminente relator, por estar convicto de que a penhora prevista na Lei 8212/91 (art. 53, § 1º), provoca a indisponibilidade do bem, desde que não se prejudique os interesses dos credores fiscais. No caso em apreço e porque constatei que nos autos em que ocorreu a arrematação, cuidou o Juízo (proc. 161.01.2004.000831-3) de providenciar o rateio do produto da venda judicial, tendo expressamente assegurada a preferência do crédito tributário que gerou a penhora (print do processo da 2ª Vara de Diadema, n. 185/2004).

Essa constatação traz segurança para decidir em favor daquele que confiou na presteza dos trabalhos judiciários e se lançou a arrematação do imóvel, ofertando preço que foi quitado mediante depósitos, com numerário suficiente para realizar o rateio entre os credores com prioridades. Assim e garantido a satisfação da dívida que deu ensejo a penhora registrada na matrícula, não há óbice para que o Registro de Imóveis cumpra seu mister e registra a carta de arrematação expedida em favor do impetrante, para que ele obtenha o domínio (art. 1227, do CC). Há, pois, predominância, na eventual colisão de direitos (e não há, convém enfatizar) do direito do impetrante que, por ser originário de uma atividade judiciária, deverá obter o resultado previsto e que está garantido pela lisura do ato.

Concedo a segurança para deferir o registro, procedendo-se como de praxe.

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI


Fonte: Site do TJSP- 11/10/2012.

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